Júnior Hekurari Yanomami é um líder do povo Yanomami, em Roraima, onde fundou uma organização para ajudar seu povo depois de trabalhar como agente de saúde.
Em entrevista à Mongabay, o líder indígena pediu um boicote ao ouro brasileiro e disse esperar esforços para encontrar soluções de longo prazo para manter os garimpeiros fora do território Yanomami.
No início de março, Júnior liderou uma campanha de conscientização internacional sobre o ouro amazônico, premiando indicados ao Oscar com estatuetas de madeira.
Perguntado se tinha um recado para o mundo, Júnior Hekurari Yanomami foi enfático: “Não compre ouro brasileiro”. Júnior, 36 anos, morador da comunidade Surucucu, na Terra Indígena Yanomami, conversou com a Mongabay em um hotel perto da Avenida Paulista, em São Paulo.
Lar de cerca de 27 mil indígenas, a TI Yanomami está sofrendo uma grave crise humanitária, impulsionada pelo garimpo ilegal de ouro, facilitado e encorajado durante o governo do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.
Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu a presidência no início de janeiro para um terceiro mandato, elegeu como prioridades máximas a remoção de garimpeiros ilegais do território e a identificação e responsabilização dos investidores do garimpo.
O território Yanomami serve como um teste decisivo para a ousada agenda climática de Lula. Desde fevereiro, autoridades federais lideraram sucessivas operações de repressão, destruindo valiosos equipamentos de mineração e fazendo prisões.
Enquanto muitos garimpeiros ilegais abandonaram o local – muitas vezes para os países vizinhos Venezuela, Suriname e Guiana, ou outros estados brasileiros, como o Pará –, Júnior diz que muitos estão apenas ganhando tempo antes de invadir o território Yanomami novamente.
A Mongabay entrevistou Júnior na mesma semana em que uma investigação da Associated Press revelou o uso dos satélites Starlink, de Elon Musk, no território, o que provou ser uma benção para os garimpeiros ilegais.
A internet portátil de alta potência permite que as máfias da mineração mantenham contato, avisem sobre batidas policiais e enviem dinheiro remotamente, refletindo a natureza cada vez mais high-tech do atual boom da mineração ilegal no Brasil.
O território Yanomami tem o tamanho de Portugal e só é acessível, em termos práticos, por via aérea. Júnior culpou empresários altamente capitalizados no estado de Roraima por serem os líderes do esquema de mineração ilegal.
Ao deixar bem claro que não sente pena dos garimpeiros ilegais, muitas vezes pobres e sem instrução e “usados” pelos empresários, Júnior lembrou que “Terras Indígenas não são gabinetes de emprego” e admitiu que soluções sustentáveis de emprego a longo prazo ajudariam.
O jovem líder recentemente lançou uma campanha durante a entrega do Oscar, “O Custo do Ouro”, para aumentar a sensibilização sobre as origens muitas vezes obscuras do metal, bem como a situação atual dos Yanomami.
Diferente da tradicional estatueta folheada a ouro, 20 indicados à maior premiação do cinema receberam uma figura de madeira de Omama, uma divindade Yanomami.
Esta entrevista foi editada para fins de concisão e clareza.
Mongabay: Qual foi a ideia da campanha no Oscar?
Júnior Hekurari Yanomami: Na verdade, foi uma sugestão de algumas pessoas da minha equipe. Eu pensei que era uma ótima ideia. Sensibilizar os atores mais conhecidos do mundo. O Oscar tem ouro. Sabemos que toneladas de ouro saem da Amazônia ilegalmente para outros países e queremos mostrar ao mundo que esse ouro tem o sangue de famílias que sofreram. Por isso, abordamos grandes artistas e grandes atores para podermos ter esse diálogo e dizer a eles: “Você não precisa de ouro”. Para nós, para tirar esse ouro, sofremos muito. Vidas perdidas, mães sofreram.
Mongabay: Como você avalia os esforços do governo Lula para livrar a terra Yanomami dos garimpeiros ilegais até agora?
