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Governo federal quer licenciar ferrovia sem consulta a indígenas

Planejada para escoar soja e outros grãos do Mato Grosso, Ferrogrão está prestes a receber a primeira licença ambiental

por Jennifer Ann Thomas em 26 Fevereiro 2021 |

Mongabay Series: Infraestrutura na Amazônia

  • Ferrovia planejada para escoar produção de grãos do Mato Grosso até portos no Pará deve receber a primeira licença ambiental em abril de 2021.

  • Ministério Público Federal entrou com representação no Tribunal de Contas da União para suspender o processo enquanto não forem realizadas consultas prévias aos povos indígenas impactados.

  • De acordo com o MPF, sem dados aprofundados sobre custos com medidas de compensação, não há como saber se o empreendimento é economicamente viável ou se trará prejuízo aos cofres públicos.

  • Pela primeira vez, o argumento da economicidade foi usado pelo MPF para buscar a suspensão cautelar de um processo junto ao TCU.

Entre os projetos considerados prioritários para o governo federal neste início de ano, a ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, deve começar a ser licenciada em abril. A previsão é que o edital de licitação seja publicado ainda no primeiro trimestre de 2021. Contudo, o Ministério Público Federal no Pará entrou com uma série de ações judiciais ao longo de 2020 para que sejam respeitados os direitos à consulta prévia de povos indígenas. Em uma delas, a própria viabilidade econômica do empreendimento foi questionada.

A Ferrogrão foi projetada para cortar os estados de Mato Grosso e Pará ao longo de 933 quilômetros de extensão, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). O objetivo é reduzir gargalos no transporte de soja e milho até os portos para exportação. Além dos grãos, o governo também prevê o transporte de produtos como óleo de soja, fertilizantes, açúcar, etanol e derivados do petróleo. Atualmente, o transporte depende do tráfego de caminhões na BR-163 e mais de 70% da safra do Mato Grosso é escoada pelos portos de Santos, em São Paulo, e de Paranaguá, no Paraná.

Contudo, por mais que os trilhos sejam considerados necessários para o deslocamento de grãos, etapas previstas em lei para o licenciamento da obra, como a consulta prévia aos povos indígenas, vêm sendo ignoradas. Em outubro, cinco organizações da sociedade civil enviaram, em conjunto com o MPF, uma representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo a suspensão cautelar do processo de desestatização e a proibição da licitação da Ferrogrão.

De acordo com o procurador da República Felipe Moura Palha, o fato de o governo federal violar o direito de participação das comunidades pode fazer com que a União tenha que arcar com um expressivo prejuízo econômico no futuro. “É a primeira vez que o MPF aciona o TCU para analisar um grande projeto na Amazônia sob a perspectiva da economicidade”, diz o procurador. Segundo a interpretação do MPF, a falta de dados sobre os reais impactos ambientais pode fazer com que os custos com compensações sejam maiores do que o imaginado, o que pode levar a um prejuízo para os cofres públicos por causa da obra. “Defendemos que a consulta prévia, a análise e a influência das comunidades indígenas na própria consideração de viabilidade econômica do empreendimento é imprescindível”, afirmou.

Audiência pública realizada com indígenas no ano de 2018, em Brasília, debateu a falta de mecanismos de consulta às populações atingidas pela construção da Ferrogrão. Foto: Roque de Sá / Agência Senado.

Após a representação do MPF, o TCU notificou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela regulação das atividades de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal, e a Funai, para a realização das consultas aos povos indígenas. Para piorar, em meio ao imbróglio judicial, o governo federal, por meio da Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos (SE-PPI), ligada ao Ministério da Economia, foi acusado pelo MPF de ter tentado aliciar uma liderança Munduruku em dezembro.

O povo Munduruku, com cerca de 13.700 pessoas que ocupam territórios ao longo do rio Tapajós, possui organizações políticas próprias. De acordo com o MPF, o governo procurou um único indígena como “interlocutor dotado de representatividade para articular sobre os interesses do seu povo”. No dia 14 de dezembro, o MPF também recomendou que sejam incluídos no processo de consulta prévia sobre os impactos do empreendimento os povos indígenas do Mato Grosso que serão afetados, direta ou indiretamente, pela Ferrogrão. A recomendação foi direcionada ao Ibama e à Funai.

Indígenas ignorados

De acordo com o advogado do Instituto Kabu, Melillo Dinis, que representa 12 comunidades do povo Mẽbêngôkre-Kayapó, com cerca de 12 mil Kayapós, os indígenas não têm uma opinião formada sobre a ferrovia porque o projeto sequer foi apresentado a eles. No momento, segundo Dinis, há três questões em discussão: o direito à consulta prévia e o cumprimento dos protocolos indígenas, que não foram adotados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro; a necessidade de uma ampla avaliação socioambiental sobre degradação, desmatamento e aumento da pressão territorial na região; e o fato de que representantes dos órgãos do governo afirmaram que os direitos indígenas seriam respeitados, mas não cumpriram com o que foi prometido. “O quadro que nos foi apresentado até agora é de completo desrespeito aos povos indígenas. Os indígenas têm uns 10.000 anos de presença no território. Vamos lutar até o fim”, afirma o advogado.

Dinis faz questão de destacar que a situação vem se estendendo desde os governos anteriores – no plural –, sendo que o projeto da Ferrogrão teve início em 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) foi destituída do cargo e Michel Temer (MDB) assumiu a presidência da República. “Antes nos escutavam e não nos davam a menor atenção. Este governo nem nos escuta. A consequência é a mesma”.

A Ferrogrão foi projetada para cortar os estados de Mato Grosso e Pará ao longo de 933 quilômetros de extensão, entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). O objetivo é reduzir gargalos no transporte de grãos, sobretudo a soja, até os portos para exportação. Foto: Walbron Siqueira/CC BY-NC-ND.

Segundo Palha, não há como estipular um teto de gastos sem o conhecimento sobre o que deverá ser feito como compensação ambiental. “Não é uma postura contra obras de desenvolvimento. O pedido é: faça a consulta prévia antes de se atestar a viabilidade do empreendimento para que se possa discutir isso”, explica. Como exemplo, Palha citou o caso da Usina de Belo Monte, no Pará, que agora enfrenta uma possibilidade de mudança na vazão da hidrelétrica, o que poderia exigir o uso de mais térmicas. “Queremos evitar essa situação com a Ferrogrão, de projeto instalado e não devidamente projetado. Por isso há o ineditismo da análise pelo viés da economicidade pelo TCU”.

A polêmica em torno da construção da Ferrogrão teve início em 2016, quando foi anunciado que estudos seriam feitos para a viabilização do projeto. Em 2018, em uma reportagem publicada pela Mongabay, os indígenas Kayapó demonstraram preocupação com as ameaças que podem sofrer com a consolidação da ferrovia e escreveram uma carta endereçada à ANTT. No documento, o cacique Anhe Kayapó escreve: “A construção da Ferrogrão não pode ser feita sem o fortalecimento da fiscalização, da proteção e da vigilância desses territórios de Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs) [ao longo da rota]”.

Imagem no Banner: A Ferrogrão, planejada para escoar produção de grãos do Mato Grosso até portos no Pará, deve receber a primeira licença ambiental em abril de 2021. Foto: Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Matéria publicada por Thiago Medaglia
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