Em 1985, mineradora Vale inaugurou a Estrada de Ferro Carajás, ferrovia que corta a Terra Indígena Mãe Maria, no sul do Pará, onde vive o povo Gavião.
Desde a sua construção, a ferrovia afugentou a caça, cortou o acesso a importantes corpos d’água e desestruturou o modo de vida dos indígenas ao introduzir o dinheiro das indenizações pagas pela Vale no cotidiano das aldeias.
Agora, a gigante da mineração obteve permissão para construir uma segunda linha da ferrovia.
Lideranças indígenas afirmam que a extensão da ferrovia não só vai causar mais danos ambientais, como também que a Vale chegou a um acordo usando táticas de “dividir para conquistar” ao longo dos anos e aplicando outras manobras que consideram antiéticas.
Nas serras de Parauapebas, cidade de médio porte no sul do Pará, encontra-se o projeto de mineração Serra Sul da Vale. Conhecido por sua abreviatura S11D, é o maior projeto de minério de ferro do mundo. Ele produz 90 milhões de toneladas métricas do mineral usado para fazer aço, a base para uma vasta gama de produtos e indústrias, de pontes a arranha-céus, e tem alta demanda em nações em processo de industrialização, como a China.
Ao lado do minério de ferro, encontram-se aqui também jazidas de cobre, manganês, níquel e ouro, garantindo a posição da Vale entre as cinco maiores mineradoras do mundo. Nos últimos anos, a Vale quebrou recordes contínuos de lucro: R$ 95,9 bilhões em 2022 e R$ 121 bilhões em 2021.
Mas o sucesso do projeto depende de um componente crucial: uma linha de trem que percorre 892 quilômetros de Parauapebas ao porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão, onde o minério de ferro é embarcado em grandes navios com destino principalmente à China e à Europa.
Construída em 1985, a Estrada de Ferro Carajás sofreu duras críticas de grupos indígenas, quilombolas e outras comunidades que vivem ao longo de seus 892 km de extensão. Várias pessoas morreram atravessando as linhas do trem, onde quilômetros de vagões correm 35 vezes ao dia ao lado de inúmeros animais cujos cadáveres pontilham a linha férrea. O barulho constante desestabilizou casas e quebrou paredes e alicerces, e os moradores entraram em conflitos violentos com seguranças contratados pela Vale.
Uma das fontes mais contundentes de crítica contra a ferrovia veio do povo indígena Gavião, que vive na Terra Indígena Mãe Maria, uma área verde de 62 mil hectares cercada por fazendas e pastagens de gado nos arredores de Marabá, a maior cidade do sudeste paraense. Uma linha de 18 km corta diretamente a parte sul do território, impedindo o acesso ao seu curso d’água mais importante, o Rio Tocantins, causando uma longa lista de riscos ambientais e sociais.
“Nossos rios, nosso território, nosso ambiente exuberante, nossa flora não são como eram antes por causa do pó de minério”, disse à Mongabay Kátia Silene, cacica da aldeia Akrãtikatêjê, quando visitamos sua aldeia em janeiro deste ano. “Por causa do combustível que desce nosso rio, nossos peixes estão contaminados.”
Por mais de três décadas, afirma o povo Gavião, a ferrovia degradou a parte sul de seu território. Além disso, a forma como a Vale tem introduzido pagamentos e compensações às quase duas dezenas de aldeias do território criou divisões internas e esgarçou o tecido social dos indígenas, segundo Silene.
“Há mais de 30 anos [a Vale] jogou essa bomba em nosso meio, que é o capitalismo, e mudou nosso modo de vida, mudou nossa alimentação, mudou a forma de nos vestir. É assim que eu vejo a Vale. É uma destruidora de vidas”, resume ela.
Para os indígenas da Terra Indígena Mãe Maria, a ameaça permanente de trens circulando ininterruptamente dentro de seu território está prestes a se agravar. Em 2020, a Vale recebeu a aprovação para a tão almejada expansão da mina de minério de ferro S11D e, com ela, o aumento da Estrada de Ferro Carajás de um trilho para dois.
A duplicação levou quase uma década para ser feita e, pelo mesmo tempo, vários caciques importantes da Terra Indígena Mãe Maria resistiram, argumentando que os impactos cumulativos da expansão destruiriam ainda mais o meio ambiente, causariam danos a animais e pessoas e poluiriam as aldeias e cursos d’água.
Mas, em dezembro de 2022, todos os caciques cederam.
