Nativo do litoral asiático, o mexilhão-verde tem invadido diferentes regiões da costa do Brasil, sendo observado inclusive em áreas de proteção ambiental.
Pesquisadores dizem que o molusco invasor ameaça a biodiversidade marinha ao competir com espécies nativas por recursos, alterando diferentes aspectos do ecossistema e elevando os riscos de disseminação de doenças.
Suspeita-se que sua chegada ao litoral brasileiro tenha ocorrido através do transporte marítimo e da poluição dos oceanos por resíduos plásticos.
O litoral brasileiro tem sido palco de uma silenciosa — e preocupante — “invasão” ambiental em anos recentes: a chegada do mexilhão-verde (Perna viridis), espécie originária da costa dos oceanos Índico e Pacífico e conhecida pela ciência por seu potencial ecológico intrusivo em diferentes ecossistemas.
Desde que começou a ser registrado no Brasil com grande prevalência por volta de 2018, na região da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, o animal se espalha pela costa do Brasil de forma acelerada. Com o tempo, o molusco bivalve também se estabeleceu em áreas protegidas, ameaçando a biodiversidade marinha.
Agora, novos estudos buscam mapear e entender esse fenômeno. Esses são os objetivos de uma pesquisa publicada em março sob a coordenação de representantes do Instituto de Pesca — entidade ligada ao governo do estado de São Paulo — e de acadêmicos de diferentes instituições do Brasil e do Uruguai, como a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e a Universidad de la República (Udelar), de Montevidéu.
Segundo a investigação, a presença da espécie não é mais um fato isolado: existem pelo menos 41 registros confirmados do mexilhão-verde ao longo de toda a costa brasileira, com um total de 12 ocorrências observadas dentro de unidades de conservação.
Os dados vêm chamando a atenção de cientistas e gestores ambientais, à medida que o pequeno animal pode causar uma gama variada de impactos à biodiversidade nativa, competindo com espécies por recursos e trazendo novas doenças. Ao mesmo tempo, sua crescente aparição afeta a pesca artesanal e o cultivo de organismos aquáticos em água do mar — prática que leva o nome de maricultura.
Segundo Edison Barbieri, diretor do Núcleo Regional de Pesquisa do Litoral Sul do Instituto de Pesca e um dos autores do estudo, a ideia de investigar o avanço da espécie surgiu a partir de observações de campo, que apontaram para a presença do molusco em áreas inusitadas. Ele cita o estuário Cananéia-Iguape e a Baía de Santos, ambos localizados no litoral paulista.
“A ausência de dados sistematizados sobre a distribuição [do mexilhão-verde] no Brasil, principalmente dentro de unidades de conservação marinha, indicou uma necessidade urgente de [se fazer] um levantamento detalhado [sobre seu comportamento]”, disse Barbieri à Mongabay.

De acordo com o pesquisador, o trabalho resultou em um mapeamento inédito dos hábitos invasivos do molusco, auxiliando cientistas a “compreender a morfologia da espécie e avaliar os possíveis vetores de sua dispersão, contribuindo para o planejamento de estratégias de mitigação e conservação da biodiversidade marinha”.
O processo científico contou com diversas etapas. Além das coletas de campo, realizadas em diferentes pontos costeiros dos estados de São Paulo e Santa Catarina em 2023, os autores revisaram a bibliografia existente e consultaram diferentes bancos de dados públicos.
A partir do cruzamento dessas informações, o estudo concluiu que a presença do molusco na costa brasileira está atrelada à ação humana no ambiente marinho.
Um exemplo é a condição dos transportes marítimos, em que o animal se desloca de outras regiões do planeta por meio da água de lastro (utilizada para garantir a estabilidade das embarcações) e da incrustação de conchas na superfície úmida dos navios. A introdução acidental da espécie, por meio da aquicultura e da dispersão de correntes costeiras, também figura como um fator de influência.
Ciência pode conter proliferação de espécies invasoras
Barbieri menciona um outro aspecto que considera ser fundamental para a compreensão da natureza “intrometida” do ser vivo: “nosso estudo também identificou uma possibilidade ainda pouco discutida: o transporte [do mexilhão] por meio de resíduos plásticos flutuantes.”
Segundo ele, durante a coleta de amostras, alguns indivíduos foram encontrados em fragmentos de lixo plástico, revelando novos fatores de risco associados às travessias através do mar. “Esses eventos demonstram como artefatos plásticos flutuantes podem servir como vetores de organismos marinhos, promovendo a bioinvasão transoceânica”, disse.
Rodrigo Cesar Marques, professor da UFVJM e coautor do estudo, disse à Mongabay que a preocupação dos pesquisadores também foi crescente durante observações iniciadas de forma “quase acidental”.
“Foi por acaso, como quase sempre acontece: alguém coletou [amostras do mexilhão] e nos enviou, ou [o animal] ‘surgiu’ durante as saídas de campo. Depois, percebemos que a espécie já estava chegando até o litoral catarinense.”