Júnior Hekurari Yanomami: Tem um simbolismo muito forte. Estamos otimistas. O governo Lula decretou o acompanhamento e proteção da terra Yanomami. Já a Polícia Federal e o Ibama realizaram grandes operações e retirou muitos garimpeiros ilegais da Terra Indígena Yanomami. Agora cabe a nós reorganizar as comunidades. Para nós garantir liberdade, eventos culturais nas comunidades e garantir o futuro das crianças.
Mongabay: A última eleição foi muito apertada. Você tem medo que uma mudança de governo em 2026 – ou talvez o aumento da instabilidade política – possa acelerar a destruição de novo?
Júnior Hekurari Yanomami: Temos medo porque já pedimos essa proteção territorial [durante o governo Bolsonaro]. A política muda muito. Quem vai ser presidente em 2026? Pode ser que as pessoas queiram um diferente. A eleição pode mudar tudo, e aí ficamos desprotegidos de novo. Bolsonaro nos deixou desprotegidos. Estamos preocupados que pode acontecer de novo: incentivo à entrada de garimpeiros, cortes nos órgãos de fiscalização, cortes nos recursos para a saúde indígena.
Mongabay: O que os Yanomami podem fazer para curar a terra?
Júnior Hekurari Yanomami: A destruição é enorme; levará 20 ou 30 anos para voltar. Precisamos de políticas públicas, o governo tem que fazer um projeto para tirar o mercúrio dos rios. Até a nascente dos rios foi destruída.
Mongabay: O que há de diferente na invasão de hoje em comparação com a invasão na década de 1980?
Júnior Hekurari Yanomami: As máquinas e a tecnologia que eles usam hoje são muito mais potentes. Os peixes estavam se recuperando bem [da última invasão], mas hoje depois da nova invasão não tem mais.
Mongabay: O que você acha do fato de que as autoridades tenham apreendido equipamentos da Starlink na posse de garimpeiros ilegais nas terras Yanomami?
Júnior Hekurari Yanomami: O próprio governo não tem essa tecnologia, mas os garimpeiros tem. Ai a gente pergunta, como pode ser isso?
Mongabay: Os garimpeiros ilegais estão realmente saindo ou apenas se indo mais profundo no território?
Júnior Hekurari Yanomami: A gente tem informação que eles estão saindo, mas vão invadir de novo. Eles sabem que essas operações não serão permanentes. Então, estamos reivindicando um posto permanente da Funai e do Ibama nas comunidades. Outros foram para a Venezuela — dá até para ver helicópteros trazendo garimpeiros de lá — enquanto outros foram para outros estados como o Pará para invadir terras indígenas de lá.
Mongabay: Quem financia o garimpo ilegal na terra Yanomami?
Júnior Hekurari Yanomami: São 80 a 120 voos diários para a terra Yanomami levando as pessoas para buscar ouro, para deixar comida, combustível e insumos para os garimpeiros, para eles destruírem ainda mais a floresta. Não é uma pessoa pobre que está fazendo isso. Os empresários prometem dinheiro a eles [garimpeiros ilegais], que eles vão ficar ricos. Mas são os empresários com helicópteros e aviões que estão ficando ricos.
Mongabay: Os preços do ouro estão altos por causa da instabilidade global causada pela guerra na Ucrânia, o que significa que as máfias mineradoras tentarão a sorte em terras indígenas. O que precisa ser feito a médio e longo prazo para evitar outra tragédia?
Júnior Hekurari Yanomami: Terras Indígenas não são gabinetes de empregos. O governo tem que criar outras alternativas de emprego para essas pessoas que estão invadindo.
Mongabay: Você tem um recado para o mundo, para o público que está lendo essa entrevista?
Júnior Hekurari Yanomami: Apoie o povo Yanomami e não compre ouro do Brasil.
Imagem do banner: A estatueta de Omama, diferente do Oscar banhado a ouro, foi esculpida em madeira. “O Oscar tem ouro. Sabemos que toneladas de ouro saem ilegalmente da Amazônia para outros países e queremos mostrar ao mundo que esse ouro tem o sangue de famílias que sofreram”, disse Júnior. Imagem cortesia de Gil Inoue/DM9/divulgação