A Polícia Federal prendeu e multou os participantes envolvidos na extração ilegal de madeira e um esquema de fraude a créditos florestais. A base de operação localizava-se no Pará, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso.
Os ladrões de madeira foram auxiliados neste crime por falhas no licenciamento do governo e má fiscalização no processo de produção da madeira no Pará e Mato Grosso, brechas que agora as autoridades tentam reparar.
Os ladrões de madeira derrubam ipês raros na reserva indígena de Cachoeira Seca, na Amazônia, e então usam dados falsos e várias companhias para transportar madeira para outros estados e exportá-la. A madeira acaba sendo usada para decorações caríssimas nos Estados Unidos, Argentina, Panamá, França, Alemanha, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Coréia do Sul.
As multas para extração ilegal de madeira são de somente R$ 5,000 por hectare; e pelo não fornecimento dos dados corretos, entre R$ 1,000 e R$ 100,000, valores irrisórios que fazem pouco para combater um crime que pode gerar lucros altíssimos para os perpetradores. Estas multas não aumentam de preço desde 2008.
A Polícia Federal prendeu e multou os participantes envolvidos na extração ilegal de madeira e um esquema de fraude a créditos florestais que operava no Pará, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso. O grupo de ladrões de madeira pode cometer este grave crime ambiental devido parcialmente às falhas no licenciamento do governo e má fiscalização no processo de produção da madeira no Pará e Mato Grosso, segundo especialistas no assunto.
A operação policial denominada Anhangá Arara (espírito protetor da natureza e do povo indígena de Arara), focada no grupo empresarial composto por familiares, localizado no Paraná, que conduzia atividades ilegais nos estados já mencionados, sendo o patriarca o responsável pela coordenação do projeto.
O grupo vinha extraindo madeira ilegalmente da Cachoeira Seca do Iriri reserva indígena no Pará, e então “lavava” as toras movimentando-as através de um monte de empresas e também inserindo dados falsos no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora).
Esta atividade criminosa provavelmente não teria sido bem-sucedida, não fosse o fato de que o Pará e o Mato Grosso são os únicos estados na Amazônia Legal que ainda não fazem parte do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), criado pelo IBAMA, em março deste ano. O Sinaflor integra informações relacionadas às autorizações de exploração, transporte e armazenamento da madeira cortada em propriedades rurais.
Foi uma operação conduzida pelo IBAMA na reserva de Cachoeira Seca, onde 105 índios Arara vivem, que permitiu que a Polícia Federal identificasse os perpetradores. Ao ser contada pela Mongabay, o departamento de comunicações da polícia disse que a PF não pode revelar oficialmente os nomes dos envolvidos no crime. No entanto, a denúncia de 2015 do IBAMA enviada para a PF já havia mencionado a madeireira Silva & Suski, liderada por um grupo empresarial composto por familiares cujo patriarca é Nelson da Silva. Localizada em Rurópolis, Pará. Silva & Suski está registrada no nome do filho do Nelson, Daniel Antonio da Silva, um engenheiro florestal.
Os ladrões de madeira focaram na extração do ipê (Tabebuia impetiginosa e T. serratifolia), umas das árvores amazônicas mais valorizadas; o preço vigente do metro cúbico do corte de madeira do ipê , que é transformado em tábuas para decks a serem exportadas, é de US$ 2,500, segundo a Organização Internacional de Madeira Tropical. Este forte potencial em ganhos explica como o grupo consegue compensar o custo de abrir novas estradas por longas distâncias na floresta Amazônica. Estas estradas de exploração de madeira causam danos ambientais significativos, pois fragmentam a floresta úmida e servem de convite para mais invasões de forasteiros.
As madeiras ilegalmente cortadas, após serem extraídas, eram enviadas aos portos de Belém, no Pará; Itajaí, em Santa Catarina; e Paranaguá, Paraná. A madeira era então transportada até os Estados Unidos, Argentina, Panamá, França, Alemanha, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Coréia do Sul, disseram as autoridades.
Os dados fornecidos pela FUNAI, entidade indigenista do Brasil, indicam que Cachoeira Seca foi o território indígena mais desmatado do país em 2016. De janeiro a setembro daquele ano, 680 hectares foram desmatados e 1,773 hectares degradados (com corte seletivo de árvores). A reserva cobre 733,688 hectares. Livre da invasão de forasteiros, grupos indígenas provaram ser os melhores administradores de terra na Amazônia.
