Em seus primeiros cem dias de governo, Jair Bolsonaro se apressou para trocar a equipe do IBAMA e reduzir a autoridade do instituto e do ICMBio, que administra suas áreas de conservação. Suas ações são vistas como benefícios aos ruralistas – rica elite do agronegócio e da mineração.
O Decreto Presidencial nº 9.760 cria “centros de conciliação” para investigar multas ambientais, e oferece inúmeras formas de apelação às multas, ao mesmo tempo em que impede que os fundos angariados pelas aplicações das multas sejam distribuídos para ONGs que cuidam de projetos ambientais.
Há preocupações quanto à possibilidade de o governo usar o novo decreto como precedente para perdoar a multa milionária (R$ 250 milhões), aplicada pelo IBAMA na gigante da mineração, Vale, por infrações à lei ambiental no caso do desastre de Brumadinho, que deixou 235 mortos.
Uma boa parte dos funcionários do IBAMA foi demitida, incluindo 21 de seus 27 superintendentes, responsáveis por combater o desmatamento. Muitos dos substitutos que Bolsonaro colocou nesses cargos, incluindo cargos de alta gestão no Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBio, são da área militar.
A velocidade com a qual a legislação e as agências ambientais estão sendo desmanteladas ganhou impulso à medida que o presidente Jair Bolsonaro se aproximou de seus primeiros cem dias de governo.
A rede de leis e regulamentos que controla a mineração, o agronegócio e os excessos dos grandes projetos de infraestrutura, minimizando os danos para o ecossistema do país, está sendo liquidada de forma tão rápida, que o jornalista Bernardo Mello Franco, que escreve para O Globo, chamou o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, de “anti-ministro, que está fazendo tudo o que pode para destruir aquilo que devia estar protegendo” e que está transformando “seu ministério em um playground para ruralistas”, a elite do agronegócio e mineração do país.
Em resposta, Ricardo Salles afirmou que o setor ambiental precisa de uma reestruturação radical porque “não está sendo devidamente administrado”.
Pressão implacável dos ruralistas
Uma amostra da atual tempestade política que acontece em Brasília pode ser tirada de uma participação do jornalista Ciro Barros, publicada no site independente Agência Pública. Em 10 de abril, Ciro Barros foi a uma reunião, na capital do país, que reuniu líderes dos ministérios da agricultura e do meio ambiente e ruralistas do Pará, onde se registram as maiores taxas de violência rural contra comunidades indígenas, tradicionais e de movimentos dos sem-terra.
A ministra da agricultura, Teresa Cristina, começou com um agradecimento aos grandes proprietários de terra por seu apoio político: “Podem ter certeza de que o presidente Bolsonaro sente uma afeição especial pelos produtores rurais que foram seu primeiro apoio, os primeiros a acreditar nele”. Depois, em uma série de discursos emocionados, os ruralistas responderam, pedindo uma mudança radical. Eles pediram o extermínio dos dois principais órgãos ambientais, IBAMA e ICMBio, e também a extinção da agência nacional do índio, a FUNAI.
Nelci Rodrigues, presidente da Associação de Produtores Rurais do Vale do Garça, também esbravejou contra o mosaico de áreas de conservação da Amazônia, criado em 2006 para conservar a floresta contra os impactos da pavimentação da BR 163, rodovia que liga Cuiabá (MT) ao sul do país, e Santarém (PA) ao rio Amazonas, no norte. Considerando que seu pai se mudou para o Amazonas em resposta ao apelo do governo militar para que fazendeiros do sul do país ocupasse a região, Nelci declarou, enfurecida: “Agora, os extremistas que controlam o IBAMA e o câncer do ICMBio estão roubando uma mulher direita, com crianças em casa! ”. Muito aplaudida, ela exigiu que os oficiais “desmantelem as reservas que a maldita da Marina Silva (ministra do meio ambiente em 2006) criou”.
