Cerrado: cresce a conscientização sobre a savana negligenciada do Brasil
O Cerrado brasileiro – uma vasta savana – chegou a cobrir dois milhões de quilômetros quadrados (772.204 milhas quadradas), uma área maior que a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha juntas, estendendo-se pelo leste e sul do Amazonas.
Por muito tempo desvalorizado por cientistas e ativistas ambientais, hoje os pesquisadores estão percebendo a incrível biodiversidade do Cerrado. O bioma abriga mais de 10 mil espécies de plantas e mais de 900 espécies de aves e 300 de mamíferos.
A vegetação de raízes profundas e o solo do Cerrado também conseguem captar enormes quantidades de carbono, o que torna a preservação da região fundamental para conter a mudança climática e reduzir o desmatamento e as emissões de CO2 no Brasil, ajudando o país a cumprir o compromisso assumido, por meio do Acordo de Paris, de reduzir as emissões de carbono.
O agronegócio, dificultado na Amazônia pela legislação brasileira, mudou-se para o Cerrado em grande escala. Mais de metade da vegetação nativa do bioma já desapareceu, enquanto a produção de soja e gado substitui rapidamente o habitat. Esta série explora a dinâmica da mudança que agita a região.
Protegido pelo desmatamento legal, agronegócio avança pelas últimas fronteiras do cerrado
Nos últimos anos, as leis brasileiras e a Moratória da Soja na Amazônia, de 2006, levaram a uma redução acentuada de novos desmatamentos provocados pela produção de soja; com isso, o agronegócio, as empresas transnacionais de commodities, como Bunge e Cargill, e os investidores voltaram sua atenção para a savana do Cerrado.
Quatro estados do Cerrado – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – conhecidos coletivamente como Matopiba, estão testemunhando uma rápida redução da vegetação nativa com o aumento da produção de soja, algodão, milho e gado. Mais da metade dos dois milhões de quilômetros quadrados do Cerrado já foram convertidos em terras agrícolas, e o agronegócio em grande escala é o detentor da maior parte dessas terras.
Há uma razão para voltarmos nossa atenção para o Cerrado: o Código Florestal Brasileiro determina que, dentro da Amazônia Legal, 80% das florestas em terras privadas devem ser preservados como Reserva Legal. Mas em grande parte do Cerrado, os donos de propriedades privadas devem proteger apenas 20 a 35% da vegetação nativa.
Com pouca ajuda vinda do governo atualmente, os conservacionistas estão respondendo com abordagens criativas para a proteção, desenvolvendo parcerias com as comunidades locais, buscando signatários para o Manifesto do Cerrado para conter novos desmatamentos devido à produção de soja e restaurando terras degradadas para comercializar as frutas e outros produtos típicos do Cerrado.
Captação de água por grandes empresas compromete rios do cerrado
No mês passado, nos dias 18 a 23, ocorreu em Brasília o 8º Fórum Mundial da Água; também em março, no dia 22, é comemorado o Dia Mundial da Água. Por essa razão, neste artigo, a Mongabay analisa o Cerrado como o “berço das águas” brasileiro.
Apesar de sua estação seca anual, a savana do Cerrado já teve água de sobra no passado. Oito das 12 principais bacias hidrográficas do Brasil e três de seus aquíferos – Guarani, Bambuí e Urucuia – têm o Cerrado como fonte de grande parte de suas águas.
Comunidades tradicionais também dependem dos aquíferos e rios do Cerrado. Entretanto, com a chegada do agronegócio na região, que implementou a irrigação em grande escala, essas comunidades passaram a alegar uma diminuição no suprimento de água. Um grande conflito por causa das águas surgiu recentemente entre o município de Correntina e grandes fazendas no estado da Bahia.
A diminuição do suprimento de água do Cerrado tem causas complexas, incluindo o desmatamento decorrente da conversão de terras para a agricultura; a irrigação em grande escala para o cultivo de lavouras com elevado consumo de água, como soja, algodão e milho; e mudanças climáticas. No entanto, os cientistas afirmam que abordar o problema de forma proativa é extremamente importante para as comunidades locais e para todo o Brasil.
De arma na cintura, agronegócio tenta expulsar comunidades tradicionais do cerrado
A savana do Cerrado tem muitas comunidades tradicionais, entre elas, os geraizeiros, que chegaram ao oeste da Bahia há 200 anos. Por todos esses anos, com o auxílio do governo brasileiro, eles ocuparam vilarejos comunitários e cultivaram a terra, criaram gado e exploraram as terras nativas circundantes.
