A palma de óleo, ou dendezeiro, é cultivada em grandes monoculturas ao redor do mundo. As plantações são tipicamente associadas ao desmatamento, além da poluição da água devido ao uso de produtos químicos pesados.
Pesquisas, porém, sugerem que insumos químicos pesados não são imperativos para o cultivo rentável de óleo de palma. A Mongabay perguntou a um pesquisador sobre as descobertas feitas por seu grupo que desconstroem essa visão.
Utilizando um sistema agroflorestal ecologicamente correto, os pesquisadores demonstraram rendimentos maiores em 18 fazendas: foram 180 kg de cachos de frutas por planta, em comparação aos 139 kg por planta provenientes da monocultura.
Os agricultores, ao plantar o dendê em sistema agroflorestal, obtêm algumas vantagens: não só cultivam outros produtos para venda e consumo como também se protegem das variações de preço do óleo de palma.
Uma investigação recente realizada pela Mongabay revelou que plantações de palma na Amazônia estão ligadas ao desmatamento e ao uso irrestrito de herbicidas e pesticidas químicos. Nossa repórter documentou o caso de uma comunidade indígena do município de Tomé-Açu, no norte do Pará, cuja saúde declinou com a chegada de uma grande lavoura de óleo de palma, instalada muito próxima das aldeias sem considerar o espaço necessário para a zona de amortecimento.
Mas será realmente necessário utilizar produtos químicos para o cultivo rentável de palmeiras para a produção de óleo? A Mongabay contatou Andrew Miccolis, coordenador nacional da World Agroforestry (também conhecida como Icraf) para descobrir. Miccolis faz parte de um grupo que estuda a incorporação da palma de óleo, ou dendezeiro (Elaeis guineensis), em sistemas agroflorestais, onde culturas perenes de madeira e lavouras anuais são cultivadas em conjunto para que diversas espécies se beneficiem mutuamente. Dessa maneira, os sistemas também fornecem habitat para a vida selvagem, reconstroem solos e lençóis freáticos, e ainda sequestram carbono.
Um projeto de pesquisa conjunta foi iniciado em 2008 com perguntas como essa em mente, quando, segundo Miccolis, a empresa de cosméticos Natura uniu-se à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e à Cooperativa Agrícola Mista Tomé-Açu (Camta) para testar a viabilidade do cultivo agroecológico do dendezeiro em três localidades. O projeto foi chamado de Sistema Agroflorestal Dendê (SAF Dendê).
Em 2017, a World Agroforestry juntou-se a esses parceiros para formar uma aliança apoiada pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) com o objetivo de adaptar tais sistemas às necessidades dos agricultores familiares e contestar a crença de que as palmeiras não podem ser cultivadas com outras espécies devido à competição por luz e nutrientes.
Miccolis disse à Mongabay que a pesquisa do SAF Dendê nas fazendas participantes (algumas das quais estão a apenas 6 quilômetros da operação de cultivo convencional de palma investigada pela Mongabay) mostra que os sistemas agroflorestais podem produzir altos rendimentos de dendê e outros alimentos, ao mesmo tempo em que geram lucros e serviços ambientais, incluindo a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
Nesta entrevista concedida à Mongabay, Miccolis fala sobre essas descobertas e sua aplicabilidade em outras partes do mundo onde o óleo de palma é produzido.
Mongabay: De que forma a palma é encontrada em sistemas agroflorestais na área de Tomé-Açu?
Andrew Miccolis: A agrofloresta para o cultivo de palma ainda é uma ideia nova na região e em todo o mundo, já que a prática predominante tem sido a monocultura. Como o cultivo da palma se expandiu no Brasil, alguns agricultores experimentaram o seu plantio junto ao de cacau e pimenta-do-reino, mas muitos desistiram da policultura, uma vez que a maioria das empresas de palma proibiu expressamente a prática. Elas alegavam que isso afastava os insumos (fertilizantes e mão de obra) de seu foco principal: o alto rendimento da palma. Assim, os agricultores foram desencorajados a diversificar suas plantações. Aqueles que insistiam no cultivo intercalar tiveram que fazê-lo informalmente, sem o apoio ou aprovação das empresas.
Atualmente, os parceiros da aliança na iniciativa SAF Dendê estão auxiliando 18 locais de demonstração de agrofloresta de palma em aproximadamente 60 hectares de terra – três dos quais, agora com 13 anos de idade, foram os pioneiros do projeto conjunto de Natura, Embrapa e Camta – e mais 15 lugares focados em agricultores familiares apoiados pelo Icraf. Nos sistemas que co-desenhamos, há 35 espécies cultivadas junto à palma, incluindo culturas rentáveis como açaí, cupuaçu, taperebá, cajá e maracujá; madeiras nativas, incluindo ipê e andiroba, e exóticas, como mogno; além de espécies fertilizantes, incluindo ingá, gliricídia e o margaridão, ou girassol-mexicano.