Luiz Antônio Nabhan Garcia, um dos principais nomes do Ministério da Agricultura, que chefia a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, é famoso por suas visões de extrema-direita, pede que os ruralistas diminuam suas demandas. Ele ressalta que é impossível para o governo extinguir a FUNAI, já que sua existência é consagrada pela Constituição, mas afirmou que, em vez disso, o governo pode conseguir o que deseja ao agir de forma inteligente, “com rédeas curtas”.
Ele explicou: “A FUNAI é reponsável por identificar, delimitar e demarcar terras indígenas. Não podemos eliminá-la, mas podemos retirar dela todas as tarefas que prejudicam os interesses ruralistas. E o governo fez isso em 1º de janeiro, seu primeiro dia oficial”.
Amenizando multas ambientais
Os ruralistas têm pontos de vista extremos: mostram falta de vontade para aderir à legislação ambiental do país; demonstram hostilidade por grupos indígenas, aldeias ribeirinhas e quilombolas; e chegam até a organizar milícias para evitar a presença de povos tradicionais nas terras que os ruralistas querem ocupar, como já foi reportado pela Mongabay.
O que é novo, como foi demonstrado pelo encontro em Brasília, é que os ruralistas mais radicais agora têm uma voz ativa na política. Isso é demonstrado pelas ações mais recentes do governo.
Em 11 de abril, um dia depois do encontro e o 101º dia do novo governo, o presidente Bolsonaro lançou o decreto presidencial 9.760, que cria “centros de conciliação” para investigar as multas ambientais. O decreto introduz duas mudanças importantes que enfraquecem a arrecadação das penalidades: os centros poderão cancelar uma multa, caso julguem que não é adequada; e, se a multa for suspendida, o decreto apresenta novas formas de desconto, permitindo que as penalidades sejam pagas em parcelas ou convertidas em serviços prestados para preservar, melhorar ou restaurar o meio ambiente.
Os descontos aplicados em multas já existiam, mas as formas de aplicação vão mudar. Em 2017, a administração Temer introduziu “conversões indiretas de multas”, pelas quais uma pessoa ou empresa considerada culpada de crime ambiental poderia receber até 60% de desconto, desde que os outros 40% fossem pagos com um projeto de recuperação ambiental escolhido pelo IBAMA. A lógica por trás deste acordo é: o IBAMA poderia ganhar ao unir diversas multas para patrocinar um dos grandes projetos ambientais, muitos dos quais são administrados por organizações não governamentais.
Entretanto, o presidente Bolsonaro e outros membros do seu governo criticam o grande espaço que as ONGs ocupam, e uma das mudanças introduzidas pelo novo decreto é que os descontos aplicados ao pagamento das multas, que ainda arrecadam 60% da multa originalmente aplicada, vão diretamente para a pessoa ou empresa multada, o que elimina as ONGs do processo.
A medida também enfraquece o IBAMA ao reduzir a quantidade de fundos que recebe.
Há tempos que Bolsonaro quer que o IBAMA entre nos eixos, e chama o instituto de “indústria de multas”. Ele parece sentir rancor pela agência desde que foi multado por ela em 2012, quando era deputado federal, depois de ser flagrado com uma vara de pescar em uma estação ecológica no momento em que alegava estar em um aeroporto. A multa foi cancelada no fim do mandato da administração Temer, mas em março deste ano, Bolsonaro demitiu José Augusto Morelli, funcionário do IBAMA que aplicou a multa – importante dizer que José Augusto, na época de sua demissão, chefiava o Centro de Operações Aéreas, responsável melo monitoramento ambiental.
Bolsonaro defende o decreto 9.760 ao afirmar que ele vai “melhorar” a forma com que as multas são administradas e tornar o sistema “mais ágil”.
Os ambientalistas brasileiros responderam com uma chuva de críticas. Eles questionam a eficiência deste novo sistema, com novos centros empregando cada vez menos pessoas, e que continuarão a ter que lidar com uma grande quantidade de multas – cerca de 14 mil por ano, no passado.
