O Brasil possui vastas extensões de terras públicas, especialmente na Amazônia, que existem no domínio público. Povos tradicionais, movimentos sem-terra, quilombolas (comunidades estabelecidas há mais de um século por descendentes de escravos afro-brasileiros), e outros têm o direito legal de reivindicar essas terras.
É o trabalho das agências estatais de posse de terras manter o controle dessas terras públicas, regulando a alocação de terras e direitos de propriedade para garantir a proteção de indivíduos e comunidades contra despejos forçados, e monitorar contra o desmatamento ilegal, grandes disputas ilegais de terras e outras atividades ilícitas.
No entanto, um estudo recente constatou que nenhum dos oito estados amazônicos atendeu a todos os critérios obrigatórios de transparência. Indicadores ativos de transparência (dados acessíveis na Internet ou via documentos públicos) estavam faltando em 56% dos casos. Os indicadores de transparência passiva (dados disponíveis a pedido) também tiveram resultados ruins.
A ineficiência das agências de posse de terras no fornecimento de informação de titulação de terras contribui para inúmeros conflitos por terra e aumenta a insegurança no campo. A falta de transparência também reforça a possibilidade de fraude. Quando os pobres são privados de dados legítimos do título da terra, frequentemente os ricos têm uma vantagem se as disputas de terra vão à justiça.
O estado do Pará inclui uma vasta área de terras públicas não classificadas de cerca de 450.000 quilômetros quadrados como parques nacionais ou reservas indígenas, mas que são mantidas em domínio público. Possíveis ocupantes legais desta propriedade governamental (incluindo povos tradicionais, camponeses sem terra, ou outros), que desejam construir sobre essas terras, ou querem tirar empréstimos relacionados com a terra, ou simplesmente precisam garantir que podem continuar a viver onde estão, precisam do reconhecimento oficial de sua da posse da terra.
O reconhecimento dos títulos nessas terras públicas é determinado por meio de registros mantidos por agências estaduais de posse de terras; informações que devem, por lei, ser exatas e disponibilizadas legalmente a todos os membros do público, a fim de evitar disputas de terra.
No entanto, um novo estudo destaca uma séria falta de transparência das agências estaduais de posse de terras e encontrou grandes falhas em sua provisão de acesso a dados relacionados a reivindicações em terras de domínio público. Dos oito estados amazônicos estudados (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima e Tocantins), nenhum atendeu a todos os critérios obrigatórios de transparência.
“Há uma lacuna que contradiz [a lei] e impede a criação de políticas públicas efetivas na gestão territorial”, disse Brenda Brito, coautora do estudo e pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “Consequentemente, o controle e o monitoramento por parte da sociedade e órgãos governamentais, como o Ministério Público e os tribunais de justiça, estão comprometidos.”
É muito importante que as agências de posse de terras sejam capazes de fornecer informações claras, precisas e acessíveis ao público para assegurar uma gestão eficiente e justa das terras públicas. Essas instituições regulam a alocação de terras e direitos de propriedade, a fim de garantir a proteção de indivíduos e comunidades contra despejos forçados, bem como o monitoramento contra atividades como desmatamento ilegal e grandes agarramentos ilegais de terras.
A Lei de Acesso à Informação Pública (LAI) de 2011 determina que as informações produzidas, geridas e armazenadas pelos estados relativas à todas as terras públicas devem ser prontamente acessíveis ao público. Mas o estudo de 118 páginas do Imazon declara que esta não é a realidade.
Os pesquisadores buscaram testar tanto a transparência “ativa” quanto a “passiva” no que diz respeito ao acesso de informações como localização de terras públicas, listas e mapas de aplicações imobiliárias e títulos de terras já emitidos. A transparência ativa refere-se aos dados disponibilizados na Internet ou através de documentos públicos pelas agências estatais de posse de terras. Os indicadores ativos de transparência não estavam presentes nos registros em cerca de 56% dos casos, segundo o estudo. O estado de Tocantins teve o pior desempenho nesse indicador (79%), enquanto o Pará obteve o maior (29%).
Transparência passiva significa que as informações estão disponíveis mediante solicitação às agências, que tem o prazo de 20 dias para responder. Para avaliar a transparência passiva, os pesquisadores enviaram mensagens através da plataforma Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) e cartas físicas através dos correios. No caso da plataforma e-SIC, as agências de cinco estados, com exceção do Acre, Roraima e Mato Grosso, responderam no prazo de 20 dias. No caso das cartas enviadas, a maioria das agências não respondeu.