Com base em entrevistas com especialistas jurídicos e historiadores, bem como com os chefes que resistiram às negociações da Vale, nossa investigação lançou luz sobre os métodos usados pela Vale para obter permissão para duplicar a ferrovia.
Os líderes indígenas afirmam que a Vale usou estratégias dúbias e antiéticas, desrespeitou o direito dos indígenas de negar seu consentimento e aproveitou a crise durante a pandemia de covid-19 para minar uma resistência de quase décadas à expansão da ferrovia.
Em depoimento à Mongabay, a Vale negou qualquer irregularidade e disse ter um longo relacionamento com a comunidade indígena.
Compensando o dano
Mesmo a menos de 40 km de distância, as exuberantes matas verdes do território Gavião contrastam fortemente com o centro urbano de Marabá, sede de siderúrgicas e mineradoras, bem em meio ao chamado Arco do Desmatamento, onde inúmeras bandeiras do Brasil em fazendas e comércios representam o forte apoio que o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda tem na região.
Homologada em 1986, a Terra Indígena Mãe Maria abriga cerca de mil indígenas das etnias Gavião Akrãtikatêjê, Gavião Kyikatejê e Gavião Parkatêjê. Cortando a outrora imponente floresta amazônica, estão a rodovia BR-222 e a Estrada de Ferro Carajás, que transporta os produtos da mineração da Vale pela parte sul da Terra Indígena. Juntamente com as linhas elétricas da Eletronorte, esses três projetos foram excluídos dos limites quando o território foi criado na década de 1980.
Muitos dos direitos hoje desfrutados pelos indígenas não haviam sido formalizados, como aqueles consagrados na Constituição de 1988 ou na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que o Brasil ratificou em lei nos anos 2000.
Ainda assim, em 1986, o povo Gavião conseguiu negociar uma indenização pelos danos da ferrovia. O convênio, firmado com a Vale, não tinha prazo e previa pagamentos mensais para apoio à saúde, educação, atividades produtivas, vigilância da reserva, administração e cultura, com uma equipe de atendimento por aldeia.
Mas a compensação e a introdução de grandes quantias de dinheiro foram uma faca de dois gumes.
“Hoje o povo Gavião não é mais o que era”, disse à Mongabay Zeca Gavião cacique da aldeia Gavião Kyikatêjê, sentado na arquibancada em uma tarde agradável na Amazônia, após treinar o Gavião Kyikatejê Clube, um time de futebol profissional formado em grande parte por jogadores indígenas.
“A Vale viciou tanto o meu povo que demorou muito para entenderem o que estava acontecendo”, disse Zeca, que comanda a aldeia há muitos anos e mora com a mulher e oito filhos na TI. Até muito recentemente, ele era uma das poucas vozes dissidentes dentro da TI Mãe Maria contra o acordo proposto pela Vale para a expansão da ferrovia. Dentro da comunidade Gavião, as tentativas da Vale de compensar os danos causados pela ferrovia semearam dissidência, disse Zeca, fragmentando uma comunidade outrora coesa em quase duas dúzias de aldeias e colocando-as umas contra as outras.
Embora as tensões com a Vale sempre tenham existido, especialmente sobre o prazo dos pagamentos, Zeca disse que os verdadeiros problemas começaram em 2012, quando o Ibama concedeu pela primeira vez uma licença para a Vale expandir seu projeto de mineração na Floresta Nacional de Carajás, bem como duplicar a ferrovia.
Mas havia um problema: a Vale precisava obter o consentimento dos caciques de todas as então 19 aldeias para duplicar a ferrovia dentro da TI Mãe Maria.
Em dezembro de 2013, uma das aldeias Parkatêjê denunciou a entrada clandestina de máquinas e trabalhadores ligados à Vale no território para realizar trabalhos de terraplenagem e, em 2015, a Vale rescindiu o primeiro acordo, interrompendo os pagamentos mensais, causando uma crise nas comunidades indígenas.
No lugar do antigo trato, foi criado um novo acordo com prazo de 10 anos chamado Plano Básico Ambiental (PBA). No papel, o PBA deveria ser decidido com as comunidades, mas Zeca destacou que as comunidades indígenas perderam autonomia e poder com o novo acordo. A Vale ganhou o direito de avaliar os resultados,e agora existe o risco de o acordo não ser renovado depois de uma década.
Zeca nos contou que visitou outras aldeias indígenas que criaram um PBA e observou que o esse modelo os tirava de qualquer garantia para o futuro, tornando-os dependentes do dinheiro da empresa para negociar um novo trato. “Fui pesquisar para fortalecer meu argumento contra a Vale e vi que não é bom, não é seguro para a comunidade. Sei que meu povo vai se expandir e crescer, mas não terá o apoio que teve”, disse Zeca.