Eles afirmam que, longe de ser mais ágil, o novo processo será mais difícil: se uma primeira apelação falhar, a pessoa ou empresa multada terá agora mais três chances de apelar ao IBAMA, assim como a possibilidade de questionar a multa na justiça. De acordo com Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas no Greenpeace Brasil, “aqueles flagrados cometendo crimes ambientais tiveram a chance de fazer inúmeras apelações e nunca serem julgados, de fato”.
Ironicamente, na prática, pouca coisa vai mudar, já que apenas 5% das multas ambientais chegam a ser pagas.
Alguns ambientalistas acreditam que a real importância do novo decreto é que ele manda uma mensagem aos ruralistas, ao dizer que eles podem ignorar a legislação ambiental brasileira e se sentirem seguros de que não serão punidos por seus crimes.
O PROAM, Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, declarou: “se o decreto 9.760 de 11 de abril avançar, o Brasil estará instituindo uma medida contra o meio ambiente, que pode desmantelar um dos principais meios de prevenir o crime ambiental no país. Ele vai favorecer especialmente aqueles que promovem a devastação em larga escala, com impactos negativos e riscos aos biomas brasileiros, intensificando o uso inescrupuloso e predatório das florestas, e afetando a biodiversidade, a água, o solo e o ar”.
Mudança nas penalidades e demissão de funcionários
Algumas pessoas estão preocupadas que o governo possa usar o novo decreto presidencial como um precedente. A administração está considerando uma abordagem semelhante para lidar com a multa de R$ 250 milhões imposta pelo IBAMA à gigante da mineração, Vale, para cobrir uma série de infrações da lei ambiental no caso do desastre de Brumadinho, no qual 235 pessoas morreram. O ministro do meio ambiente, Ricardo Salles,afirmou que planeja converter a multa aplicada à Vale em “investimento em dois parques nacionais e cinco unidades de conservação localizadas no estado de Minas Gerais, para financiar infraestrutura, estradas, atividades e serviços que tornem a área atrativa para o ecoturismo no futuro”. Mas o Ministério Público Federal é contra a ideia do ministro, e afirma que “a proposta é uma forma de transformar uma sanção ambiental em um tipo de prêmio”.
Essa á apenas uma das medidas aplicadas por Salles desde janeiro e que foram fortemente criticadas por ambientalistas. Na semana passada, depois de ser duramente criticado, Salles negou qualquer desconto para a multa da Vale e a concessão de parques.
O ministro aboliu a Secretaria de Mudança de Clima e Florestas, transferindo suas funções para um novo órgão, com uma equipe bem menor. De acordo com O Globo, Salles afirmou que os funcionários da Secretaria estavam “promovendo turismo internacional às custas do governo”, mencionando o caso de “quase 50 funcionários que foram à Polônia para participar da COP-24”, a Conferência do Clima da ONU promovida em dezembro de 2018.
Entretanto, o ambientalista Carlos Rittl, do Observatório do Clima, ONG fundada por 37 membros da sociedade civil para monitorar as mudanças climáticas no Brasil, afirmou que a Secretaria conduzia funções importantes, tais como monitorar o compromisso do país em reduzir a emissão de gases promotores do efeito estufa em 37% até 2025, se comparado com o ano de 2005, e eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia. “Quem vai ficar responsável [por essas tarefas]?”, questiona Carlos.
O ministro Salles também propõe rebaixar o Serviço Florestal Brasileiro e a Agência Nacional de Águas, ao transferir esses órgãos para outros ministérios.