Os criminosos convenceram as agências reguladoras do governo em conceder status legal à madeira através da emissão de Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) com números falsos. O PMFS é um documento criado por um engenheiro florestal autônomo e contém dados relacionados à propriedade sob gestão florestal, incluindo as espécies e números de árvores que serão cortadas, o volume do rendimento da madeira, entre outras informações. O valor da produção antecipada é convertido em créditos florestais, uma espécie de quota de comercialização repassada dos produtores de madeira às madeireiras e aos comerciantes, para realizarem transações legais de madeira. Os créditos são deduzidos do fornecedor e atribuídos ao comprador em cada fase da produção de madeira.
As autoridades desconfiaram quando os documentos que os ladrões apresentavam tinham um volume de madeira maior do que realmente havia nas terras de origem licenciadas. Os créditos excedentes, registrados no sistema Sisflora pela Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Pará e do Mato Grosso, tinham sido transferidos a outras empresas, incluindo companhias madeireiras clandestinas que mais tarde transportavam madeira para os portos, com o intuito de exportá-la.
“As empresas faziam um esquema de triangulação da madeira, é uma operação bem comum neste tipo de ação criminosa”, explicou Renê Oliveira, coordenador geral da fiscalização ambiental, para a Mongabay. “Em vez de utilizar o saldo (de créditos) na região original da administração, os créditos remanescentes eram desviados para outras regiões que não tinham autorização para extração. É permitido uma margem de erro de até 10 por cento no volume calculado de madeira, mas nesses casos as companhias (diga-se de passagem, suspeitas) criaram um saldo muito maior.”
Estudos científicos mostram que o volume por hectare dos ipês na Amazônia fica , geralmente, entre 0,2 a 0,6 metros cúbicos por hectare, raramente excedendo 0,4 metros cúbicos por hectare. Em 2014, a empresa Agropecuária Santa Efigênia, localizada no Pará, foi identificada por ter forjado os números, já que ela declarou uma quantidade implausível de 5,75 metros cúbicos por hectare de ipê num plano de manejo florestal. No caso dos ladrões de madeira Silva & Suski, a Sisflora concedeu à empresa os créditos através do SEMAS Pará sem verificar os números para ver se tal extração era possível no local de exploração florestal forjado.
“Cada estado só deveria autorizar o tanto que conseguisse fiscalizar. Licenciamento e fiscalização precisam ser integrados,” disse Rômulo Batista, um especialista na Amazônia da Greenpeace Brasil, para a Mongabay. Atualmente, o problema é que “nenhum alarme é acionado quando surge estes números excessivos.”
De acordo com Batista, o sistema de licenciamento utilizado no Pará e Mato Grosso resultou em um excesso de créditos florestais, um sinal de exploração de madeira ilegal e falsificação. “As operações da Polícia Federal e do IBAMA são importantes para reduzir as práticas ilegais, mas até que uma reforma seja feita, este tipo de fraude provavelmente irá continuar,” disse.
Os prejuízos econômicos causados pela madeireira Silva & Suski à reserva indígena de Cachoeira Seca foram avaliados em R$ 897 milhões entre 2010 a 2017, atingindo seu auge em 2015, de acordo com a Polícia Federal. No Mato Grosso, as perdas foram de mais de R$ 1 bilhão durante o mesmo período.
Oliveira, do IBAMA, disse que a autarquia multou os infratores e uma ação foi movida contra eles. Por destruir ou causar danos às florestas sem ter autorização ou uma licença ambiental, a multa é de R$ 5,000 por hectare ou fração; e pelo não fornecimento dos dados durante o período exigido por lei, a multa vai de R$ 1,000 a até R$ 100,000; ao que tudo indica, valores irrisórios que aparentemente fazem pouco para combater um crime que pode gerar lucros altíssimos para os perpetradores.
E o mais importante: estas multas não aumentam desde 2008. Ao serem questionados, o Ministério do Ambiente respondeu através do seu departamento de comunicações, dizendo que os níveis de multas são estabelecidos por (e só podem ser aumentados através de) decreto presidencial. Nenhum decreto de aumento de multa foi emitido durante o governo de Dilma Rousseff, nem no governo de Temer, até o presente momento.
A Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Pará disse a Mongabay que a proposta do IBAMA de integrar os dados gerados no Sisflora e no Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (Simlam) com o sistema federal Sinaflor está previsto para ser concretizado até o fim do ano. Os técnicos do IBAMA e do SEMAS irão se reunir ainda esta semana para discutir os detalhes do processo de integração.