Segundo Marques, foi possível confirmar a presença do mexilhão-verde com base na observação de suas características morfológicas — como, por exemplo, forma, estrutura e aparência específicas do organismo. Uma das táticas consistia em compará-lo com o mexilhão mais encontrado no Brasil, também conhecido como marisco-preto (Perna perna).
Muito utilizado em diferentes receitas típicas brasileiras, o “primo tropical” do molusco do Indo-Pacífico tem conchas de coloração preto-azulada, o que permite um contraste com a estrutura castanho-esverdeada do animal invasor.
O caso visto no Brasil se encaixa em um padrão global de bioinvasão em que navios comerciais exercem um papel “determinante” na remodelação do habitat marinho. O pesquisador da UFVJM diz que “portos movimentados, como os do Rio de Janeiro, Santos e Paranaguá”, estão entre os ambientes mais propícios para a proliferação atípica desses animais.
À vista da intensa atividade ao redor dessas estruturas, as consequências da presença do mexilhão-verde asiático são cada vez maiores. Os dois autores citam a possível redução de populações de ostra e mexilhão nativos, alterações no ecossistema bentônico (em áreas no fundo do oceano) e estímulos ao desequilíbrio ecológico.
A possível disseminação de patógenos e parasitas ligados ao mexilhão-verde também impõe riscos à saúde humana, com eventuais efeitos em cadeia que podem comprometer a atividade econômica de comunidades costeiras que dependem da pesca e da maricultura.
Marques lembra que problemas similares já ocorreram em território brasileiro, o que reforça a necessidade do estímulo a novas pesquisas. “Tivemos, por exemplo, o mexilhão-dourado [Limnoperna fortunei], que invadiu águas doces e trouxe prejuízos enormes ao entupir dutos de captação de água e turbinas de hidrelétricas.”
“O mexilhão-verde pode representar riscos semelhantes nos ambientes marinhos”, disse.

Especialistas defendem conversão de pesquisa em ações práticas
Para Rubens Lopes, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), o estudo dá um “passo importante” no entendimento científico sobre a invasão ambiental na costa brasileira. Ele destaca a relevância do levantamento e reitera o potencial nocivo da espécie em termos ecológicos e econômicos.
“Trata-se de um trabalho extremamente necessário, que mostra a expansão e o estabelecimento da espécie em diferentes ecossistemas”, disse. “Inclusive, já observei o mexilhão-verde em Ubatuba [município no Litoral Norte de São Paulo], em uma localidade não reportada pelo estudo. Isso só reforça a hipótese de que a dispersão segue em andamento.”
Lopes aborda outro aspecto que julga ser preocupante: o uso inadvertido do mexilhão-verde na gastronomia. “A espécie vem sendo cultivada e utilizada em restaurantes de Ubatuba para atender ao turismo. Isso mostra que muitas comunidades costeiras sequer sabem que se trata de uma espécie exótica invasora.”
Para os pesquisadores, o risco sanitário se soma à proliferação do mexilhão-verde em unidades de conservação, incluindo locais de proteção integral, como o Parque Estadual da Ilha do Cardoso e a Reserva Extrativista do Mandira, ambos em São Paulo.
Os especialistas dizem que esses ambientes são considerados frágeis, ao passo que desempenham papéis estratégicos na preservação da biodiversidade marinha, abrigando espécies ameaçadas de extinção e importantes recursos para a pesca. A invasão de um organismo exótico, dizem, pode comprometer “décadas de esforços” de conservacionistas.
O desafio, agora, é converter as novas conclusões da ciência em ações práticas. Entre as medidas recomendadas, autores do estudo mencionam o monitoramento contínuo da espécie ao longo da costa, o incentivo à educação ambiental em comunidades pesqueiras e maior rigor na regulamentação do transporte marítimo — especialmente do manejo da água de lastro.
Não menos importante é o controle da poluição plástica, algo que pode restringir a rápida disseminação do molusco asiático, mitigando seus potenciais danos ecológicos.
“A constatação de que o lixo plástico pode atuar como vetor de dispersão acrescenta uma dimensão crítica ao debate sobre poluição marinha”, disse Barbieri. Na opinião do acadêmico, os aspectos “dinâmicos e multicausais” do fenômeno também dão um contorno de urgência a futuras ações.
Lopes complementa o raciocínio, dizendo que espécies invasoras, uma vez estabelecidas, dificilmente podem ser erradicadas. “O estudo forma uma base a partir da qual pesquisas mais detalhadas precisam ser realizadas. No entanto, o mais importante [agora] é que gestores públicos, ONGs e a sociedade em geral estejam atentos e engajados em conter essa ameaça.”
Imagem do banner: Exemplares de mexilhão-verde (Perna viridis) fincados na areia da praia. Foto via Wikimedia Commons (CC BY-SA 4.0).