“Pessoas que vivem no campo e querem regularizar [obter o título legal de] sua terra precisam de saber se a propriedade em questão cabe dentro das opções legais de posse/titulação; se outra pessoa está atualmente solicitando ou obteve o título equitativo da área; ou se há conflitos [legais] envolvendo a terra”, disse Brito. “Hoje, com pouca informação disponível, [a titulação da terra] é impossível, o que somente aumenta a insegurança no campo.”
Um dos requisitos para garantir a posse da terra é que as pessoas estejam vivendo na propriedade em questão. No entanto, disputas podem surgir e fraude pode ocorrer quando, por exemplo, ricos agarradores de terras empregam pessoas pobres locais que falsamente afirmam que estão ocupando a terra, quando na verdade estão apenas temporariamente ocupando o solo enquanto o desmatam.
Muitas vezes, outros moradores locais são mais adequados para verificar e legitimar as reivindicações de possíveis proprietários. É por isso que as agências de posse de terras “permitem que os moradores ajudem a monitorar se os requisitos legais para titulação foram atendidos”, disse Brito. Isso “permite, por exemplo, denúncias de pessoas que só querem apropriar terras públicas, mas não vivem lá e muitas vezes usam o desmatamento ilegal como o único sinal de ocupação.”
A maioria das ocupações públicas no norte do Brasil é impulsionada pela pecuária, o maior contribuinte para o desmatamento ilegal no país. Na Amazônia, mais de 60 por cento das terras desmatadas são utilizadas para pastagem. A transparência inadequada da agência de posse de terras estatais em relação à posse tem ajudado a facilitar a prosperidade dessa ocupação ilegal de terras, bem como atividades ilícitas como desmatamento. Isso também resultou na expulsão de requerentes legítimos de suas terras.
Além do impacto ambiental, esta insegurança territorial rural tem outras implicações terríveis. De acordo com os registros mantidos pela Comissão Pastoral da Terra, um ramo da Igreja Católica do Brasil, em média, há um assassinato relacionado a conflitos de terra assassinato relacionado a conflitos de terra.
“Há um entendimento equivocado por parte das agências de terra de que quem ocupa a terra pública tem direito à posse e ao sigilo”, disse Dário Cardoso Jr., advogado e coautor do estudo. “A falta de transparência, além de provocar conflitos, pode gerar suspeitas de favorecimento indevido de grupos e indivíduos.”
“A transparência na informação envolvendo bens e recursos públicos é a melhor defesa contra a fraude”, ele acrescentou.
Algumas questões que impedem a transparência incluem sites desatualizados de agências e a falta de mapas de assentamento, incluindo mapas de territórios ocupados por quilombolas, descendentes de escravos afro-brasileiros fugitivos cujos direitos de terra legal foram reconhecidos em 2003. Também há outros problemas de transparência: em um caso no Pará, um edifício onde os documentos de terra estavam armazenados foi fechado devido a preocupações de segurança estrutural. Mais seriamente, no Mato Grosso, o estado decretou que o banco de dados de terra ficaria inacessível por um período indefinido, apesar do mandato de transparência federal.
Apesar dessas grandes limitações, os pesquisadores afirmam que há esforços e iniciativas em andamento para aumentar a transparência. Eles apelaram ao novo governo, que assumiu o cargo no início deste ano, para tornar o acesso à informação da terra, especialmente informações sobre o processo de titulação, uma prioridade.
“Os novos governadores [estaduais]… devem incluir entre seus desafios a transparência nas terras públicas”, disse Brito. “Este é um grande bem da população, ameaçado por práticas ilegais, desmatamento ilegal e conflitos de terra.”
Imagem do banner de reservas florestais legais, pastagens e fazendas de soja na Amazônia brasileira por Rhett A. Butler/Mongabay.
Citação:
Cardoso Jr., D., Oliveira, R., Brito, B. 2018. Transparência de órgãos fundiários na Amazônia Legal (p. 116). Belém: Imazon.
Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/03/brazil-fails-to-give-adequate-public-access-to-amazon-land-title-data-study-finds/