Como, em geral, essas terras não tinham escritura, os geraizeiros passaram a entrar em crescente conflito com a expansão do agronegócio. De acordo com a população local, empresas que administram plantações têm reivindicado as terras naturais, cercado essas terras e colocado guardas, e depois transformado a vegetação nativa em monoculturas de soja, milho e algodão.
Outro conflito: no Cerrado, uma porcentagem da terra de cada propriedade deve ser mantida em seu estado natural, como Reserva Legal. No entanto, essas reservas não precisam ser adjacentes às áreas cultivadas. Como resultado, o agronegócio reivindica as terras naturais que os geraizeiros usam há muito tempo de forma sustentável para sua subsistência, conforme testemunha a população local.
O conflito continua a crescer: os estados do Cerrado do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – conhecidos coletivamente como Matopiba – vivenciaram um aumento de 56% nos conflitos de terras relatados (400 no total) em um período de cinco anos (incluindo os anos de 2012 a 2016). Por outro lado, o aumento de conflitos a nível nacional no mesmo período foi de 21%.
Novo Eldorado brasileiro da soja tem PIB alto e saneamento precário
Luís Eduardo Magalhães (LEM) é o paraíso da soja, impulsionado pelo agronegócio do Cerrado. A partir do ano 2000, sua população quadruplicou para 83 mil habitantes, tornando-se uma das cidades que cresce mais rapidamente no Brasil. Mas LEM tem passado por problemas cada vez maiores, já que as pessoas das áreas rurais migraram para lá em busca de emprego e oportunidades.
Por sua vez, os serviços públicos ficaram para trás, com a maioria das vias urbanas tomadas pela sujeira e serviços de saneamento que não acompanham o crescimento populacional. Muitas pessoas recém-chegadas do campo, sem habilidades especializadas, não conseguiram bons empregos nem acesso à economia altamente mecanizada e especializada do agronegócio industrial. Assim, continuaram pobres.
Muitas foram parar em Santa Cruz, um bairro pobre em que o tráfico de drogas e a violência são uma ameaça constante. Já aqueles com maior capacitação e mais sorte podem acabar no Jardim Paraíso, um bairro nobre, marcado por cercas e alarmes de segurança como proteção contra o crime.
Especialistas dizem que LEM provavelmente seguirá o caminho das grandes cidades do agronegócio do mundo: há um rápido crescimento populacional, mas os ganhos econômicos iniciais e a urbanização não são acompanhados por desenvolvimento e investimento contínuos. O crescimento desordenado afeta negativamente o meio ambiente, resultando em mais pobreza e na concentração de riqueza e de propriedade de terras.
Harvard envolvida com grilagem de terras no Brasil
No Brasil, grandes extensões de terra pertencem ao Estado, mas podem ser legalmente reivindicadas por pequenos agricultores caso eles ocupem e cultivem as terras, mesmo não sendo seu proprietário legal. Nos anos 1990, 240 famílias de pequenos agricultores reivindicaram a posse de terras no município de Cotegipe, no estado da Bahia.
Com o passar do tempo, as elites locais supostamente expulsaram os agricultores dessas terras, usando intimidação e violência, e depois reivindicaram 140 mil hectares (540 milhas quadradas) – uma área maior que a cidade do Rio de Janeiro. Essas terras foram vendidas e revendidas e hoje estão ocupadas pela fazenda Campo Largo, uma exploração minimamente produtiva pertencente à Caracol Agropecuária LTDA.
Descobriu-se que o capital usado pela Caracol para a compra das terras veio de parceiros estrangeiros. Aparentemente, a Caracol faz parte do fundo patrimonial da Universidade de Harvard, por intermédio da Harvard Management Company (HMC): acredita-se que a HMC, supervisora de mais de 12 mil fundos, é proprietária da Caracol por meio de duas subsidiárias: Guara LLC e Bromelia LLC.
Em todo o mundo, a HMC, o TIAA-CREF e outras empresas financeiras começaram a investir fortemente em terras agrícolas em países em desenvolvimento após 2007-2008. Segundo analistas, muitas vezes essas terras foram originalmente obtidas por meio de grilagem. Em Cotegipe, 22 famílias ainda lutam para recuperar as pequenas fazendas que dizem terem sido roubadas.