Durante sua campanha, o candidato presidencial Jair Bolsonaro pregou por diversas vezes a fusão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Bolsonaro apoia intensamente o agronegócio, ao mesmo tempo em que vê o trabalho dos ambientalistas minando a economia brasileira.
No entanto, o presidente eleito foi recebido nos últimos dias por uma explosão de resistência contra a fusão por parte de ambientalistas, ONGs, cientistas, acadêmicos, do próprio Ministério do Meio Ambiente e de oito ex-ministros do Meio Ambiente.
Até mesmo o lobby do agronegócio da bancada ruralista revelou-se contra a proposta, chamando-a de impraticável, observando que os dois ministérios têm missões e agendas diferentes e incompatíveis que seriam comprometidas por uma fusão. Outros observam que um diálogo vigoroso entre os dois ministérios é politicamente saudável para a nação.
Bolsonaro, em resposta às críticas, disse que vai reconsiderar seu plano, tomando uma decisão final sobre a fusão após tomar posse em janeiro. Apesar de ter estado próximo dos ruralistas de extrema direita (principalmente dos pecuaristas) durante a campanha, Bolsonaro selecionou Tereza Cristina, uma ruralista um pouco menos radical, como nova ministra da Agricultura.
Ao longo de sua campanha, Jair Bolsonaro, agora o candidato presidencial vitorioso, prometeu abolir o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e incluir suas funções no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) — uma posição muito controversa.
Dois dias após vencer a disputa presidencial, o ex-capitão do exército anunciou a fusão dos dois ministérios como parte de um plano para reduzir pela metade os atuais 29 cargos no gabinete do Brasil.
Sua explicação, dada em uma entrevista em março, parecia ser baseada em sua acusação ao Ministério do Meio Ambiente por danos econômicos: “O MMA consegue causar danos ao que não deve ser feito”, declarou. Em comparação, Bolsonaro vê o agronegócio como primordial para o bem-estar do Brasil, como observado em um discurso em outubro: “Precisamos de um presidente que não atrapalhe o produtor rural. Não teremos mais conflitos nessa área”.
O raciocínio de Bolsonaro é apoiado por um grupo franco e extremista dentro da facção ruralista do agronegócio — principalmente pecuaristas — representado por Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR). Garcia foi uma figura frequente vista ao lado do candidato durante a campanha, bem como na primeira série de atos oficiais como presidente em Brasília na semana passada. Garcia criticou enfaticamente os limites impostos pela regulamentação ambiental brasileira ao desmatamento da Amazônia e também pelo Acordo de Paris.
Em conversas com outros ruralistas, Garcia afirmou, sem oferecer evidências, que “o mundo quer assumir a Amazônia brasileira”, ameaçando a soberania do Brasil. Ele também refere-se ao Acordo de Paris como papel higiênico e perguntou: “Que benefícios o Acordo de Paris traz para o Brasil e para nós brasileiros [proprietários de terra]? Nenhum!”.
Bolsonaro volta atrás
A oposição à fusão do ministério foi rápida, proveniente de ambientalistas, ONGs, cientistas, acadêmicos e do próprio Ministério do Meio Ambiente.
Oito ex-ministros do Meio Ambiente — Marina Silva, José Sarney Filho, Izabella Teixeira, Carlos Minc, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Rubens Ricupero e José Goldemberg — publicaram um artigo conjunto em defesa da manutenção do Ministério do Meio Ambiente, juntamente com a participação contínua do Brasil no Acordo de Paris. Bolsonaro propôs retirar-se do acordo durante sua campanha, posição da qual se distanciou um pouco.
Talvez surpreendentemente, outro grupo dentro da sociedade brasileira — principalmente representando soja, cana-de-açúcar, polpa de papel e outros produtores de cultivos, mas não pecuaristas — tenha surgido com toda força contra a fusão dos ministérios. Logo após a eleição do primeiro turno no início de outubro, 40 representantes da bancada ruralista do lobby do agronegócio no Congresso se reuniram com o então candidato, que estava aguardando o segundo turno, e pediram-lhe para não unir os ministérios.
Após essa reunião, Garcia, um grande defensor da fusão, disse à imprensa que Bolsonaro iria rever a questão.
Uma ideia nada viável
A razão pela qual muitos ruralistas hesitaram deve-se à inviabilidade e à inconsistência da proposta — o MMA e o MAPA têm diferentes diretrizes e responsabilidades, disseram, e muitas vezes assumem posições antagônicas.
Até mesmo Blairo Maggi, ministro da Agricultura sob o atual mandato do presidente Michel Temer e um dos maiores produtores de soja do Brasil, se opôs à mudança: “Como um ministro do MAPA pode comentar sobre um campo de petróleo ou exploração mineral? [que estão entre as atividades do MMA]. A fusão trará prejuízos para o agronegócio brasileiro devido às demandas feitas pelos países europeus [pelos agricultores do país] para desempenhar um papel na preservação ambiental”.
Tereza Cristina, presidente da bancada ruralista e deputada da Câmara reeleita pelo estado do Mato Grosso do Sul, também mostrou suas dúvidas: “Não vou dizer se sou a favor ou contra, mas levanta a preocupação de trazer um ministério desse tamanho e complexidade para a agricultura”. Desde então, Bolsonaro escolheu Cristina para administrar o Ministério da Agricultura, substituindo Maggi. As opiniões de Cristina a favor do agronegócio e contra a regulamentação ambiental — especialmente a favor do afrouxamento das regras de pesticidas — são vistas como conservadoras pelos analistas, mas menos radicais do que as expressas por Garcia.
