O GRANDE PLANO DO BRASIL: Construir mais de 40 barragens, novas estradas e ferrovias no coração da Amazônia para transportar soja do interior para a costa e para mercados estrangeiros, transformando a Bacia do Tapajós e seus sistemas fluviais em uma hidrovia industrial, levando a um desmatamento sem precedentes, de acordo com os principais pesquisadores.
IMPACTOS NO ECOSSISTEMA: “Os efeitos seriam claramente devastadores para a ecologia e conectividade da grande Bacia do Tapajós”, diz William Laurance, da Universidade James Cook, na Austrália, um importante cientista da ecologia de florestas tropicais. “Não é exagero chamar a situação de crise em andamento”.
IMPACTOS HUMANOS: As barragens produziriam “Uma crise de direitos humanos, impulsionada pela inundação de territórios indígenas e deslocação forçada de vilarejos indígenas… [além de] perda de pescas, redução da fertilidade de planícies férteis, e poluição de fontes de água potável”, diz Christian Poirier da organização Vigilância da Amazônia.
IMPACTOS CLIMÁTICOS: “No pior cenário possível… mais de 200.000 quilômetros quadrados de desmatamento”, diz o climatologista Carlos Nobre, o que seria “muito grave” e geraria “mudanças climáticas regionais”. A deflorestação do Tapajós poderia até gerar aumento em escalas globais, conforme a Amazônia deixa de ser um reservatório de carbono e se torna uma fonte de carbono — trazendo sérias consequências para o planeta.
O Brasil está avançando os planos de construir um vasto complexo de usinas hidrelétricas no coração da Amazônia que converteria o agora remota e selvagem sistema fluvial do Rio Tapajós em uma hidrovia industrial domesticada com o propósito de transportar soja — um desenvolvimento que cientistas e ONGs dizem que vai ameaçar a biodiversidade Amazônica, os ecossistemas, meios de subsistência tradicionais, culturas indígenas e o clima global.
Um total de 42 grandes barragens estão sendo planejadas ou já em construção na Bacia do Tapajós, uma região biologicamente e culturalmente rica e uma das oito áreas de endemismo biológico amazônico. Alimentado por afluentes no estado do Mato Grosso, Rondônia e Amazonas, o principal rio do Tapajós flui para o nordeste através do estado do Pará, e escoa no Rio Amazonas na cidade de Santarém. A Bacia cobre 492.000 quilômetros quadrados e tem mais que o dobro do tamanho do Reino Unido.
Suas florestas e vias fluviais são a casa de espécies como o jaguar, a lontra gigante, e o golfinho de rio, assim como espécies pouco conhecidas e de alcance restrito que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Muitas plantas e animais da região permanecem desconhecidas para a ciência. Comunidades tradicionais do rio e povos indígenas necessitam dos recursos naturais da bacia para sua sobrevivência.
Está prevista a construção de barragens no Rio Tapajós, assim como em seus principais afluentes, os rios Jamanxim, Juruena e Teles; as 7 principais barragens priorizadas no Plano Decenal de Expansão de Energia 2013-2022 para o Rio Tapajós e a Bacia Teles Pires juntas colocariam 3.831.9 quilômetros quadrados debaixo d’água.
Cientistas da Amazônia: “os efeitos seriam claramente devastadores”
A recente suspensão da maior delas, a hidrelétrica São Luiz do Tapajós, foi aclamada como uma vitória de conservação e direitos humanos: se a usina permanecer sem ser construída, então 722 quilômetros quadrados de floresta serão poupados de inundação. Há, entretanto, a preocupação de que a construção desta usina não permaneça parada, com rumores circundando na administração de Temer no Brasil de que a suspensão de São Luiz do Tapajós será revertida.
Mas não importa: haverá muitos outros impactos severos derivados das outras 40 barragens, principalmente se todas elas forem consideradas juntas, adverte Philip Fearnside, uma especialista em desenvolvimento e deflorestação amazônica. Represas inundam florestas, deslocam pessoas, emitem gases de efeito estufa (principalmente nos trópicos), e interrompem o fluxo de água rio abaixo e entre canais fluviais e planícies aluviais.