A Vale também retirou o apoio a procedimentos de saúde de alta complexidade, que não são cobertos pela atenção especializada à saúde indígena oferecida pelo Ministério da Saúde, voltada para a atenção primária. Nos últimos anos, no governo Bolsonaro, Zeca também reclamou que órgãos da administração federal ficaram do lado da Vale.
“O acordo [original] garantia certas coisas para nós e com o tempo foi sendo cortado, cortado, cortado. Meu povo não entendeu. Eu estava lutando sozinho”, disse. “Nós não tivemos nenhum suporte do Ibama e da Funai no governo Bolsonaro. Na hora de negociar com a Vale, a Funai não falava por nós, mas pela Vale. Foi difícil. Estávamos por conta própria”, disse.
O Ministério Público Federal foi acionado como interveniente. O procurador Luís Eduardo Araújo, que trabalha em Marabá, disse à Mongabay que a Vale adicionou um gatilho de reajuste automático de 20% ao PBA de cada vila assim que eles aceitassem o acordo de expansão.
“O MPF sempre disse que não era de bom tom misturar duas questões separadas”, disse Araújo. “Uma coisa é o acordo padrão e outra é a expansão. A Vale disse que não e colocou esse gatilho.”
A maioria dos chefes de aldeia consentiu com a expansão, mas, por oito anos, um punhado de chefes importantes resistiu em concordar com a expansão. “A Vale quer nos dar dinheiro para desmatar uma enorme faixa de floresta ao lado da ferrovia existente para que ela possa aumentar seus lucros”, disse o cacique Kuia Parkategê, que foi um dos últimos caciques a dar permissão para a expansão, à Mongabay quando visitamos a Terra Indígena, em janeiro. “Mas como você pode colocar um preço nessas árvores, em todos os animais que vão morrer atravessando os trilhos da ferrovia ou fugir do barulho? Não há preço para isso.”
Por quase meia década, a resistência à expansão foi feroz. Mas uma combinação de um vírus mortal e um governo conservador fez pender a balança a favor da mineradora.
“Dividir e conquistar”
Em 2020, enquanto a covid-19 se espalhava pelo mundo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma recomendação urgente que afirmava: “Abster-se de introduzir legislação e/ou avançar para a realização de projetos produtivos e/ou extrativistas nos territórios dos povos indígenas durante o período de duração da pandemia, dada a impossibilidade de realização de processos de consentimento prévio informado e livre (devido à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a adoção de medidas de distanciamento social) prevista na Convenção 169 da OIT e demais normas internacionais e instrumentos nacionais”.
Apenas alguns meses depois, o governo de Jair Bolsonaro pressionou pela renovação antecipada da concessão federal da Estrada de Ferro Carajás, concedendo à Vale o direito de usar a ferrovia até 2057. A mineradora pagará R$ 11,8 bilhões em taxas de concessão ao Governo Federal no acordo, que envolve também outras ferrovias de propriedade da Vale. A Vale recebeu a aprovação do conselho para uma expansão há muito esperada da mina de minério de ferro S11D naquele mesmo ano.
Para escoar esse grande aumento de produção, a mineradora também precisou expandir a Estrada de Ferro Carajás. Sem a expansão, seria impossível para a Vale atingir o lucro recorde dos últimos anos e sua contínua operação de exportação.
Os acionistas e investidores da Vale têm grande participação na expansão da ferrovia. Um dos principais financiadores do Projeto Carajás original, nos anos 1980, foi o Banco Mundial. Hoje, grandes investidores americanos têm participação significativa na Vale, como o Capital Group, com mais de 14% das ações, e a BlackRock, maior fundo de investimento do mundo, que detém 5,7% do controle acionário da Vale. O conglomerado japonês Mitsui, sócio histórico da mineradora em diversos negócios, tem 6,3% das ações.
De 2016 a 2021, a Vale também recebeu mais de US$ 35 bilhões em empréstimos e investimentos de vários grupos financeiros globais, incluindo Vanguard, Crédit Agricóle, Commerzbank, Citigroup, Bank of America, JPMorgan Chase e outros, de acordo com o relatório “Cumplicidade na Destruição IV”, da Amazon Watch e do Observatório da Mineração.
