No século 19, o britânico Alfred Wallace, coautor da Teoria da Evolução com Charles Darwin, lançou a hipótese de que os grandes rios amazônicos poderiam servir de barreira natural e influenciar na diversidade de seres vivos da floresta.
A tese foi comprovada em estudos que tiveram como objeto animais vertebrados, mas não do ponto de vista das espécies vegetais; foi o que propôs um grupo de pesquisadores brasileiros e americanos.
Os resultados mostraram que a alta variedade da flora amazônica não resultou de um único fator, mas sim da combinação de diversos aspectos; daí o alto índice de biodiversidade vegetal.
Para algumas plantas, rios largos foram uma barreira importante para a criação de novas espécies; para outras, a dispersão de sementes pelo vento, pela água e por animais foi fator determinante.
Desde o fim do século 18, quando os primeiros naturalistas europeus chegaram à Amazônia para catalogar a sua copiosa natureza, uma questão que intriga a todos é a razão de tamanha diversidade de fauna e flora. A Amazônia abriga a maior concentração de biodiversidade na Terra, com 10% das espécies descritas do mundo circunscritas em apenas 0,5% da área total da superfície do planeta.
Entre 1848 e 1852, o britânico Alfred Russel Wallace, coautor da Teoria da Evolução ao lado de Charles Darwin, explorou a Bacia Amazônica e lançou a hipótese de que os grandes rios poderiam servir de barreira natural e influenciar na distribuição geográfica e na geração da esplêndida gama de seres vivos da floresta tropical, onde um único hectare de terra possui a mesma variação de espécies de plantas de toda a Europa.
Focado principalmente na observação de primatas, Wallace notou que alguns tipos de primatas encontrados em uma margem do Rio Negro não eram vistos no lado oposto. O cientista concluiu, então, que os colossais rios amazônicos, alguns dos quais podem chegar a 50 km de largura durante os períodos de cheia, teriam limitado a dispersão dos animais entre as margens e bloqueado o seu fluxo gênico (migração de genes entre populações). O conceito foi então aplicado a diferentes organismos, numa tentativa de avaliar o grau de isolamento genético entre populações localizadas nas margens opostas dos rios.
Em termos práticos, a hipótese de Wallace postulava que ao longo de milhões de anos, estas barreiras geográficas, além de separar populações da mesma espécie, teriam levado a um acúmulo de diferenças genéticas entre os grupos localizados nas duas margens – levando à especiação (processo de formação de novas espécies). Este fenômeno acontece no mundo todo, especialmente em áreas montanhosas, como os Andes, onde o soerguimento da cordilheira gerou a grande biodiversidade observada em suas bordas hoje em dia.
A hipótese de Wallace, embora comprovada em estudos que tiveram como objeto animais vertebrados, não havia sido ainda testada do ponto de vista das espécies vegetais. Foi o que propôs um grupo de pesquisadores brasileiros e americanos em um estudo publicado recentemente na publicação Frontiers.
“Nós fizemos uma reinterpretação da hipótese de Wallace em termos genéticos, já que a versão original fala de padrão de distribuição das espécies em função de barreiras biogeográficas. Nosso estudo tentou responder o que seria esperado nestes termos se um grande rio separasse populações de uma mesma espécie”, diz Alison Nazareno, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor que liderou o estudo que visou expandir a tese com enfoque no padrão de estruturação genética em plantas.
Em campo, a expedição que deu origem ao estudo durou sete dias e gerou três anos de trabalho em laboratório. A bordo de uma embarcação amazônica, o grupo de pesquisadores navegou pelo Rio Negro, cuja distância entre as margens pode chegar a mais de 20 km, até chegar à boca do Rio Branco, um afluente de tamanho médio, onde a largura é bem menor e variou, na área de estudo, de 1 a 4 km. O objetivo era testar a hipótese dos rios como barreiras utilizando rios com larguras diferentes.
Para tal, os pesquisadores coletaram amostras de folhas para extração de DNA e estimaram o nível de fluxo gênico entre populações de representantes de quatro famílias botânicas: as bignoniáceas, as passifloráceas, as rubiáceas e as violáceas.
“Nós medimos a variação genética dentro de uma mesma espécie de planta, mas em populações localizadas em margens distintas do rio. Usamos um índice de diferenciação genética que varia de zero a um. A escala muito próxima a um indica que populações, mesmo que hipoteticamente pudessem se cruzar no futuro, não conseguiriam deixar descendentes férteis”, explica Nazareno.
Os resultados mostraram que a alta variedade da flora amazônica não resultou de um único fator, mas sim da combinação de diversos aspectos tanto históricos como ecológicos. É justamente por esta multi-fatorialidade que seus índices de biodiversidade são tão altos.
Para algumas espécies de plantas, rios largos representaram uma barreira importante para interromper a conectividade genética e iniciar o processo de especiação. Para outras, aspectos ecológicos, como a dispersão de sementes pelo vento, pela água e por animais, além da polinização e adaptação ao solo, mais do que a geografia, explicam a história evolutiva de plantas na Amazônia. “O Rio Branco não representou uma barreira para o fluxo gênico de nenhuma das espécies de plantas estudadas neste trabalho. Por outro lado, o Rio Negro impôs uma barreira importante para a Amphirrhox longifolia, uma espécie da família das violáceas”, diz Lúcia Lohmann, professora doutora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), também integrante da equipe de pesquisadores.
Segundo Lohmann, a Amphirrhox longifolia é disseminada por peixes que apresentam nichos restritos e, que com pouca frequência, alcançam a margem oposta do rio, contribuindo para o isolamento gênico de populações desta espécie, em um processo que provavelmente levará ao surgimento de novas espécies de plantas no futuro.
O mesmo processo de isolamento genético acontece com a espécie Buchenavia oxycarpa, da família vegetal das combretáceas. Dispersadas por primatas que não conseguem cruzar o Rio Negro, populações desta espécie encontradas em margens opostas do rio apresentaram uma forte estruturação genética, indicando limitado fluxo gênico, um componente importante do processo de especiação.
De acordo com Lúcia, que coordena juntamente com o pesquisador norte-americano Joel Cracraft, do Museu Americano de História Natural, o estudo da origem e evolução da biota amazônica desde 2003, informações desta natureza são de grande importância pois permitem estabelecer politicas públicas mais eficientes que maximizem a conservação de regiões e linhagens chave da Amazônia.
“O nosso conhecimento da Amazônia ainda é muito fragmentário. É só através de planos de manejo embasados em dados científicos de alta qualidade e um bom conhecimento dos processos ecológicos e evolutivos responsáveis pela geração e manutenção da alta biodiversidade encontrada nesta região que poderemos estabelecer estratégias efetivas para a conservação da alta biodiversidade encontrada na Amazônia hoje em dia”, diz Lohmann.
“É um trabalho de detetive, que integra dados de diferentes naturezas, tanto da biologia como da geologia, para descobrir a origem da floresta e como ela se formou. Um bom conhecimento da Amazônia é chave para a sua preservação já que o ser humano só preserva o que conhece, gosta e valoriza”, conclui a pesquisadora.
Imagem do banner: Percurso em igarapé para recolher amostras de plantas para a pesquisa. Foto: Leonardo Ramos Chaves.