Ao abrir a navegação de barcaças e navios do estado do Mato Grosso até o Rio Amazonas e o Oceano Atlântico, a hidrovia industrial promoverá a expansão da indústria de soja, promovendo aumento no desmatamento do interior amazônico. Interações negativas entre a construção das usinas, a indústria, e infraestruturas adicionais — incluindo grandes novas estradas e ferrovias — acompanhadas de migração humana na região, irão desencadear vários impactos indiretos no ecossistema da floresta, a menos que os planos sejam drasticamente mudados para atenuá-los.
“Os efeitos seriam claramente devastadores, tanto para a ecologia e conectividade da grande Bacia do Tapajós quanto para seus diversos grupos de povos indígenas”, William Laurance, um professor da Universidade James Cook, na Austrália, uma importante autoridade da ecologia de florestas tropicais, contou ao Mongabay. “Não é exagero chamar a situação de crise em andamento”.
Stewart Maginnis, o diretor global do Grupo de Soluções da Natureza do IUCN, e ex-diretor do Programa de Florestas e Mudanças Climáticas, partilha dessa preocupação: “Os impactos na biodiversidade de água doce, povos indígenas, e a abertura de novas áreas para agricultura traz o risco de aumentar a deflorestação e mudanças no uso da terra da Bacia Amazônica”.
Apesar da imensidão desses potenciais impactos, o público ainda desconhece a “complexidade e as ambições” dos planos para o Tapajós, diz o proeminente biólogo de conservação da Amazônia Thomas Lovejoy, diretor do Centro de Biodiversidade e Sustentabilidade na Universidade George Mason, e oficial sênior da Fundação ONU.
O plano beneficia empresas de construção civil, a indústria de energia e o agronegócio
Um fator que conduz o chamado “Complexo do Tapajós” é o apetite do governo brasileiro por produção de energia hidrelétrica e por financiar grandes projetos infra estruturais.
Fearnside argumenta que essa necessidade nacional de energia tem sido não apenas “grandemente exagerada”, mas pode ser facilmente suprida por fontes alternativas de energia. “As projeções [da futura necessidade de energia do Brasil] ignoram todos os limites, [e preveem] uso de eletricidade astronômica em alguns anos”, projetado pelas estatísticas usadas para justificar os planejados projetos hidrelétricos, ele diz.
A construção de mega-usinas (incluindo a recentemente concluída e controversa Usina Hidrelétrica de Belo Monte) têm beneficiado enormemente as gigantes empresas de construção do Brasil, juntamente com os partidos políticos que governam a nação, cujas campanhas no passado receberam contribuições bastante generosas destas grandes empresas.
“A primeira prioridade [para o Brasil deveria ser] diminuir o uso de eletricidade”, argumenta Fearnside, um professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). E se o país precisar ir além de eficiência energética para aumentar a produção, então “o Brasil tem um imenso potencial para energia eólica e solar”.
Outra força motriz do Complexo de Hidrelétricas do Tapajós é a “tremenda pressão” da indústria de soja, que obterá grandes benefícios de transporte melhorado e mais barato oferecido pela hidrovia industrial. Acompanhada está a grande importância das exportações de soja para a economia brasileira, que teve sua significância grandemente ampliada pela atual severa crise econômica do Brasil.
Juntos, esses fatores significam que “há grande disposição política facilitando o desenvolvimento [do Tapajós] independentemente das consequências” afirma Fearnside. As conexões entre o governo e o agronegócio estão mais fortes do que já estiveram, com um dos maiores plantadores de soja do Brasil, Blairo Maggi, tendo sido recentemente nomeado Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. “A maior das 12 propriedades da família Maggi seria beneficiada pela primeira filial da hidrovia industrial, a filial Teles Pires”, nota Fearnside.
Como os projetos hidroelétricos facilitam o fechamento e inundação de correntezas que em outras situações seriam intransitáveis, as mais de 40 usinas são inextricavelmente conectadas com, e vitais para, a planejada hidrovia industrial. Laurance e Fearnside veem a abordagem “tudo ou nada” da construção de barragens como especialmente perigosas. Sem a necessidade da hidrovia industrial algumas das usinas hidrelétricas podem não ser uma prioridade para o governo.
