Primatas estão morrendo devido à caça e à perda de habitat
Primatas estão morrendo devido à caça e à perda de habitat
5 de Agosto, 2008
Os parentes mais próximos do homem — macacos, gorilas e outros primatas — estão desaparecendo da face da Terra. Alguns estão, literalmente, sendo ‘comidos’ até a extinção.
Segundo os critérios da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Mundial para a Natureza (IUCN, da sigla em inglês), quase metade dos 634 tipos de primatas do mundo todo correm risco de extinção. Esta foi a primeira vez em cinco anos que a IUCN fez uma ampla revisão da situação de ameaça dos primatas do mundo.
O relatório, lançado no 22º Congresso da Sociedade Internacional de Primatologia (IPS, da sigla em inglês) em Edinburgo, na Escócia, é de autoria das maiores autoridades mundiais no tema e apresenta um quadro nada animador sobre o estado dos primatas em todo o planeta. Na Ásia, mais de 70% dos primatas são classificados como ameaçados nas categorias ‘Vulnerável’, ‘Em Perigo’ ou ‘Criticamente em Perigo’, de acordo com os critérios da Lista Vermelha da IUCN. Isso significa que esses animais podem desaparecer para sempre em um futuro próximo.
As principais ameaças são a destruição do habitat – que vem sendo causada principalmente pela queima e o desmatamento de florestas tropicais – e a caça de primatas para alimentação e comércio ilegal de animais silvestres. A destruição das matas é responsável pela emissão de pelo menos 20% dos gases de efeito estufa que provocam a mudança climática.
“Durante anos, procuramos alertar para o perigo sofrido pelos primatas, mas agora temos dados sólidos para mostrar que a situação é bem pior do que imaginávamos”, diz Russell A. Mittermeier, presidente da Conservação Internacional (CI) e também do Grupo de Especialistas em Primatas da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN.
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“A destruição de florestas tropicais sempre foi a principal raiz do problema, mas agora tudo indica que, em algumas regiões, a ameaça imposta pela caça é tão séria quanto. Mesmo em áreas onde o habitat mantém-se bastante preservado. Em muitos locais, os primatas estão literalmente sendo ‘comidos’ até a extinção”, alerta Mittermeier.
A revisão da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas foi financiada pela CI, pela Margot Marsh Biodiversity Foundation, pelo Animal Kingdom da Disney e pela IUCN. A iniciativa faz parte de uma avaliação inédita sobre o estado dos mamíferos de todo o mundo, que será divulgada durante o 4º Congresso Mundial de Conservação da IUCN, em outubro, em Barcelona, na Espanha.
A revisão dos primatas, que contou com a colaboração de centenas de especialistas do mundo inteiro, mostra com dados científicos as graves ameaças que esses animais, cujo DNA é praticamente igual ao dos humanos, estão sofrendo. No Vietnã e no Camboja, cerca de 90% das espécies de primatas corre risco de extinção. Grupos de gibões, macacos-folha, langures e outras espécies estão diminuindo por conta da perda de habitat exacerbada pela caça humana, para comida e para alimentar o comércio de animais silvestres usados comumente na medicina chinesa ou como bichos de estimação.
“O que está acontecendo no sudeste asiático é aterrorizante”, afirma Jean-Christophe Vié, vice-diretor do Programa de Espécies da IUCN. “Ter um grupo de animais sob tão alto nível de ameaça é, sinceramente, algo que nunca registramos em nenhum outro grupo de espécies até hoje”.
Em outros continentes, uma variedade de espécies enfrenta desafios para sobreviver, desde os minúsculos lêmures-ratos até os gigantescos gorilas das montanhas. Na África, 11 dos 13 tipos de macacos colobos examinados foram listados como ‘Em Perigo’ ou ‘Criticamente em Perigo’. Na verdade, dois tipos já podem estar extintos: o colobo vermelho de Bouvier (Procolobus pennantii bouvieri ) não é visto há 25 anos e desde 1978 nenhum colobo de Waldron (Procolobus badius waldroni) foi avistado vivo por primatólogos, apesar de relatos de que alguns ainda sobrevivem.
“Entre as espécies africanas, os grandes macacos, como gorilas e bonobos, costumam sempre roubar a atenção. Ainda que eles estejam criticamente ameaçados, são os pequenos primatas, como o colobo vermelho, que podem morrer primeiro”, aponta o presidente do IPS, Richard Wrangham.
Nossos parentes mais próximos, os primatas não-humanos são importantes para a saúde dos ecossistemas que os cercam. Os primatas ajudam a manter uma ampla variedade de vida animal e vegetal nas florestas tropicais através da dispersão de sementes e outras interações com os seus ambientes. Florestas saudáveis são fonte de recursos vitais para comunidades locais e também contribuem para a redução da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, um dos gases do efeito estufa que provoca o aquecimento global.
Os cientistas continuam aprendendo mais sobre os primatas e seu papel no mundo. Desde 2000, 53 espécies de primatas até então desconhecidas pela ciência foram descritas, sendo 40 de Madagascar, duas da África, três da Ásia e oito das Américas Central e do Sul. Em 2007, pesquisadores encontraram uma população do grande-lêmure-de-bambu (Prolemur simus) em um pântano a 400 quilômetros do único habitat conhecido desses animais. Esta espécie é considerada como ‘Criticamente em Perigo’ e há muito já havia rumores de registros nesse novo local, mas somente no ano passado isso foi confirmado. No total, há cerca de 140 indivíduos desse tipo de lêmure em áreas naturais.
A Lista Vermelha da IUCN estabelece uma série de critérios para que uma espécie seja considerada ameaçada. Nos casos de informação insuficiente, as espécies podem ser listadas como ‘Deficientes em Dados’, categoria aplicada a 15% dos primatas na nova revisão. Muitas dessas espécies, especialmente aquelas descobertas recentemente, devem possivelmente vir a ser classificadas como ameaçadas.
Apesar desse quadro pessimista, os conservacionistas salientam o sucesso que vêm obtendo na recuperação de espécies ameaçadas. No Brasil, a posição do mico-leão preto (Leontopithecus chrysopygus) na Lista Vermelha melhorou, passando de ‘Criticamente em Perigo’ para ‘Em Perigo’. O mesmo já havia ocorrido em 2003 com o mico-leão dourado (Leontopithecus rosalia). Esses resultados positivos ocorreram graças a décadas de esforços de conservação encabeçados por inúmeras instituições. Atualmente, há populações destes dois tipos de macacos bem protegidas, mas ainda bastante pequenas, o que reforça a necessidade urgente de novas áreas reflorestadas para dar-lhes um novo habitat e garantir sua sobrevivência no longo prazo.
“Se você tem florestas, você pode salvar os primatas”, explica o cientista da CI Anthony Rylands, vice-presidente do Grupo de Especialistas em Primatas da IUCN. “O trabalho com os mico-leões mostra que a conservação de pedaços de florestas e o reflorestamento para criar corredores de conexão entre eles é não somente vital para os primatas, mas também traz muitas vantagens para a preservação de ecossistemas saudáveis e o abastecimento de água. Ao mesmo tempo em que reduzimos as emissões de gases de efeito estufa que estão provocando a mudança climática”.
Os pesquisadores também consideraram reclassificar o gorila das montanhas (Gorilla beringei beringei) de ‘Criticamente em Perigo’ para ‘Em Perigo’, devido ao aumento da população em seu único habitat: as florestas protegidas nas montanhas de Ruanda, Uganda e do Congo. No entanto, a matança de oito gorilas das montanhas em 2007 e a continuação da turbulência política na região atrasaram os planos de reclassificação.