Os locais de demonstração foram co-criados com agricultores familiares através de métodos de pesquisa de ação participativa, com o objetivo de desenvolver opções agroflorestais adaptadas ao contexto sócio-ambiental específico. O processo leva em conta as aspirações dos agricultores, assim como as restrições e o acesso a recursos.
Mongabay: Esses sistemas agroflorestais também compreendem a biodiversidade?
Andrew Miccolis: Sim, muito. Pesquisadores e trabalhadores do campo avistaram uma grande variedade de fauna nativa nas agroflorestas de palma, incluindo veados, macacos, preguiças, porcos-espinho, antas e muitos tipos de pássaros, répteis e insetos, o que indica sistemas ecologicamente equilibrados. As amostras de solo apresentaram propriedades muito ricas e grande potencial de sequestro de carbono, semelhante às florestas secundárias – bem acima dos sistemas convencionais de monocultura.
Mongabay: Os dendezeiros precisam de herbicidas e inseticidas para produzir uma cultura rentável?
Andrew Miccolis: Não. Existem exemplos de dendezeiros cultivados organicamente em grande escala (mesmo em monoculturas) usando manejo integrado de pragas e ervas daninhas que não requerem pesticidas. O plantio em agroflorestas biodiversas e sucessionais, se bem manejadas, também podem reduzir ou eliminar substancialmente a necessidade de pesticidas, porque os sistemas se tornam mais equilibrados e saudáveis ecologicamente e, portanto, mais resilientes. Os locais de demonstração do projeto SAF Dendê, que são predominantemente orgânicos e manejados agroecologicamente, estão produzindo altos rendimentos.
Com um número menor de plantas de palma por hectare do que as formas convencionais de cultivo, o projeto SAF Dendê alcançou maiores rendimentos em comparação aos sistemas de monocultura: 180 kg de cachos de frutas por planta, em comparação com 139 kg em monoculturas de palma. Com base na medição direta dos frutos, o rendimento de óleo de palma neste sistema baseado em manejo agroecológico, sem agrotóxicos, também foi substancialmente maior do que nas monoculturas.
Enquanto a produção agroecológica/orgânica pode ter custos de produção mais altos, nos sistemas agroflorestais estes podem ser compensados por um maior preço de mercado e menores riscos de doenças, somados a potenciais incentivos por serviço ecossistêmicos, ou ainda ao pagamento por serviços ambientais (PSA), como compensações de carbono. Se forem considerados os custos ambientais e de saúde humana causados pelos sistemas de monoculturas convencionais, aí é uma equação totalmente diferente.
Em última análise, porém, produzir agroecologicamente requer não apenas a substituição de insumos, mas também a adoção de princípios agroecológicos e práticas de manejo, tais como o cultivo intercalar com outras árvores e o ciclo de nutrientes utilizando “espécies fertilizantes”, plantas que são altamente eficientes na produção de biomassa que alimentarão os sistemas ao longo do tempo e melhorarão o solo através de técnicas de corte e cobertura vegetal (em vez de corte e queima). Embora intensivas em termos de mão-de-obra, essas técnicas e espécies-chave podem restaurar a saúde do solo rapidamente, melhorando assim o rendimento, os serviços do ecossistema e a saúde dos sistemas como um todo.
Esta é uma das questões sendo investigadas nesta pesquisa: a modelagem da viabilidade financeira de diferentes sistemas, desde os mais simples até os mais biodiversos, com e sem agroquímicos, a fim de avaliar as vantagens e desvantagens de cada um deles.
Mongabay: Os agricultores da região estão interessados em cultivar a palma de óleo em sistemas agroflorestais?
Andrew Miccolis: Em geral, há um grande interesse por agroflorestas nesta região, mas não em monoculturas convencionais de palma por meio de acordos com empresas. Os agricultores sentem que é muito arriscado dedicar um tanto de suas terras e mão de obra a uma única commodity sujeita a flutuações de mercado e riscos relacionados a doenças. Essas empresas exigem que os agricultores concordem com a cessão de um mínimo de 6 a 10 hectares de terra, pouco ou nenhum cultivo intercalar, uso de insumos químicos e o pagamento dos altos custos iniciais que devem ser quitados à medida que as palmeiras começam a produzir.
Uma crença bastante difundida é que o cultivo de palma de óleo não pode ser intercalar por causa de suas copas e sistemas radiculares dominantes, bem como pela demanda de luz. Porém, os resultados obtidos pelos pesquisadores mostram que tecnicamente não há impedimento para a prática.