Em nome da segurança nacional
Um grande motivo de preocupação na Bacia do Tapajós é de que o governo irá fazer vista grossa aos potenciais impactos sociais e ecológicos, arrasando a trajetória à frente. No passado, o governo brasileiro usou repetidamente “suspensões de segurança” nacional como um meio de revogar as restrições de licenciamento ambiental e frustrar a resistência social à grandes projetos infra estruturais como as usinas, optando por crescimento econômico ao invés — que é considerado indispensável para a segurança nacional.
Essa provisão legal é um resquício da ditadura militar do Brasil dos anos 1964-1985. De fato, a provisão de “suspensão de segurança” já foi usada para abrir caminho para quarto novas barragens que já estão em construção no Rio Teles Pires, um afluente do Tapajós. Embora um juiz tenha ordenado que duas destas represas fossem paradas, a decisão foi anulada através da “suspensão de segurança”.
Enquanto isso, numerosas medidas, que podem acelerar o desenvolvimento das usinas se passadas, estão sendo movidas pelo Congresso brasileiro. Adicionalmente, o governo — aparentemente em preparação para a construção do Complexo do Tapajós — têm reduzido silenciosamente nos últimos anos o tamanho das principais áreas federais protegidas ao longo dos rios da região, eliminando proteções à planícies aluviais a fim de antecipar e prevenir qualquer conflito legal envolvendo as usinas e seus reservatórios quando os projetos fossem finalmente iniciados.
O medo dentre ONGs e grupos indígenas é de que oficiais do governo estejam preparando tudo para rapidamente autorizar o início da construção de hidrelétricas ao longo da Bacia do Tapajós. “A indiferença governamental, beirando hostilidade, aos sistemas naturais do ecossistema da maior floresta tropical do planeta não é nada menos que ultrajante”, diz Lawrence Hurd, um professor na Universidade Washington e Lee, nos Estados Unidos.
Impactos hidrológicos
Um dos efeitos mais imediatos e diretos de qualquer usina é a obstrução de água: fluxo descendente, flutuações sazonais, e pulsos de inundação natural são todos reduzidos e controlados pelas barragens e seus reservatórios — e isso acontece duplamente em florestas tropicais, que variam entre estações bem húmidas com inundações e estações bem secas com pouca água.
As barragens interrompem conexões naturais essenciais, bloqueando o fluxo de nutrientes, sedimentos e vida aquática entre nascentes e canais fluviais, e em planícies aluviais.
“Conexões hidrológicas sustentam a integridade ecológica, econômica e cultural do sistema do Rio Tapajós”, explica a cientista Márcia Macedo do Centro de Pesquisa Woods Hole, nos Estados Unidos. “O Complexo Hidrelétrico de Tapajós mudaria fundamentalmente o fluxo da água na bacia”.
Michael Coe, um cientista de sistemas da terra também do Woods Hole, vê a “reengenharia completa do sistema fluvial livre” como um motivo de real preocupação, porque “mesmo as pequenas mudanças no tempo e magnitude de fluxo podem gerar grandes mudanças nos processos do ecossistema. Eu me preocupo, em particular, com a saúde e viabilidade das zonas ribeirinhas ao longo desses rios”, diz Coe.
Outro impacto do fluxo bloqueado: a concentração de metil mercúrio nos reservatórios, e à jusante deles — um resultado parcial do mercúrio usado na mineração de ouro na Amazônia. Uma vez tendo sido consumida por peixes, a toxina é bioacumulada na cadeia alimentar; aqueles ao topo, como grandes predadores e pessoas, consomem a maior quantidade deste tóxico metal que apresenta sérios riscos de saúde. Usinas da Amazônia têm algumas vezes apresentado níveis perigosos de metil mercúrio — um risco real no Tapajós, que já apresenta alta concentração deste componente tóxico em algumas partes do rio..
Todos estes impactos hidrológicos negativos são combinados e ampliados quando múltiplas barragens são construídas em série ao longo do mesmo rio, ou num sistema fluvial, o que pode acontecer por todo o Complexo do Tapajós.
