“Como salvar a Amazônia: Uma busca mortal por respostas”, um livro póstumo do jornalista britânico Dom Phillips com colaboradores, está sendo lançado no Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, com eventos nos três países.
Em 5 de junho de 2022, Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram brutalmente assassinados na região do Vale do Javari, na Amazônia; Phillips investigava a pesca ilegal na região para seu livro.
Logo após a tragédia, Jonathan Watts, jornalista britânico baseado no Brasil e amigo próximo de Phillips, liderou um grupo de escritores experientes para finalizar o livro de Phillips; centenas de pessoas colaboraram, desde a escrita, edição e tradução dos capítulos até a doação de dinheiro para finalizar a obra.
“Para mim, é sobre colaboração e solidariedade. É o que realmente significa esse gesto”, diz Watts.
“O jornalista não deve fazer parte da história.” Jonathan Watts, jornalista britânico baseado no Brasil, relembra as palavras do jornalista britânico Dom Phillips e os desafios que elas trouxeram para finalizar seu livro póstumo. “Dom não era o tipo de jornalista que queria estar na história. Ele me disse: ‘Não gosto desse jornalismo em que eu fiz isso e eu fiz aquilo'”.
Em 5 de junho de 2022, Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram brutalmente assassinados na região do Vale do Javari, na Amazônia; Phillips investigava a pesca ilegal na região para seu livro.
Como salvar a Amazônia: Uma busca mortal por respostas, de Phillips, com colaboradores, está sendo lançado no Reino Unido, Estados Unidos e Brasil, com eventos dedicados nos três países. Watts, editor global de meio ambiente do The Guardian e amigo próximo de Phillips, liderou um grupo de escritores experientes para finalizar o livro de Phillips.
“O grande desafio foi como balancear as intenções originais de Dom com a realidade de que o mundo mudou e a história mudou em parte porque Bruno e Dom foram assassinados, o que mudou a história, eles se tornaram parte da história”, Watts, que escreveu um capítulo para o livro de Phillips, disse à Mongabay em uma entrevista em vídeo. “Nesse caso, a história era tão grande, o que aconteceu com eles, que não poderíamos não escrever sobre isso”.
Apesar do modo de pensar de Phillips, “de certa forma antiquado ou da velha guarda”, sobre nunca incluir o jornalista na história, Watts diz que ele escreveu um livro anterior sobre DJs superestrelas no qual adotou o estilo em primeira pessoa; ele também escreveu publicações em primeira pessoa para um blog o jornal Folha de S.Paulo. “Talvez ele fosse ainda mais flexível do que discutimos”.
Outra grande mudança no livro, diz Watts, é a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva no mesmo ano em que Phillips e Pereira morreram. “Isso claramente era algo que precisávamos incorporar ao livro porque, quando Dom planejou seu livro, era em um contexto diferente. E, tenho certeza, ele é um bom jornalista, ele teria adaptado seu plano original para levar em conta esse novo cenário”.
No entanto, essas mudanças foram acompanhadas por “debates angustiantes”, diz Watts. “Podemos mudar o plano original de Dom? Porque é o plano original do Dom. Mas ele teria mudado porque a situação é diferente, há um novo presidente, então todos nós sabíamos que teríamos que mudar isso”.
Mas o grupo estava “lutando com esse ideal”, Watts observa. “Nossa principal meta era nos aproximar dos planos originais de Dom. E, então, a necessidade de ser realista e aplicar rigor jornalístico e bom senso ao plano, o que espero que tenhamos feito quando incorporarmos mudanças como a mudança de poder”.

