Trinta e oito organizações nacionais e internacionais da sociedade civil (OSCs), incluindo movimentos sociais e ONGs, condenaram o governo brasileiro e os construtores de quatro barragens do rio Teles Pires, na Amazônia. Os grupos denunciam o consórcio de barragens por atos de intimidação contra grupos indígenas, especialmente envolvendo a recém-construída barragem de São Manoel.
Essa barragem foi construída pela Empresa de Energia São Manoel, liderada pelas subsidiárias brasileiras China Three Gorges Corporation, Energia de Portugal e a empresa estatal Furnas Centrais Elétricas. As OSCs/ONGs dizem que o governo Temer enviou uma unidade policial nacional como uma “empresa de segurança privada” para defender os construtores das barragens e intimidar os grupos indígenas.
As OSCs/ONGs também dizem que o governo está violando várias leis referentes à barragem de São Manoel, incluindo a falha em consultar adequadamente as comunidades indígenas, ameaças feitas a esses grupos, estudos incompletos de impacto ambiental e falhas na implementação de “condições” acordadas pelas autoridades em troca da autorização da barragem.
Em outros lugares, as comunidades ribeirinhas do rio Tapajós, frustradas com os atrasos do governo em cumprir uma obrigação legal de demarcar suas terras, tomaram medidas para marcar as fronteiras. Madeireiros e mineiros ilegais responderam com ameaças de violência. O governo brasileiro não fez nada até agora para proteger essas comunidades tradicionais.
Trinta e oito organizações nacionais e internacionais da sociedade civil (OSCs), incluindo movimentos sociais e ONGs ambientais, emitiram, em 23 de março, uma declaração expressa em termos enfáticos exigindo que o governo brasileiro respeite as leis ambientais, atue com base nas violações dos direitos indígenas e acabe com a crescente intimidação dos construtores de barragens hidrelétricas no rio Teles Pires. Também foi condenado o fracasso do governo Temer em processar madeireiros e mineiros ilegais ameaçando a violência contra as comunidades ribeirinhas do rio Tapajós.
O rio Teles Pires é um dos dois principais afluentes do Tapajós em uma região extremamente biodiversa. O governo mudou seu ambicioso esforço de construção de barragens na bacia amazônica para o Teles Pires em 2011, construindo quatro barragens no local (as barragens São Manoel, Teles Pires, Sinop e Colider). A intenção era construir uma muito maior – a São Luiz do Tapajós – no próprio rio Tapajós, mas foi evitada até agora pela resistência indígena, falta de recursos e dúvidas crescentes entre as autoridades nacionais sobre a viabilidade de grandes barragens hidrelétricas.
Em sua declaração, as mais de 30 organizações afirmam que desde 2011 os grupos indígenas Kayabi, Apiaka e Munduruku, juntamente com comunidades ribeirinhas tradicionais, sofreram sérios impactos ambientais e sociais das barragens de Teles Pires, que foram construídas em violação às leis brasileiras. Entre os 38 grupos estão incluídos o International Rivers, Fórum Teles Pires, APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Amazon Watch, ISA (Instituto Socioambiental), WWF Brasil e muitos outros.
As organizações se concentram especialmente no caso da barragem de São Manoel. O Ministério Público Federal (MPF) já abriu sete processos na Justiça Federal para bloquear as ilegalidades de São Manoel, incluindo falhas em consultar devidamente os grupos indígenas, ameaças feitas a esses grupos, estudos incompletos de impacto ambiental e falhas na implementação de “condições” acordadas feitas pelo consórcio em troca da autorização da barragem.
Quando o MPF ganhou seus casos por repetidas vezes, o governo usou um instrumento legal altamente questionável – a chamada “Suspensão de Segurança” – para evitar que as decisões judiciais interrompessem a construção da barragem. A Suspensão de Segurança, um legado do governo militar brasileiro de 1964 a 1988, pode ser usada para negar qualquer decisão de primeira instância se a decisão for uma ameaça à segurança nacional, incluindo a “ordem social e econômica” do Brasil.
A declaração da OSC/ONG diz que, usada sem justificativa apropriada, a Suspensão de Segurança “atende aos interesses das empresas e de seus aliados políticos, em detrimento da proteção constitucional dada ao meio ambiente, povos indígenas e outros povos tradicionais”.
O documento lista maneiras pelas quais as culturas indígenas foram prejudicadas, especialmente a destruição de locais sagrados de importância incalculável para a cosmologia indígena. Ele também condena a decisão de setembro de 2017 dos dirigentes da FUNAI e do IBAMA, a agência indígena do governo e seu órgão ambiental, que emitiram uma licença de operação para a barragem de São Manoel. As OSCs/ONGs dizem que os dirigentes das agências “ignoraram visivelmente os relatórios técnicos desfavoráveis elaborados pelos funcionários do IBAMA e da FUNAI, que se opunham à concessão da licença”.
