Os custos ambientais e sociais de megabarragens hidroelétricas vêm sendo subestimados e continuarão a crescer junto com a escalada das mudanças climáticas, de acordo com um novo estudo. As barragens estão relacionadas à degradação de habitats, danos à biodiversidade, à migração de espécies aquáticas, e às mudanças negativas na ecologia dos rios.
Mais problemas: as barragens não duram para cumprirem sua promessa. Os custos são geralmente subestimados, e uma vez construídas, as grandes barragens dificilmente geram o montante de energia prometido. Os sedimentos dos rios são negligenciados nas plantas de construção, e os empreiteiros raramente levam as mudanças climáticas, e sua crescente seca, em consideração.
Apesar de provas dos impactos nocivos e de resultados abaixo do esperado, muitas outras megabarragens estão planejadas para países em desenvolvimento na Ásia, África e América do Sul. Mas quando as avaliações de impactos ambientais e sociais causados pelas megabarragens são feitas, elas geralmente subestimam os danos, e suas conclusões costumam ser ignoradas.
A adaptação de uma antiga tecnologia – o moinho d’água – pode ser uma boa fonte de fornecimento de energia para comunidades locais. A empresa Instream Energy Generation (IEG) utiliza grupos de pequenas turbinas, permitindo que peixes e sedimentos passem livremente enquanto se gera energia. Energia eólica e solar são alternativas às megabarragens.
As megabarragens hidroelétricas não compensam os custos ambientais e sociais, e seus benefícios continuarão a diminuir com o aumento das mudanças climáticas, afirmam analistas.
A energia hidroelétrica representa cerca de 70% de todo fornecimento mundial de energia renovável, mas mesmo assim as barragens tem sido alvo de críticas pelos seus rendimentos abaixo do esperado, curto ciclo de vida, e impactos negativos nas comunidades e ecossistemas locais. Depois de se multiplicarem na América do Norte e Europa na metade do século XX, as hidroelétricas perderam popularidade nos anos 1970 e hoje há mais barragens sendo fechadas do que construídas.
Mas o desenvolvimento hidroelétrico não parou, apenas mudou de lugar – milhares de barragens foram construídas em países em desenvolvimento desde os anos 1970, com muitas mais em fase de planejamento.
Com sua publicação na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, Emilio Moran e seus colegas da Universidade do Estado de Michigan, nos Estados Unidos, descobriram que os verdadeiros custos ambientais e sociais das barreiras hidroelétricas têm sido subestimados.
“Se incluíssemos todos os custos, de verdade, eu duvido que os projetos de energia hidroelétrica fossem tão atrativos”, afirma Emilio, o que nos levaria a favorecer fontes de energia alternativa.
As barragens são associadas à degradação dos habitats das áreas ao redor de seus reservatórios e nas recém-criadas ilhas, aos danos à biodiversidade e à migração de espécies aquáticas, , além das mudanças negativas – especialmente a diminuição da interligação – na ecologia dos rios.
“As barragens capturam sedimentos e são barreiras para o movimento de subida e descida dos organismos aquáticos”, explica Kirk Winemiller, ecologista aquático na Universidade Texas A&M, que não estava envolvido na pesquisa. Esforços para mitigar esse dano, como as escadas de peixe, se provaram ineficazes, pois permitem que apenas 3% dos peixes atravessem a barragem.
Outro problema: as megabarragens raramente cumprem a propaganda feita por seus construtores. Não apenas os custos de grandes projetos de hidroelétricas são geralmente subestimados, como também, uma vez construídas, as barragens raramente geram o grande montante de energia prometido.
Por exemplo, estimativas de sedimentos de rio são geralmente menosprezadas no planejamento, o que leva a projeções muito otimistas quanto à vida útil da barragem e da capacidade da hidroelétrica. Além disso, os construtores raramente consideram as mudanças climáticas, com sua crescente seca, ao estimar a capacidade de gerar energia elétrica. Esses erros, intencionais ou não, são prejudiciais aos países, comunidades, indústrias e investidores que contam com a geração de energia.
Os autores do relatório argumentam que essa situação vai piorar, uma vez que o aumento das mudanças climáticas diminui as chuvas e os reservatórios encolhem. As barragens hidroelétricas contam com a energia acumulada da água que é retida nos reservatórios – e se eles diminuem e secam, o mesmo acontece com o fornecimento de eletricidade. Por exemplo, o lago Mead, reservatório da barragem Hoover, no rio Colorado, já experimentou uma diminuição de 40% em seu nível de água, reduzindo o seu fornecimento máximo de energia em cerca de meio gigawatt. As barragens também agravam as mudanças climáticas ao lançar metano de vegetação em decomposição em florestas inundadas – um problema que é especialmente agressivo nas áreas tropicais, onde muitas megabarragens foram construídas recentemente e continuam a ser construídas.