Mas apesar destes claros impactos acumulados serem “maiores do que a soma das partes” como coloca Coe, ameaças são sempre avaliadas pelo governo de acordo com cada represa individualmente, e os impactos cumulativos não são considerados.
Muitos cientistas argumentam que para o Complexo do Tapajós ser avaliado propriamente, todas as usinas devem ser analisadas como um todo e antecipadamente, com o objetivo de ter uma perspectiva clara a respeito dos efeitos ambientais cumulativos de fluxos alterados de água.
Impactos na biodiversidade
As mudanças hidrológicas provocadas pela construção das barragens de Tapajós terão intensos efeitos nas espécies que vivem no ecossistema de água doce: conectividade é essencial para populações saudáveis e geneticamente diversas.
“É fácil prever o impacto geral das represas nas comunidades de espécies de peixes: a diversidade diminuirá tanto acima como abaixo das usinas, algumas espécies serão localmente extintas e, como peixes tropicais tendem a ter alcance limitado de ocorrência, regionalmente também”, Hurd, que estuda a diversidade de peixes tropicais, contou ao Mongabay.
“Atenuar estes impactos é praticamente impossível”, ele explica. Por este motivo ele vê desenvolvimento do Tapajós como um “desastre ambiental” iminente. Represas mudam o fluxo, profundidade, temperatura, sedimentação e níveis de oxigênio da água, e na Amazônia “[as] espécies de peixes estão primorosamente adaptadas à essas características ambientais”.
“As represas também atuariam como barreiras para o movimento e migração, tornando impossível a ocorrência anual de desova à jusante para muitas espécies”, diz a coordenadora do programa de ciências do WWF-Brasil Mariana Napolitano Ferreira. Migrações de bagres gigantes obstruídas por represas já foram documentadas em outros lugares da bacia amazônica. Embora no passado esforços tenham sido feitos para incorporar escadas para peixe nas barragens, estes esforços não foram bem-sucedidos. E mesmo que os peixes pudessem de alguma forma retornar para a nascente para desovar, jovens peixes voltando para a jusante podem não conseguir passar pelas barragens.
“As mudanças nas populações de peixes impactarão seus predadores, incluindo duas espécies de golfinho de rio”, diz a pesquisadora Claryana Araújo, da Universidade Federal de Goiás, no Brasil. “Golfinhos de água doce também sofrem o risco de fragmentação e isolamento de populações devido a algumas das barragens planejadas”, diz ela.
Tartarugas perderão habitats e praias de nidificação próximas aos reservatórios das barragens. “Inundar áreas tão grandes de floresta destruirá populações de 11 espécies de tartarugas”, com 6 delas enfrentando completo extermínio devido à destruição de seus habitats e locais de nidificação, Richard Vogt, conservador de tartarugas do INPA, contou ao Mongabay.
Algumas espécies, como a tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa) migram centenas de quilômetros para retornar às históricas praias de nidificação durante seus 80 a 100 anos de vida, Vogt explica, então “destruir estes locais afetará a integridade dessas populações” e “a habilidade dessas espécies de encontrar parceiros”.
Com os reservatórios da Bacia do Tapajós submergindo milhares de hectares de florestas, centenas de espécies vivendo em ilhas fluviais, às margens de rios, e em planícies aluviais da floresta veriam seu habitat desaparecer. Um grande número de áreas de conservação protegidas e suas florestas e pantanais seriam afetados também.
Espécies ameaçadas na região incluem o tatu-canastra (Priodontes maximus), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o macaco-aranha-de-cara-branca (Ateles marginatus), e o gato-do-mato (Leopardus tigrinus).
A construção do Complexo do Tapajós também veria a “perda direta de habitat de várias espécies de aves”, Alexander Lees, um ornitólogo da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, contou ao Mongabay. “A região é lar de uma variedade restrita de espécies de aves, todas pouco conhecidas e já em risco de extinção global devido à perda de floresta”.
Aqueles em maior risco incluem o dançador-de-coroa-dourada (Lepidothrix vilasboasi); o rabo-branco-do-tapajós (Phaethornis aethopygus); o arapaçu-do-tapajós (Campylorhamphus cardosoi), que foi recentemente descoberto pela ciência; e o tiê-bicudo (Conothraupis mesoleuca) “que permanece extremamente ameaçado e muito pouco conhecido”, diz Lees.