O documento também alerta para “um sério risco de agravar os conflitos com a população indígena”. Os índios Mundurukus se opuseram intensamente à concessão da licença de operação de São Manoel e convocaram uma reunião com oficiais do governo na aldeia de Teles Pires, onde moram. Quando o pedido foi ignorado, 150 Mundurukus ocuparam o local de construção da barragem de São Manoel em julho de 2017.
A declaração continua: “Em vez de concordar com o diálogo, o governo federal enviou a Força Nacional [polícia armada controlada pelo governo Temer] para o local de construção para reprimir a mobilização indígena realizada principalmente por mulheres e crianças”. A mobilização da Força Nacional foi autorizada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública criado por Temer, em resposta a um pedido do Ministério de Minas e Energia da administração.
E a declaração ainda acrescenta: “Seguindo a mesma lógica perversa da ‘Suspensão de Segurança’, a Força Nacional está sendo usada agora para reprimir os protestos dos povos indígenas de Teles Pires, atuando como uma empresa de segurança privada para o Consórcio de Energia São Manoel Energia (EESM), liderado pelas subsidiárias brasileiras China Three Gorges Corporation (CTG), Energia de Portugal (EDP), em conjunto com a empresa estatal Furnas Centrais Elétricas, parte do grupo Eletrobras”.
As OSCs/ONGs observam que, em 1º de março de 2018, o recém-criado Ministério de Segurança Pública ampliou a ocupação da barragem de São Manoel pela Força Nacional por mais 90 dias, justificando tal medida ao alegar que os Mundurukus representavam uma ameaça contínua à “ordem pública”.
A declaração pede a retirada imediata da Força Nacional do local de construção de São Manoel, conversas imediatas com grupos indígenas e o cancelamento da licença de operação da barragem até que as “condições” originalmente prometidas sejam implementadas por completo.
Enquanto isso, no rio Tapajós, a comunidade ribeirinha de Montanha-Mangabal está empenhada em uma luta para defender suas águas e florestas dos invasores. Ao contrário dos grupos indígenas que lutam contra os construtores da barragem no Rio Teles Pires, os ribeirinhos estão enfrentando gangues locais que extraem ouro e madeira ilegalmente de suas terras – ilegalidade que o governo não conteve.
Os ribeirinhos dizem que, nos últimos meses, madeireiros e mineiros foram encorajados a atos de intimidação e ameaças de violência devido ao fracasso do governo Temer em fornecer policiamento. Ao mesmo tempo, dizem os moradores, o governo criminalizou os defensores dos direitos ambientais e humanitários. Os ribeirinhos acreditam que, em vez de enviar a Força Nacional para reprimir os Mundurukus – que protestam pacificamente contra os construtores de barragens que dinamitaram um de seus locais mais sagrados – o governo de Temer deveria ter enviado policiais para defender suas terras.
O conflito de Montanha-Mangabal se intensificou em setembro de 2017 depois que os ribeirinhos – cansados de esperar que o governo cumprisse sua obrigação legal de demarcar suas terras – decidiram demarcar eles mesmos. A Mongabay acompanhou os ribeirinhos por seis dias enquanto cortavam uma trilha fronteiriça e colocavam placas na fronteira. Em um ato de solidariedade, os jovens índios Mundurukus da parte baixa do rio ajudaram os ribeirinhos usando dispositivos de GPS para garantir que a terra fosse marcada com precisão.
Os garimpeiros e madeireiros reagiram. No início de 2018, três líderes ribeirinhos – Chico Caititu, Ageu Lobo e Pedro Braga – foram ameaçados de morte e obrigados a fugir.
A Mongabay entrevistou Ageu Lobo e Chico Caititu no esconderijo. Ambos estavam abalados e deprimidos, mas determinados a continuar sua luta. “Precisamos da floresta. Nosso sustento depende disso”, disse Caititu. “Se eles destruírem a floresta, não podemos continuar vivendo. É melhor ser morto a tiros”.
Lobo estava bravo: “Aqueles que derrubam a floresta são os criminosos, mas nós é quem somos forçados a fugir e nos esconder”.
Esses não são casos isolados. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Igreja Católica, que compilou estatísticas sobre a violência rural por muitos anos, 65 defensores da terra e ativistas ambientais foram assassinados no Brasil em 2017. Isso, diz a CPT, torna o Brasil “o país mais violento do mundo para as famílias camponesas”.
Esclarecimento: A versão original desta história referiu-se a todas as organizações que faziam a declaração como ONGs. Para esclarecimento adicional, a declaração foi assinada por organizações da sociedade civil (OSCs), incluindo movimentos sociais e ONGs ambientais.
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