Sentimos que mais agricultores estariam interessados no cultivo intercalar de dendê se pudessem integrar uma ou mais culturas que tragam boa rentabilidade e que proporcionem alternativas nos primeiros cinco anos (enquanto a palma amadurece até o pico de produção, ou se seus rendimentos ficarem aquém de suas expectativas). Isso inclui as principais culturas de subsistência e aquelas para fins comerciais. Alguns desses plantios, como a mandioca e o milho, podem não ter necessariamente um alto valor de mercado, mas são extremamente importantes para a segurança alimentar dos agricultores familiares. Em muitas comunidades, são parte integrante de sua cultura.
O estudo de escala que estamos realizando como parte desta iniciativa mostra que as principais restrições para uma adoção mais ampla de agroflorestas de palma estão relacionadas à falta de acesso ao conhecimento, incluindo treinamento e assistência técnica, particularmente em sistemas agroflorestais e agroecológicos. Além disso, os agricultores possuem baixo acesso ao crédito e pouca disponibilidade de mão de obra local para o gerenciamento de sistemas grandes, relativamente complexos e trabalhosos.
Embora seja importante ressaltar que alguns agricultores podem viver muito bem do dendê por si só, outros não cumprem os requisitos mínimos das empresas (ter disponibilidade de terras e pertencer a uma associação, entre outros). Ademais, o pacote tecnológico/modelo de negócio praticado pelas empresas de palma contrasta com o uso da terra diversificado e com as estratégias de subsistência – onde a agrofloresta desempenha um papel central.
As maiores restrições para produzir sem pesticidas não são técnicas ou agronômicas, é principalmente uma questão de substituir os insumos. O ponto é proporcionar aos agricultores acesso ao conhecimento sobre o uso de insumos orgânicos, fortalecendo a cadeia de fornecimento de tais insumos, além de adotar técnicas agroecológicas como a compostagem para produzir fertilizantes orgânicos na própria fazenda a partir da biomassa disponível, transformando, assim, um problema em uma solução.
Mongabay: Como empresas como a Biopalma, que está no centro da investigação da Mongabay em Tomé-Açu, podem melhorar suas operações para responder às preocupações ambientais e de saúde levantadas?
Andrew Miccolis: As empresas de palma, em geral (nesta e em outras regiões), podem encarar muitas dessas preocupações adotando técnicas e princípios de manejo agroecológico em seus sistemas, incluindo a diversidade de espécies através do cultivo intercalar, a introdução de árvores nas plantações, o manejo integrado de pragas, a poda intensiva e a cobertura vegetal para acelerar o ciclo de nutrientes, entre outros.
Mongabay: Qual é o potencial para a agrossilvicultura de palma no Brasil e no mundo?
Andrew Miccolis: Acreditamos que existe um grande potencial, uma vez que ela oferece alternativas para melhorar os serviços do ecossistema, ao mesmo tempo em que reduz o risco do agricultor, reforça a cultura de subsistência e combate os efeitos da mudança climática. Da mesma forma, o crescente interesse entre os grupos da indústria e as demandas de grupos de consumidores e de defensores de práticas sustentáveis provavelmente estimulará mais inovações na agrossilvicultura de palma.
Estamos apoiando o governo do Pará na melhoria de um meio ambiente favorável através do Plano Estadual Amazônia Agora e do Programa Territórios Sustentáveis para iniciativas de desenvolvimento com baixa emissão de carbono e fazendo parcerias para atrair investimentos de impacto (sustentáveis). Outro desafio para o ganho de escala é a fraca cadeia de fornecimento de germoplasma (materiais de plantio incluindo mudas, sementes, estacas), particularmente para espécies agroflorestais e árvores frutíferas e madeireiras nativas, que são fundamentais para garantir sistemas mais biodiversos.
Mongabay: O que mais você gostaria de dizer sobre sua pesquisa?
Andrew Miccolis: As práticas regenerativas adotadas nos sistemas agroflorestais estabelecidas em 2008 resultaram em maior fertilidade e estoques de carbono no solo, consideravelmente superiores aos sistemas de monocultura, aumentando assim seu potencial para mitigar a mudança climática. O manejo agroecológico também favoreceu uma maior diversidade de microrganismos, variando de 92% a 238% na agrofloresta de palma em comparação com a monocultura.
Imagem do banner: Uma das terras agroflorestais de demonstração mostra muitas espécies e níveis de cultivo crescendo juntos entre as palmeiras, incluindo cacau, açaí e andiroba. Foto: Henrique Marques.