Uma vez que o desmatamento indireto for levado em consideração — devido à construção de estradas de serviço das barragens, linhas de transmissão elétrica, além de vilarejos para sustentar os trabalhadores da construção — a perda e fragmentação de habitat se torna ainda mais séria.
Laurance, que estudou os impactos da construção de rodovias na deflorestação, vê esse impacto indireto como uma ameaça ainda maior para a floresta do que as próprias barragens. “Tais estradas abrem uma Caixa de Pandora de atividades ilegais, tais como usurpação de florestas, incêndios, caças furtivas, exploração ilegal de madeira, que são altamente destrutivas para as florestas e vida selvagem”, ele afirma.
Impactos socioeconômicos
Para os milhares de pessoas que pertencem à grupos indígenas e tradicionais comunidades ribeirinhas na Bacia, rios e florestas são fundamentais para seu modo de vida, e o Complexo do Tapajós trará mudanças indesejáveis. Mas até mesmo as pessoas que vivem nas cidades estão sendo afetadas por este grande empreendimento. As cidades de Santarém e Itaituba, por exemplo, já foram impactadas com a implantação de portos infra estruturais de soja, que trouxeram novos empregos, mas também acrescentaram problemas urbanos como poluição, crimes e superlotação.
Somente a Barragem de Chacorão, no Rio Tapajós, “inundaria 11,700 hectares de terra indígena Munduruku”, revela Fearnside, que recentemente destacou uma série de ações tomadas pelo governo para se livrar das restrições legais em grandes projetos infra estruturais, ameaçando territórios indígenas.
Em uma recente entrevista para o Mongabay, Brent Millikan, o diretor do Programa Amazônico na ONG Rios Internacionais, disse que os conflitos socioambientais associados ao Complexo do Tapajós “têm sido associados com violações crônicas de direitos humanos e legislação ambiental, debilitação de instituições democráticas, autoritarismo e, por fim, corrupção desenfreada“.
“Uma crise de direitos humanos, impulsionada pela inundação de territórios indígenas e relocação de vilarejos indígenas — o que é ilegal perante a constituição brasileira — seria agravada pela perda de pescas, redução da fertilidade de planícies aluviais, e poluição de fontes de água potável”, diz Christian Poirier da organização Vigilância da Amazônia.
As “consequências sombrias” do desenvolvimento de hidrelétricas para peixes, tartarugas e mamíferos geraria uma reação em cadeia na população humana, visto que estas espécies “constituem a base de alimentação e dos meios de subsistência” das comunidades residentes, nota Poirier.
Hurd elaborou mais, dizendo que os peixes migratórios são “a fonte mais importante de proteína para as populações humanas de região” e “possivelmente as vítimas mais vulneráveis da construção de barragens”. Estes peixes também fazem parte da base de pesca comercial da Bacia do Tapajós. Sua perda forçaria a população humana da Bacia a procurar outras fontes de proteína para suprir suas necessidades.
Camila Jericó-Daminello, uma analista de pesquisas do Fundo Estratégico de Conservação (CSF), estudou os possíveis impactos econômicos se apenas a construção de uma das represas, o projeto São Luiz do Tapajós, fosse adiante. “Considerando os impactos econômicos negativos em rendas familiares, provisão de água, e regulação climática, os custos ambientais associados ao projeto, mas não formalmente contabilizados [em avaliações ambientais oficiais], são de pelo menos R$1,9 bilhões considerando um período de 30 anos”, ela observa.
“Apesar destes custos, quase nenhuma informação sobre a represa foi compartilhada com os civis e populações locais até recentemente”, diz Jericó-Daminello.
Embora São Luiz do Tapajós esteja parada atualmente, essas previsões financeiras indicam custos econômicos astronômicos se as outras mais de 40 barragens forem construídas. O preço completo social e econômico do Complexo do Tapajós ainda tem de ser analisado, e nenhuma avaliação foi apresentada para as pessoas que tem a maior probabilidade de ser impactadas.