Em fevereiro, Salles demitiu boa parte dos funcionários do IBAMA, incluindo 21 dos 27 superintendentes regionais, responsáveis por combater o desmatamento. Recentemente, ele entrou com uma ação disciplinar contra os funcionários do ICMBio que não compareceram a uma reunião organizada por ele com os parlamentares ligados ao agronegócio. Como resposta, os funcionários do instituto disseram que não receberam nenhum convite para a reunião. Essas demissões foram, supostamente, uma das razões pelas quais o presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, demitiu-se no meio de abril. Eberhard também é conhecido por fazer oposição à fusão do ICMbio com o IBAMA, ação que o governo está planejando para o segundo semestre de 2019.
Em abril, Bolsonaro apareceu em um vídeo onde o presidente critica vigorosamente uma operação do IBAMA em que o instituto apreendeu e queimou caminhões e tratores usados por madeireiros ilegais e grileiros para limpar a floresta em uma área protegida, no estado de Rondônia. Bolsonaro censurou: “Não é assim que devia ser feito, não é essa a forma que eles [os funcionários do IBAMA] são instruídos a agir”. Ele informou que Salles iria investigar para descobrir quais funcionários do IBAMA incendiaram os veículos. Ele não fez nenhuma menção aos criminosos que estava infringindo a lei ao limpar a floresta.
Militarizando o IBAMA
A administração Bolsonaro também está militarizando os órgãos ambientais do governo, apontam críticos. Postos-chave no Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBio estão agora nas mãos de oficiais das Forças Armadas e da Polícia Militar. A medida é uma resposta ao pedido de Bolsonaro para eliminar o “cenário ideológico” do setor. Em 18 de abril, ele demitiu o diretor de planejamento do IBAMA, Luiz Eduardo Nunes, um funcionário público civil, colocando em seu lugar Luiz Gustavo Biagoni, que recentemente se aposentou pela Polícia Militar de São Paulo. Alguns dias antes, Bolsonaro indicou o Coronel Homero de Giorge Cerqueira para a presidência do ICMBio, e Davi de Souza Silva, outro militar, para chefiar o escritório regional do ICMBio em São Paulo. Há, agora, pelo menos 12 militares em posições centrais no Ministério do Meio Ambiente, no IBAMA e no ICMBio.
Em 25 de abril, funcionários do Ministério da Agricultura informaram à imprensa brasileira, extraoficialmente, que a secretária-executiva do Ministério, Ana Maria Pellini, havia instruído a equipe a retirar da base de dados do órgão todas as informações sobre as Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade. Esses dados são usados pelo governo para fornecer apoio técnico para a criação de áreas protegidas.
Um dia antes, Marcelo Moraes, presidente do FMASE (Fundo de Meio Ambiente do Setor Elétrico), tinha enviado uma carta a Salles, pedindo que os critérios para a criação de áreas protegidas fossem revistos. A comunicação afirmava que o Brasil já tinha 30% de todo o seu território protegido e concluía: “Essa realidade, junto aos objetivos das Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, é muito prejudicial à implantação e operação de projetos e atividades necessários para o desenvolvimento do país”.
O Ministério da Agricultura não respondeu aos pedidos por comentários.
Todas essas mudanças contribuem para um grande enfraquecimento da administração e legislação ambientais do Brasil, mas Bolsonaro rejeita todas as críticas ao afirmar, continuamente, que o Brasil “não deve nada a ninguém com relação ao meio ambiente”.
Marco Astrini, do Greenpeace, enxerga a situação com outros olhos: “se a administração presidencial das políticas ambientais continuar, ela vai apagar décadas de esforços para combater o desmatamento, ameaçando a saúde da população e causando um mal imensurável à economia e à imagem do país”, afirma. “Bolsonaro não recebeu um cheque em branco da população brasileira para destruir nossos recursos naturais. Ele deveria governar para o bem de toda a população, e não só para seus aliados”.
Imagem do banner: agentes do IBAMA abordam uma operação mineradora ilegal na Amazônia. Imagem: cortesia do IBAMA.
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Artigo original:
https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/05/dismantling-of-brazilian-environmental-protections-gains-pace/