O Ministério do Meio Ambiente publicou uma nota em seu site oficial explicando os problemas com a fusão proposta: “Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm suas próprias agendas, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências. Um exemplo é que dos 2.782 processos de licenciamento que estão sendo realizados atualmente pelo IBAMA, apenas 29 estão relacionados à agricultura… minando a autoridade representada pelo Ministério do Meio Ambiente, em um momento em que a preocupação com a crise climática se intensifica, isso seria arriscado. O mundo, mais do que nunca, espera que o Brasil mantenha sua liderança ambiental”.
Contatado pela Mongabay, o Ministério do Meio Ambiente se recusou a falar sobre a fusão.
Idas e vindas
Apesar das objeções levantadas, Bolsonaro anunciou que juntaria os dois ministérios menos de dois dias após sua vitória. Mas apenas dois dias depois, voltou atrás de sua decisão, embora de forma ambígua. Na primeira conferência de imprensa como presidente eleito, declarou: “Tenho dois meses para decidir, mas parece que [os ministérios] serão separados… Mas será Jair Bolsonaro que escolherá o ministro do Meio Ambiente. E [esse nomeado] não será [indicado] por pressão de ONGs ou por um radical em defesa do meio ambiente”.
Defendendo seu raciocínio para a fusão, ele disse: “Sempre houve um conflito entre o Ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente, e tive que pacificá-lo. Em alguns países eles são apenas um ministério”.
Outros contestam a alegação de Bolsonaro. De acordo com dados coletados pelo Observatório do Clima (OC), uma rede de organizações da sociedade civil que divulga dados sobre as mudanças climáticas, “nenhum grande produtor ou país de commodities” alguma vez defendeu esse tipo de “junção ou anexação” do ministério. Nos Estados Unidos, Índia, China, Canadá, México, Argentina e Espanha [e em outros lugares], os departamentos ou ministérios estão separados”.
Contatada pela Mongabay por e-mail e por telefone, a sede do Partido Social Liberal (PSL), a que pertence Bolsonaro, não respondeu às perguntas para esta história.
Ruim para os negócios e para o país
A crítica sobre a fusão continuou inabalável. A potencial combinação dos ministérios “trará sérios prejuízos ao Brasil e repassará aos consumidores do exterior a ideia de que todo o agronegócio brasileiro sobrevive graças à destruição das florestas, atraindo a fúria das barreiras não tarifárias para a desvantagem de todos”, afirmou a ex-ministra do Meio Ambiente e candidata presidencial de 2018, Marina Silva, no Twitter.
Alessandro Molon, deputado federal do Rio de Janeiro, disse à Mongabay que a subordinação da agenda ambiental aos interesses do agronegócio é uma visão obsoleta. “Nem a parte mais expressiva da bancada ruralista, tanto em termos de número de representantes quanto em valores de negócios, é a favor dessa ideia terrível”.
A fusão, ao invés de facilitar o agronegócio, como Bolsonaro acredita, seria equivalente a atirar no próprio pé, disse Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima. “Quando os produtores [do agronegócio] forem a Bruxelas [o centro político da UE], eles ouvirão reclamações por exigências de sustentabilidade e não escaparão delas”.
Rittl disse à Mongabay que, se os dois ministérios forem unidos, a economia brasileira, que depende fortemente do agronegócio, pode enfrentar contratempos. “O país ainda está lutando para sair da recessão e a recuperação [requer] o apoio de boas práticas do agronegócio. Só ganhamos com isso — o país, a ciência, a economia, os negócios e a imagem do Brasil”.
Segundo Ângelo Costa Gurgel, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a fusão criaria dificuldades para o avanço de ambas as agendas: “Um ministério que acumula a responsabilidade de supervisionar programas, atividades e desenvolvimentos tanto do agronegócio quanto do meio ambiente teria muitos desafios [amplamente divergentes], dificultando o seu bom gerenciamento sob a coordenação de um único ministério e ministro. Quem seriam os [possíveis] ministros e secretários com perfil, conhecimento e experiência para lidar com tantas agendas?”.
Pergunta aberta
A controvérsia provocada pela possível fusão mostra o quanto o Ministério do Meio Ambiente é vital para o Brasil, disse Rittl, do OC, que acrescentou: “Se Bolsonaro perceber esse fato, ele poderá tomar decisões que beneficiarão o país”.
Além disso, Rittl observou que os ministros da Agricultura e do Meio Ambiente, embora não concordem, há muito desfrutam de um diálogo vigoroso e produtivo: “O novo presidente fala em ter menos ‘ideologia’, mas mesmo os ruralistas como Kátia Abreu, por exemplo, com todo o seu preconceito, estavam dispostos a dialogar [com os ambientalistas] quando ela se sentou na cadeira do ministério [da Agricultura]”.
O Brasil tem a oportunidade de se tornar a maior potência agrícola e ambiental do mundo, disse Gurgel, mas para isso, é preciso uma consonância de metas: “Essa harmonia só ocorrerá através de um alinhamento de longo prazo das duas agendas, respeitando as competências de cada um deles e buscando soluções para potenciais conflitos”.
Vale a pena destacar, acrescentou Gurgel, que uma parcela significativa do agronegócio brasileiro já reconhece a necessidade de garantir um sistema de produção ambientalmente sustentável e socialmente justo. E da mesma forma, uma parte considerável do movimento ambiental do país é aliada ao setor de agronegócios para aprimorar as melhores práticas e a imagem do país.
“Em suma, o compromisso das duas agendas por meio de uma discussão fundamentada em ciência e conhecimento, e em prol do desenvolvimento sustentável no Brasil, parece uma alternativa melhor que a fusão dos dois ministérios”, afirmou Gurgel.
No entanto, os ambientalistas, os ruralistas e o público brasileiro precisarão esperar até janeiro pela ascensão de Bolsonaro ao poder, antes de tomar sua decisão final sobre o assunto.
Imagem do banner: Jair Bolsonaro. Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil.
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