Indígenas da aldeia Pekuruty, às margens da BR-290, tiveram as casas destruídas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) enquanto se refugiavam das enchentes no Rio Grande do Sul.
O departamento vinha há anos negociando a remoção da comunidade das margens da rodovia, e argumenta que a demolição era necessária para liberar a BR para a passagem de ajuda humanitária.
O MPF já avisou que vai buscar os responsáveis e cobrar a recomposição dos prejuízos aos indígenas.
Assim como mais de meio milhão de gaúchos, os indígenas da aldeia Pekuruty, no município de Eldorado do Sul, Região Metropolitana de Porto Alegre, tiveram de abandonar suas moradias no início de maio devido às enchentes que assolam o Rio Grande do Sul. A comunidade Guarani fica às margens da BR-290, bem no ponto em que o Arroio Divisa corta a rodovia. O aumento súbito do nível da água fez a estrada ceder, ao mesmo tempo em que obrigou os cerca de 40 indígenas a se refugiarem em um abrigo na sede do município.
Nem passava pela cabeça dos Guarani que, no dia seguinte, a aldeia seria colocada abaixo por máquinas do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), em meio às obras para reestabelecer o tráfego na rodovia.
“Não sabemos de nada do que aconteceu. Não conversamos com os juruá [não-indígenas] do DNIT. Quem falou isso para vocês? Nós viemos para cá, mas já queremos voltar”, reagiu o Cacique Estevan Garay ao ficar sabendo da demolição. O vídeo com a liderança, gravado ainda no abrigo, foi divulgado pela Comissão Guarani Yvyrupa, que congrega coletivos do povo Guarani nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.
Desde 2013, está em curso uma negociação entre o DNIT e os Guarani para a remoção da comunidade, abrindo caminho para a duplicação da BR-290 — importante rodovia que corta o Rio Grande do Sul de leste a oeste.
Procurado pela reportagem, o órgão informou que a destruição da aldeia “foi uma atuação emergencial para que se pudesse devolver o quanto antes a trafegabilidade no km 132 da BR-290/RS”, garantindo o acesso de assistência humanitária às áreas afetadas. Segundo o DNIT, os indígenas serão realocados em um terreno de 300 hectares a ser adquirido pelo departamento, conformou previsto no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena da obra de duplicação da rodovia. O órgão não informou quando esse terreno será disponibilizado.
“Não tem como destruir a aldeia sem antes comprar a terra para onde eles iriam”, argumenta Guilherme Dal Sasso, antropólogo e secretário-executivo da Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (Aepim). Para Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário no Rio Grande do Sul, a ação do departamento foi oportunista: “Minha opinião é que aproveitaram o fato de que os indígenas não estavam ali para destruir a comunidade”.
Segundo Liebgott, o DNIT destruiu três moradias da aldeia Pekuruty, além do espaço comunitário onde os indígenas preparavam suas refeições. Animais domésticos e de criação, como galinhas, ficaram para trás. No meio da destruição, também foram perdidos mantimentos e um conjunto de ferramentas adquiridas via Lei Aldir Blanc para a produção de artesanato.
“Além dos bens particulares, foram destruídos diversos bens públicos como a escola, que era do Estado, as caixas da água, que eram da Sesai [Secretaria de Saúde Indígena] e duas placas solares que forneciam energia para a escola”, conta Liebgott.
O Ministério Público Federal (MPF) do Rio Grande do Sul instaurou um procedimento para identificar os responsáveis pela ordem de demolição das casas. O objetivo é “exigir do DNIT a imediata recomposição da aldeia em local a ser definido pelos indígenas, como também a responsabilização do órgão pelos danos materiais e morais causados à comunidade, que teve escola, moradias e bens móveis destruídos pela ação da autarquia federal”, informa o MPF.
Depois de passaram cerca de duas semanas abrigados, os indígenas voltaram para uma área vizinha à antiga aldeia — a área original agora é ocupada por uma obra de drenagem. Graças a doações de materiais de construção, eles já conseguiram erguer duas novas moradias.
Imagem do banner: Demolição de aldeia Guarani em Eldorado do Sul (RS) para reabertura de rodovia. Foto: Acervo Comissão Guarani Yvyrupa