Para Andrew Fishman, amigo próximo de Phillips que também escreveu um capítulo, terminar o livro “foi a tarefa mais difícil emocionalmente em que já trabalhei”.
Ele diz que Phillips fez quase toda a apuração e deixou uma descrição dos capítulos — um parágrafo ou dois ou algumas frases — e “hieróglifos rabiscados em seus cadernos”. Para alguns capítulos, ele diz, era bastante claro como editá-los e em que nível. Os capítulos inacabados, no entanto, foram um grande desafio, ele diz. “O que você faz? Estamos tentando conjurar o espírito dele e escrever o livro que ele teria escrito? Bem, isso é impossível”.
Como todos os envolvidos realmente queriam ter certeza de que o livro final seria algo de que Phillips se orgulharia, ele diz, houve inúmeras discussões que perduraram por muito tempo.
“Você faz cada capítulo da maneira que ele faria, da maneira que ele delineou, sabendo que o esboço de nenhum escritor e a versão final do capítulo são iguais?” ele questiona. “Para mim, foi excruciante. Foi excruciante tentar descobrir como responder a essas perguntas sem resposta e, em algum momento, você simplesmente tem que começar a fazer e seguir em frente, e foi isso que aconteceu”.
Para ele, acabou sendo “um enorme trabalho de amor” e uma experiência gratificante. “E espero que tenhamos feito bem o suficiente para tentar fazer o que ele queria”, Fishman, presidente e cofundador do The Intercept Brasil, disse à Mongabay em uma entrevista em vídeo conjunta com Watts. “Eu realmente espero que as pessoas leiam, amem e se sintam inspiradas por ele”.
Watts também destaca os desafios emocionais que todos os envolvidos na finalização do livro enfrentaram. “É o culminar de um trabalho que levou à morte do nosso amigo”, diz ele. “É uma ocasião de alegria para lançar um livro. Mas, nesse caso, é tingida de tristeza e horror”. No entanto, ele diz que espera que seja “mais alegre do que qualquer coisa” porque este livro significava muito para Phillips, que assumiu um grande risco como freelancer ao dedicar um ano de trabalho para escrevê-lo.

Dom esperava que seu livro mudasse sua vida e sua carreira. ‘E infelizmente, mudou’
A Floresta Amazônica foi o que mais inspirou Phillips, diz Fishman, impulsionando-o a escrever um livro sobre como salvar a Amazônia, destacando as comunidades tradicionais que lutam para manter a floresta em pé e nos instigando a aprender com elas.
“Dom fez este livro porque ele queria, ele esperava que mudasse sua vida e sua carreira. E, infelizmente, mudou”, diz Fishman. É por isso que o projeto do livro sonhado por Phillips não poderia ser interrompido porque ele e Pereira foram “covardemente assassinados”, diz Fishman. “Acho que todos que o conheciam imediatamente decidiram simultaneamente que não era possível, que isso não podia acontecer”. Após a tragédia, ele acrescenta, os amigos de Phillips decidiram que estariam juntos para finalizar seu livro, o que foi apoiado desde o início pela viúva de Phillips, Alessandra Sampaio, que estava “absolutamente determinada” de que isso precisava acontecer.
As conversas para finalizar o livro de Phillips e o grupo subsequente liderando essa missão originaram-se de um grupo de WhatsApp de correspondentes internacionais baseados no Rio, do qual Phillips foi um dos fundadores. Chamado Hacks Happy Hour, o grupo promove reuniões mensais para conectar jornalistas e é um espaço para compartilhar oportunidades e pedidos de ajuda.
“Dom foi responsável por realmente mudar o cenário jornalístico do Rio quando ele veio para cá”, diz Fishman. “Ele foi um dos fundadores do Hacks Happy Hour que, antes de ele chegar, era um ambiente um tanto competitivo; as pessoas realmente não compartilhavam fontes ou se comunicavam muito. E, por causa do happy hour mensal, isso mudou o ambiente e a cultura e as pessoas começaram a ser mais amigáveis e colaborar”.
Essas mudanças promoveram “esse senso de unidade” entre os jornalistas do grupo que “muitas vezes lidam com questões difíceis e, muitos deles eram correspondentes estrangeiros, sozinhos em um grande país”, diz Fishman. E esse espírito transcendeu para mobilizar os participantes do grupo para finalizar o livro de Phillips, ele acrescenta. “Acho que é realmente apropriado que esse homem que tinha um talento especial para unir pessoas acabou fazendo isso com seu livro.” Garantir que esse projeto acontecesse, ele diz, “é um grande alívio”.
Phillips deixou um manuscrito parcialmente concluído, incluindo a introdução e três capítulos e meio, algo entre um terço e metade do livro, Watts diz, comparando o processo de finalização do livro a “uma cebola”.
No início, ele explica, Sampaio e a irmã de Phillips, Sian Phillips, estavam “bem no centro”, acompanhadas pelo “grupo do livro de Dom”, derivado do grupo do Hacks. Além de Watts e Fishman, o grupo era formado por Tom Henning, David Davis e Rebecca Carter.
Sampaio compartilhou todo o material relacionado ao livro de Phillips com o grupo: computador, discos externos e seus “famosos caderninhos” com suas anotações; o próximo passo foi escolher os escritores para os seis capítulos restantes, Watts diz.