O artigo “resume muito bem os relativos custos e benefícios das barragens hidroelétricas, especialmente quanto aos custos ambientais, ecológicos e sociais que não são geralmente considerados quando grandes projetos são aprovados”, afirma Kirk.
A matança dos peixes, a perturbação em suas migrações e o escoamento de sedimentos apresentam sérias implicações para os pescadores profissionais e amadores e aos fazendeiros a jusante, mas não há indenizações para essas comunidades locais.
“A indenização monetária é insuficiente em muitos casos de construção das barragens, especialmente para populações a jusante”, afirma Moran. O mesmo ocorre quanto aos impactos correnteza acima, já que as crescentes inundações causadas pelas mudanças climáticas acontecem sem indenizações para as comunidades afetadas”.
Enquanto os moradores perto das barragens sofrem com os danos, aqueles a quem a energia foi prometida nunca a recebem. O projeto da megabarragem Grand Inga, planejada para as Corredeiras Inga, no rio Congo, é um bom exemplo. Seus construtores afirmam que ela irá produzir 40 mil megawatts de eletricidade, mas os planos atuais são de exportar essa energia para as operações de mineração da África do Sul ao invés de distribuí-la para a população da República Democrática do Congo – onde 91% das pessoas ainda não têm acesso a eletricidade.
Emilio Moran propõe uma solução: governantes, construtores e operadores de barragens deveriam oferecer energia de graça às comunidades locais por vinte anos após a construção, bem como fornecer indenizações não monetárias, tais como capacitação profissional para novas carreiras (devido à mudança no estilo de vida), e ainda uma melhor qualidade da água, infraestrutura sanitária e melhor acesso à assistência médica.
“Atualmente há muitas pesquisas científicas e provas de décadas de experiência com barragens hidroelétricas que justificam o grande cuidado que deve existir ao se propor novas barragens em qualquer lugar do mundo”, declara Kirk. Ainda assim, mesmo quando as estimativas de impactos ambientais e sociais são consideradas como parte de novos projetos, elas continuam limitadas em alcance, seus danos são menosprezados, e seus resultados tendem a ser negligenciados.
“A sociedade precisa exigir que essas estimativas tenham fundamentos e que sejam capazes de reverter uma decisão de se construir a barragem quando essas preocupações não forem consideradas”, afirma Emilio.
Outro problema: mesmo que uma megabarragem, ou um conjunto de barragens – como os mais de 40 projetos apresentados para a bacia do rio Tapajós no Amazonas, Brasil – apresentem problemas ambientais e sociais considerados como intransponíveis, e mesmo quando esses planos parecem estar engavetados, os construtores simplesmente aguardam por um novo governo, favorável, para propor uma retomada.
O maior desafio, afirmam os analistas, será eliminar a corrupção nos processos de tomada de decisão. A corrupção política é “a principal causa de muitos projetos de megabarragens que são mal planejados e financeiramente desastrosos”, afirma Kirk, referindo-se à megabarragem brasileira de Belo Monte como exemplo clássico de uma construção que continua “apesar de décadas de oposição feita por cientistas, ambientalistas, e principalmente pelas comunidades locais”.
Emilio Moran destaca que novas megabarragens não precisam ser construídas, já que novas tecnologias oferecem a possibilidade de fornecimento de energia confiável para as comunidades locais. Como exemplo, a Instream Energy Generation (IEG), que faz uso de grupos de pequenas turbinas estrategicamente posicionadas em quedas d’água, onde a correnteza é mais forte, permitindo que peixes e sedimentos passem livremente, enquanto geram um fornecimento seguro de energia elétrica.
A tecnologia pode ser nova, mas o conceito não é – moinhos de grão funcionam com rodas d’água há séculos. As turbinas da Instream, uma revitalização no século XXI dessa antiga tecnologia, pode fornecer “energia acessível para comunidades pobres e isoladas, atualmente negligenciadas pelo setor de eletricidade”, afirma Emilio.
Kirk Winemiller concorda que a tecnologia da IEG possa ser usada “onde as correntezas são garantidas e a demanda é limitada e local”, mas alerta que esses métodos não podem produzir o montante de energia necessário para atender indústrias ou grandes áreas urbanas”. Para atender essas demandas de energia, uma variedade de fontes limpas de energia é a melhor opção”.
Isso significa investimento em fontes renováveis de energia, como eólica e solar, que não são suscetíveis à diminuição por causa das mudanças climáticas, aconselhar Emilio. “Em muitos casos, nós já temos energia hidroelétrica suficiente”. O que é fundamental agora é criar uma fonte diversa de energia que seja sólida, que não cause danos ao meio ambiente, e que abasteça o sistema global de energia no futuro.
Referências:
Moran, E. F., Lopez, M. C., Moore, N., Müller, N., & Hyndman, D. W. (2018). Sustainable hydropower in the 21st century. Proceedings of the National Academy of Sciences, 201809426.
Correction: An image of an Asian dam was identified as Brazil’s Santo Antonio dam in the original version of this article. The erroneous photo has since been replaced by the correct image.
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