Como nota Isabel Rosa, uma pesquisadora do Centro Alemão de Pesquisa de Biodiversidade Integrativa, o Brasil tem uma grande população indígena que depende da floresta tropical amazônica: “Se o sistema legal brasileiro não está fazendo seu trabalho em proteger os interesses dos cidadãos, quem vai protegê-los?”
Impactos climáticos
Embora barragens sejam tradicionalmente apresentadas como fontes de energia limpa, há um crescente reconhecimento entre cientistas e legisladores de que reservatórios de energia hidrelétrica (especialmente nos trópicos) estão longe de ser considerados limpos: quantidades significantes de dióxido de carbono e metano — um gás do efeito estufa 20 vezes mais potente que o CO2 — são liberados da matéria orgânica em solos submersos e vegetações decadentes.
A Floresta Amazônica geralmente age como um reservatório de carbono, sequestrando CO e mantendo-o longe da atmosfera. “A perda acelerada de floresta” devido aos reservatórios e desmatamentos adicionais para a construção de estradas, de exploração ilegal de mateira e outras causas, terá então “impactos significantes relacionados à emissão de carbono”, Rosa nota. Coe adicionou que “a contribuição do Brasil para a mudança climática” aumentaria como resultado.
“O pior cenário possível indica um efeito indireto do desenvolvimento da infraestrutura [no Tapajós] de mais de 200.000 quilômetros quadrados de desmatamento”, revela o climatologista Carlos Nobre, cientista do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas no Brasil, o que seria “muito sério”, com “certos níveis de mudança climática, tais como aumento de temperatura”, previstos se um desmatamento de tal escala aconteça.
Os cientistas sabem que a perda de cobertura florestal muda o modo com que a água circula no ecossistema, com menos água sendo retornada para a atmosfera. Como a Amazônia gera grande parte de sua própria chuva através do processo de evapotranspiração, grandes deflorestações podem levar a reduções de chuvas e, em casos extremos, severas secas.
Estas perdas de pluviosidade não serão sentidas apenas na Amazônia: ‘Bem mais de metade da chuva que cai sobre o Sul do Brasil [além das fronteiras da Amazônia] é originada da água que vai à atmosfera na região da Bacia do Amazonas”, diz Abby Swann, uma cientista estudando as conexões entre ecossistemas e clima na Universidade Washington, nos Estados Unidos.
Uma das consequências desse relacionamento entre desmatamento florestal/redução de chuvas é a diminuição significativa do nível dos rios, que reduziria a capacidade geradora e viabilidade econômica das usinas hidrelétricas que geraram tal desmatamento.
O panorama a longo prazo é incerto, mas esses impactos climáticos podem ser devastadores, não só para o Brasil mas para o nosso planeta.
“Eu acho que a Amazônia está bem perto, com desmatamento a 20 por cento, de alcançar o ponto de desenredar o ciclo hidrológico”, diz Lovejoy, um pesquisador da Amazônia. “As secas históricas de 2005 e 2010, e a seca deste ano, são, eu acredito, cintilações e avisos precoces”.
Lovejoy vê os combinados impactos do desmatamento gerados pelo Complexo do Tapajós como potencialmente suficientes para “levar o sistema além do ponto crítico”, ou seja, os níveis de chuva diminuiriam a ponto de não poder mais manter o atual ecossistema amazônico. As florestas tropicais começariam a morrer.
Se isso acontecer, outro ponto crítico preocupa os cientistas: o momento em que a floresta tropical da Amazônia como um todo parar de absorver dióxido de carbono da atmosfera e ser um reservatório de carbono, e ao invés disso se tornar uma fonte de carbono, mandando gases do efeito estufa antes guardados nas árvores para o céu.
Alarmantemente, indicações de tal mudança já estão aparecendo, mesmo sem o enorme desmatamento projetado para a Bacia do Tapajós. Secas registradas no século 21 fecharam o reservatório de carbono da Amazônia temporariamente — outro exemplo das “cintilações e avisos” de pedido de ajuda que estão vindo do ecossistema da Amazônia. Um fechamento permanente poderia ter implicações enormes no clima global, mas prever quando este ponto crítico será alcançado não é fácil. “Ainda há muita incerteza a respeito de como as florestas tropicais, estão e, vão responder às mudanças climáticas”, Swann enfatiza.
