Projeto da UFRN utiliza canos de PVC para acelerar o processo de crescimento e prolongar o tamanho da raiz de espécies nativas que encontram dificuldade em extrair água de solos degradados.
Métodos anteriores de restauro da Caatinga apresentavam alta taxa de mortalidade das plantas ao transplantar as mudas, cerca de 70%; nova técnica reduz esse risco a menos da metade.
Com quase metade de sua área total destruída – cerca de 840 mil km2 -, o único bioma exclusivamente brasileiro vive um processo contínuo de desertificação que já atinge 13% de seu território.
A Caatinga pede socorro. Região semiárida com maior densidade populacional do mundo, o único bioma exclusivamente brasileiro precisa de ajuda para não virar um imenso deserto no futuro.
Com quase metade de sua área total destruída – cerca de 840 mil km2 -, este símbolo de resiliência, diversidade de espécies e endemismo vive um processo contínuo de desertificação que já atinge 13% de seu território, segundo estimativa do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (Lapis), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Marcada por plantas que se adaptaram à rigorosa sazonalidade das chuvas, como o icônico umbuzeiro (Spondias tuberosa), que tem a capacidade de armazenar água na raiz, a Caatinga não consegue mais se apoiar apenas no processo evolutivo e nas peculiares transformações da sua flora para sobreviver em face do desmatamento e ao aquecimento global.
Uma ideia simples e inovadora da equipe do Laboratório de Ecologia da Restauração (LER) do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no entanto, pode virar o jogo no cenário dos projetos fracassados de restauro da Caatinga feitos até o momento – transplantes de mudas usando métodos convencionais têm altos índices de mortalidade da vegetação, na casa dos 70%.
A técnica desenvolvida pelo laboratório da UFRN, por sua vez, eleva, em média, de 30% para 70% a taxa de sobrevivência das espécies. O método utiliza canos de PVC para acelerar o processo de crescimento e prolongar o tamanho da raiz de plantas nativas que encontram dificuldade em extrair água em solos degradados e salinizados.
De pasto a floresta
Na primeira etapa do manejo, feita em uma estufa chamada de “casa de vegetação”, as espécies são germinadas dentro de canos de PVC com pequenas bolsas de água na base, estimulando o desenvolvimento do órgão até o fundo. Após dois meses, quando as raízes atingem um metro de comprimento, as plantas são levadas para uma área deteriorada dentro da Floresta Nacional de Açu, no interior do Rio Grande do Norte. Feito o transplante, o tubo é retirado e reutilizado em futuros replantios, com quase 100% de reaproveitamento.
O resultado do reflorestamento em alta escala se revelou surpreendente. A área de teste, com 3.5 hectares, foi utilizada por décadas como pastagem e, mesmo depois de abandonada por quinze anos, não conseguia ter uma regeneração natural. Cinco anos depois da fase de replantio de 4.704 plantas, iniciada em 2016, transformou-se em uma floresta diversa, atraindo espécies da fauna e recuperando a saúde hídrica do ecossistema.
De acordo com a professora Gislene Ganade, autora e coordenadora do estudo, que foi premiado pelo programa Dryland Chanpions da Organização das Nações Unidas ainda na primeira fase de experimentos, em 2015, a estratégia é eficiente porque a planta chega à natureza mais desenvolvida na parte do tronco e da folha, assim como sua raiz, capaz de sustentar esse porte maior. Robusta, ela enfrenta o estresse do campo com grandes reservas de glicose, amido e água, permitindo que possa esperar até que as chuvas retornem.
“Uma coisa bem interessante nesta tecnologia é que a gente está acelerando o tempo que a planta cresce na casa de vegetação, dando o máximo de recurso possível para uma situação mais crítica do campo”, diz Gislene. “Quando você replanta, ela está com um tamanho como se tivesse passado dois anos ao invés de poucos meses. E o resto a própria história evolutiva das plantas da Caatinga se incumbe de fazer.”
Outra conclusão do estudo que potencializa a eficácia do novo método é a importância do uso de plantas facilitadoras, conhecidas como “plantas enfermeiras”, capazes de melhorar a qualidade do solo com a fixação de nutrientes e a redistribuição da água para outras espécies mais frágeis se beneficiarem.
Combatendo a desertificação
Segundo Gislene, doutora em Ecologia pelo Imperial College da Universidade de Londres, o processo de desertificação, que é o primeiro degrau para um ambiente virar um deserto, se deve a uma combinação de fatores. Entre eles, destacam-se a salinização da área superficial do solo por conta de irrigação errada feita com água salobra, o corte e a queima da vegetação para uso de madeira e produção de tijolos e telhas, além do pisoteio do rebanho de gado e cabras.
“A exposição do solo erodido e sem vegetação ao sol faz com que o calor extremo puxe a água do fundo para cima, trazendo junto o sal das camadas inferiores da terra”, explica Gislene. “E uma superfície salinizada acarreta grandes dificuldades de estabelecimento da flora, porque o sal concorre com as plantas pela água, mesmo que chova.”
Para a pesquisadora, um dos desafios para um projeto de restauração da Caatinga bem sucedido é a criação de mais áreas de proteção ambiental usando informações sobre como as plantas nativas responderão no futuro às mudanças climáticas e ao aumento de temperatura.
“Algumas plantas vão mudar de endereço. Imagina a consequência disso para a restauração”, diz Gislene. “Você restaura agora e daqui a setenta anos é capaz dessa planta desaparecer naquele lugar. O clima vai mudar de um jeito que ela não conseguiria viver lá no futuro.”
No Parque Nacional do Catimbau, sertão de Pernambuco, o método do cano de PVC criado por Gislene vem sendo utilizado por uma equipe do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para frear o avanço da degradação e impedir que chegue à desertificação. Seu coordenador, o professor Felipe Melo, destaca o trabalho da colega e ressalta que seu objetivo está focado na restauração como uma ferramenta de promoção de segurança hídrica, energética e alimentar para a população do sertão.
“A Caatinga se degradou sem alcançar desenvolvimento humano da população”, argumenta Felipe. “Estamos tentando entender o papel da restauração em itens de segurança do sertanejo, como a disponibilidade de água – que, por sua vez, está associada a manutenção de nascentes. Também estamos testando espécies de plantas que forneçam lenha, importantes para a segurança energética, e plantas como fontes alimentícias, como a forragem para bode, por exemplo”.
Tendo em vista o sucesso do projeto de restauro na Floresta Nacional de Açu, Gislene deposita parte da confiança na prória capacidade de sobrevivência da Caatinga: “O bioma parece ser difícil de ser restaurado, mas tem uma resposta rápida. Foi assim que evoluiu ao longo do tempo, respondendo rápido as chuvas porque tem muito nutriente armazenado no solo”.
Imagem do banner: Pôr do sol na Floresta Nacional do Açu (RN). Foto: Gislene Ganade.