Além de Watts e Fishman, os escritores dos capítulos incluem Jon Lee Anderson da The New Yorker, Eliane Brum do El País e Sumaúma e Beto Marubo, um ativista indígena do Vale do Javari. Muitos amigos de Phillips queriam ajudar com o processo do livro e mais de 20 pessoas que não foram escolhidas para escrever os capítulos ajudaram com a edição, verificação de fatos e tradução, Watts diz.
Centenas de pessoas também doaram dinheiro através de uma campanha de financiamento coletivo para tornar este livro possível, ele acrescenta. “Esta é uma colaboração em muitos níveis de todos os envolvidos e, finalmente, centenas de pessoas”. Ele também destacou a colaboração de todos que publicaram sobre o livro nas redes sociais e se envolveram no início. “Para mim, é sobre colaboração e solidariedade. É o que realmente significa esse gesto”.
Ao longo do processo, diz Watts, o grupo passou muito tempo ouvindo uns aos outros para garantir que todos estivessem felizes — a família de Phillips em primeiro lugar — para seguir em frente com o plano de Phillips “o mais próximo possível de suas intenções originais”. Segundo ele, o processo correu sem problemas ao longo de três anos. “Não tivemos brigas, o que é incrível na verdade”, diz ele. “As pessoas não deixaram seus egos atrapalhar. Eles se importavam com Dom. Eles amavam Dom”.
Em sua pesquisa para escrever os capítulos, as reportagens da Mongabay se destacaram, afirmam Watts e Fishman. “Se ninguém mais tiver, a Mongabay terá. Não só eles terão a fonte perfeitamente citada, eles terão links perfeitos, eles terão todos os detalhes, então não é como aquela versão confusa com números simplificados em que você não tem certeza do que significa”, diz Fishman.
A Mongabay foi citada em pelo menos sete notas de rodapé para o livro de Phillips. “Vocês tinham as notas de rodapé mais bonitas”, diz Watts. Mas elas acabaram sendo cortadas, diz Fishman, pois as notas de rodapé chegaram a 115.


Última palavra para um indígena
Apesar de todos os esforços para ser fiel aos planos de Phillips, Watts diz, houve duas adições ao livro: um capítulo que aborda os assassinatos de Phillips e Pereira, o projeto do livro e o processo de finalização do livro, e um capítulo de posfácio em que as palavras finais do livro são de Marubo. “A palavra final vai para uma pessoa indígena porque, quando você olha as anotações de Dom, uma parte é muito clara: ouça os povos indígenas, isso é algo que ele enfatizou”.
O título original do livro era Como Salvar a Amazônia: Pergunte às pessoas que sabem. Watts diz que a editora queria mudar o título inteiro para refletir a tragédia, mas ninguém concordou porque era assim que Phillips o chamava. Então o subtítulo foi alterado para “Uma busca mortal por respostas” para refletir o que ocorreu “mas ainda captura esse espírito”, diz Watts.
Apesar do enorme trabalho em três anos, “tem sido, para mim pelo menos, muito saudável psicologicamente”, diz Watts. “O que aconteceu com Dom e Bruno foi tão chocante, tão doloroso. E eu realmente queria fazer algo, o que posso fazer? E acho que muitos de nós nos sentimos assim”.
Para ele, é uma forma de “não apenas ser sugado por toda a negatividade, dor, raiva e tristeza do que aconteceu” e de olhar para frente, tentando fortalecer o legado de Phillips e, ao mesmo tempo, tentar arrecadar algum dinheiro para Sampaio. “Todos assinaram um documento dizendo que este livro é apenas o livro do Dom. Todos os royalties irão para o espólio do Dom”, diz ele, destacando a iniciativa de Sampaio na criação do Instituto Dom Phillips em 2024, focado em dar voz à Amazônia e ao conhecimento de seus povos nativos por meio da educação.