Os estudos de Nobre indicam que o limite pode não estar a 20 por cento de desmatamento como sugeriu Lovejoy, mas a 40 por cento de desmatamento. “A partir dessa perspectiva, deve-se ser cauteloso para não encorajar mais deflorestação porque há outros condutores de mudança [que são] também motivos de preocupação”, ele diz. Por exemplo, um aumento de 4 graus Celsius também poderia desencadear sérias respostas no sistema florestal, então “o aquecimento global não controlado apresenta um grande perigo de atingir um ponto crítico”.
A verdade é que nossa ciência ainda não é robusta o suficiente para saber precisamente onde esses pontos críticos são. Mas cientistas como Lovejoy e Nobre alertam que nossa grande destruição das florestas da Amazônia é brincar com fogo. Em uma entrevista recente, quando perguntado sobre o que ele vê como a maior ameaça à Amazônia, Lovejoy respondeu: “A intersecção entre infraestrutura descoordenada e o ciclo hidrológico”.
Apelos à ação
Cientistas e ONGs dizem que o desenvolvimento de hidrelétricas brasileiras precisa mudar de dois modos diferentes para que essa “crise em andamento” seja evitada. Primeiro, o processo de licenciamento da infraestrutura deve ser reforçado, não enfraquecido. Segundo, os efeitos cumulativos do desenvolvimento de múltiplas barragens ao longo de bacias de drenagem devem ser considerados e respeitados durante o processo de planejamento.
“A maior prioridade política para a conservação da Amazônia é reestruturar o processo legal de aprovação de grandes projetos hidroelétricos como o Complexo Hidrelétrico de Tapajós”, Macedo diz.
“Externalidades sociais e ambientais precisam ser incluídas nas análises de custo-benefício e usadas no processo de decisão”, Jericó-Daminello adiciona. “Os direitos dos povos indígenas também devem ser reconhecidos, incluindo o envolvimento [deles] durante todo o processo de licenciamento e em dar consentimento (ou não!) para os projetos”.
Fearnside vê como uma prioridade urgente que uma vigorosa defesa do atual processo de licenciamento das barragens contra os muitos ataques esteja a caminho do Congresso brasileiro. “Apesar de seus muitos problemas, [o sistema de licenciamento] é essencial para garantir que impactos ambientais e sociais sejam considerados, como mostrado pelo recente arquivamento da [barragem] São Luiz do Tapajós”, ele afirma.
Especialmente alarmante para Fearnside e outros é que o Congresso, parcialmente sob proteção do Ministro da Agricultura Maggi, chegou a propor uma emenda constitucional (PEC 65) que iria, essencialmente, acabar com as proteções ambientais e indígenas.
Avaliações integradas dos impactos das barragens na bacia hidrográfica e a manutenção dos rios de fluxo livre das bacias hidrográficas são apenas algumas das abordagens que os cientistas estão pedindo ao Brasil para adotar. “É de importância fundamental que o conjunto de barragens que estão sendo planejadas sejam avaliadas como um conjunto”, diz o WWF-Brasil, em um relatório que delineia sua visão de conservação da bacia do Tapajós.
Existem ferramentas científicas para facilitar esta abordagem, que poderiam formar “parte de um processo de planejamento proativo para a infraestrutura genética brasileira”, diz Jericó-Daminello, indicando a ferramenta CSF’s Hydrocalculator, que inclui avaliação das implicações sociais, econômicas e climáticas dos desenvolvimentos infra estruturais propostos — uma análise que pode ser feita incluindo e comparando múltiplos projetos. O uso desta ferramenta durante a etapa de planejamento “melhoraria consideravelmente os impactos ambientais e prováveis impactos econômicos”.
Mas, em última estância, é necessária a troca de usinas hidrelétricas por outras fontes de produção de energia, segundo os especialistas: “Existem alternativas que permitem que o país tenha uma matriz de energia diversificada que seja limpa e segura e que seja competitiva do ponto de vista econômico e ambiental”, o WWF-Brasil afirma em seu relatório.
“O que é necessário é a restauração das florestas, não mais deflorestação”, conclui Lovejoy. “Acho que é hora de repensar os planos para a energia da Amazônia”.