Todas essas instituições serão beneficiadas direta e indiretamente com a duplicação. Mas a Vale ainda precisava obter o consentimento dos 22 caciques do território Gavião para atingir seus lucros.
Segundo os caciques e pesquisadores entrevistados para esta reportagem, a Vale aproveitou as divisões entre o povo Gavião para evitar a consulta adequada e atingir seus objetivos durante a turbulência econômica causada pela pandemia. Porém, argumentam os pesquisadores, essas mesmas divisões foram semeadas intencionalmente décadas antes.
“A mineradora aprendeu nas décadas de 1980 e 1990 que não era possível buscar consenso entre os indígenas, porque eles se tornariam fortes demais”, disse Giliad Silva, pesquisador da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), que acompanha o conflito por vários ano. “É por isso que começou a designar funcionários para a área que eles chamam de relações com a comunidade”.
Desde os anos 1990, Silva disse que a Vale tem incentivado a divisão dos indígenas em mais aldeias e mais famílias para facilitar a negociação aos poucos e pressionar as aldeias menores. A covid amplificou essa pressão.
“Na pandemia, algumas [comunidades] ficaram em uma situação muito difícil sem o repasse de indenização da Vale, além do medo e a pressão exercida pela mineradora. A Vale lutou para unificar os processos”, disse Silva.
Em todo o Brasil, os indígenas foram muito mais afetados pela pandemia do que a população em geral, sofrendo com a falta de apoio do Estado, o isolamento e altas taxas de covid-19, entre outros fatores.
Nestas condições desfavoráveis, Zeca Gavião acabou por aceitar os termos propostos pela Vale, contra a sua vontade, no final de 2022.
“Fiquei sozinho e usaram isso como argumento, que só eu ia brigar pelo convênio. Fui obrigado a aceitar. Não foi um acordo. Acordo é quando você diz: olha, tenho essa condição, não concordo, mas quero isso. A Vale disse: tenho essa possibilidade de te ajudar, se não quiser, vai para a justiça. Aí chegaram com aquele cifrão. É muito dinheiro, foram aceitando, e a Vale venceu pelo cansaço”, relata Zeca.
A cacica Silene concorda. “A Vale não é legal, a Vale não é nossa amiga, a Vale não é boa”, disse ela, que tem incentivado sua aldeia a investir em agricultura sustentável e desenvolver produtos que lhes permitam crescer mesmo quando o dinheiro da Vale parar de ser pago. “A Vale é um dragão de ferro que quando for embora deixará apenas um cemitério. Ela acabou com a vida dos povos Gavião e Xikrin e abriu uma brecha no meio da sociedade indígena. Nenhum dinheiro vai curar o que a Vale trouxe. Eles nos deram uma ninharia”, afirmou.
Não é a primeira vez que grandes projetos de infraestrutura atrapalham o modo de vida do povo Gavião. A aldeia de Silene foi obrigada a se mudar para a TI Mãe Maria no início da década de 1980, após a construção da hidrelétrica de Tucuruí, quando a empresa de energia Eletronorte inundou sua aldeia para fazer uma barragem e deslocou mais de 30 mil pessoas. Eles foram realocados para uma parte da TI, um trecho de pastagens abandonadas que eles cultivaram cuidadosamente e transformaram novamente em florestas. Hoje a aldeia deles fica a poucos quilômetros das linhas de energia da Eletronorte que cortam a reserva.
Os grandes projetos de desenvolvimento foram todos construídos durante a ditadura militar (de 1964 a 1985), durante a qual relatórios como o da Comissão Nacional da Verdade mostraram violações maciças dos direitos indígenas para favorecer grandes empreendimentos. A proximidade com o centro urbano de Marabá, a menos de 30 minutos de carro, também representa uma ameaça à segurança.
Vigilantes indígenas guardam as entradas de cada aldeia. Forasteiros só podem entrar depois que os guardas verificam se os visitantes receberam um convite dos líderes. Quando os pagamentos da Vale são feitos, os roubos e sequestros aumentam drasticamente, disseram-nos vários caciques.
Silene foi uma das últimas a aceitar a oferta da Vale. “Nós nos seguramos muito, adiando de 2011 até 2022”, disse ela. Mas a falta de apoio a desgastou. “Nunca houve um tribunal que dissesse: ‘Não, os indígenas venceram, você não pode expandir, não pode fazer isso’. Então lutamos por nós mesmos agora, porque não há justiça, apenas nossa fome”, cravou.