‘Dom definitivamente não queria ser um caso especial’
Em 5 de junho, o Ministério Público Federal no Amazonas apresentou denúncia contra Ruben Dario Villar, conhecido como “Colômbia”, como o mentor do duplo homicídio de Phillips e Pereira. Tal medida seguiu a conclusão de uma investigação de dois anos que o acusou de pesca e caça ilegal na região e de financiar e armar os criminosos para executarem os assassinatos de Phillips e Pereira e ocultar os corpos das vítimas. Villar negou as acusações.
Desde o início da investigação, outras oito pessoas foram indiciadas. O caso de três réus — Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como “Pelado”, Jefferson da Silva Lima e Oseney da Costa de Oliveira — fez parte de uma única ação que determinou um julgamento perante um júri. Mas, em setembro de 2024, uma decisão judicial aceitou o recurso de Oseney Oliveira e o retirou da ação; o Ministério Público Federal recorreu.
“É importante que as pessoas que puxaram o gatilho e que estiveram mais envolvidas sejam responsabilizadas, pelo menos simbolicamente. É importante mostrar que não pode haver esse nível de impunidade que acontece tantas vezes”, diz Fishman. “Mas, ao mesmo tempo, não sentirei que a justiça foi feita até que se chegue ao alto escalão e se desfaçam as redes criminosas que colocam essas pessoas nessas situações”.
Para ele, isso significaria não apenas justiça para Phillips e Pereira, mas também “ter esperança de que há espaço para prevenir o pior cenário possível para a Amazônia”.
O mundo se concentrou no assassinato de Phillips em particular, diz Watts, porque ele era um jornalista branco do ocidente. “Mas, na verdade, esses tipos de crimes acontecem o tempo todo com defensores ambientais, às vezes com jornalistas, e sei que Dom definitivamente não gostaria de ser um caso especial”, diz ele. “Ele gostaria de ver a situação geral e o fato de que a atenção poderia estar nele e no Bruno mas, na verdade, isso deveria ser uma forma de falar sobre o que está acontecendo com os defensores ambientais e os povos indígenas e outros que estão na linha de frente”.
Para Watts, apesar das “coisas sombrias” no livro, ele lança luz sobre seus elementos positivos. “Uma das coisas mais marcantes sobre a abordagem de Dom é que ele estava buscando soluções. Então, cada capítulo é uma busca por uma solução, uma busca por como salvar a Amazônia”, diz ele. “Acho que isso é incomum. Porque, geralmente, as pessoas se concentram nos problemas”.

O livro de Phillips foi lançado em inglês nos EUA e no Reino Unido no início de junho e será lançado em português no Brasil em 18 de junho em São Paulo, durante a Feira Literária do Pacaembu. Ainda não há informações sobre o lançamento do livro em outras cidades.
No aniversário de três anos da morte de Phillips e Pereira, o The Guardian lançou o podcast Missing in the Amazon (Perdidos na Amazônia). No mesmo dia, 50 organizações da sociedade civil e jornalistas assinaram um manifesto liderado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, UNIVAJA, pedindo às autoridades brasileiras por “mais que promessas” enquanto o país se prepara para sediar a conferência do clima COP30 em Belém em novembro: “Exigimos proteção para os guardiões da floresta. Exigimos ações reais, urgentes e transformadoras”.

Imagem do banner: O jornalista britânico Dom Phillips em uma viagem à Amazônia em 2022. Imagem © Alessandra Sampaio.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.
Livro póstumo de Dom Phillips propõe esforço coletivo para salvar a Amazônia