No final das contas, a energia necessária para resistir ao projeto da Vale tornou-se demais para as poucas aldeias que ainda restavam. “Os indígenas da Amazônia querem planejar seu futuro para daqui a 20, 30, 50 anos. Querem discutir pautas como o Bem Viver [conceito indígena de estilo de vida muito difundido na América Latina]. Mas nos últimos anos isso não avançou. Eles acabam sendo impedidos de pensar nas pautas que consideram importantes”, disse Gilliad Silva, que dirige um grupo de pesquisa que trabalha essas questões com os Gavião.
Vale diz que respeita autonomia indígena
Quando o primeiro acordo foi feito, nos anos 1980, os direitos dos povos indígenas não estavam consagrados na lei. Mas os acordos sobre a expansão atual estão em um contexto bem diferente. Hoje a consulta prévia é obrigatória, assim como os estudos de impacto ambiental, a anuência da Funai e o processo de licenciamento do Ibama.
O consentimento livre, prévio e informado é o padrão para qualquer projeto extrativo ou de infraestrutura que afete povos indígenas ou comunidades locais. Um componente essencial é justamente o direito dos povos indígenas de negar o consentimento, se assim decidirem.
De acordo com a Accountability Framework Initiative, uma coalizão que ajuda as empresas a criar cadeias de suprimentos à luz dos direitos humanos e ambientais, “nem todos os processos de consulta levam ao consentimento e é direito dos povos indígenas e comunidades afetadas negar o consentimento. Se esse for o resultado, a empresa precisa aceitar que a atividade especificada não pode prosseguir conforme o planejado”.
Questionada sobre o assunto, a Vale disse que segue todas as normas vigentes e tem um longo relacionamento com a comunidade indígena e respeita sua autonomia. A empresa também informou que a expansão já começou e deve ser concluída em 2024. A Vale enviou a seguinte nota:
“O processo de licenciamento do Projeto de Expansão da Estrada de Ferro Carajás respeitou todos os normativos vigentes, dentre eles a realização de consulta livre, prévia e informada, com a produção de Estudo de Componente Indígena (ECI) e seu Plano Básico Ambiental (PBA-CI), os quais foram aprovados pela Comunidade Indígena e pela FUNAI, enquanto órgão de promoção da Política Indigenista. Quanto às ações estabelecidas no acordo, a Companhia ressalta que são fruto de um relacionamento de longo prazo estabelecido com a comunidade, resultante de um processo permanente de diálogo, discussões e deliberações, desta forma, não se configurando ação de compensação do mencionado projeto.
A área da EFC pertence à União, sendo a Vale concessionária do serviço público. As obras do Projeto de Expansão da estrada serão executadas dentro da faixa de domínio da ferrovia no município de Bom Jesus do Tocantins em trecho vizinho à terra indígena Mãe Maria. A expansão compreende a construção de uma segunda linha ao lado da principal já existente, com cerca de 15 quilômetros, entre o km 694 e o km 712 da EFC. As obras tiveram início e envolverão atividades de infraestrutura como terraplanagem e superestrutura ferroviária (colocação de trilhão e dormentes) com previsão de conclusão em 2024.
Sobre os aspectos ambientais gerados pela operação ferroviária, a Vale ressalta que são estabelecidos controles ambientais e programas de monitoramento (sejam eles relacionados a ruído, qualidade do ar, entre outros) cumprindo os parâmetros legais, atestados pelo próprio órgão ambiental fiscalizador.
A Vale mantém diálogo aberto e constante com os indígenas, ouvindo-os de forma contínua. Porém, a Companhia não se envolve nos processos políticos das comunidades. Os processos rescisórios do passado foram realizados dentro da legalidade e legitimidade dos ajustes celebrados, sendo substituídos por novos acordos estabelecidos entre a Vale e a comunidade indígena”.
Apesar de se ver obrigado a aceitar o acordo de duplicação da ferrovia, Zeca Gavião pretende continuar a brigar na justiça para que a Vale deixe de ter legalmente a área ocupada pela ferrovia como sua propriedade e não dos indígenas. “Eu não parei, vou brigar de novo. Minha luta é pela Constituição, que diz que a Terra Indígena é inegociável”, afirma. “Nós seguimos aqui dentro. Mas a Vale vê que a terra é dela. Quero que isso seja revisto, que a área da ferrovia pertença à Terra Indígena.”
https://brasil-mongabay-com.mongabay.com/2021/07/grandes-projetos-de-mineracao-da-vale-avancam-em-territorios-ameacados-por-barragens-em-minas-gerais/
Esta matéria foi feita com o apoio do JournalismFund Europe.