Iniciada em fevereiro, uma operação do governo federal removeu entre 1.000 e 2.000 cabeças de gado ilegais da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão.
Em junho de 2024, a Mongabay fez uma investigação de um ano que revelou que grandes áreas da Arariboia foram tomadas pela pecuária para fins comerciais, o que viola a Constituição.
“Teu relatório está muito parecido com o que a gente está encontrando em campo, de fato. Ele parte dessa realidade de fato, então nos ajudou muito em termos práticos”, Marcos Kaingang, secretário nacional de direitos territoriais indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, disse à Mongabay em uma entrevista em vídeo.
A investigação também revelou detalhes que as autoridades disseram desconhecer, como a mudança ilegal dos marcos de demarcação da Arariboia, disse Kaingang.
Uma investigação da Mongabay que revelou uma explosão de gado ilegal, em meio a um número recorde de assassinatos de indígenas Guajajara, foi usada por autoridades federais para remover milhares de cabeças de gado da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão.
“Teu relatório está muito parecido com o que a gente está encontrando em campo, de fato. Ele parte dessa realidade de fato, então nos ajudou muito em termos práticos”, Marcos Kaingang, secretário nacional de direitos territoriais indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, disse à Mongabay em uma entrevista em vídeo.
Em junho de 2024, a Mongabay publicou uma investigação de um ano, com financiamento e apoio editorial do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, revelando que grandes áreas da Terra Indígena (TI) Arariboia haviam sido tomadas pela pecuária para fins comerciais, o que viola a Constituição.
“Tinha uma presença grande de gado, milhares de cabeças que estavam lá e que não deveriam estar ali”, disse Kaingang.
A investigação também revelou detalhes que as autoridades disseram desconhecer: a alteração física dos marcos de demarcação da Arariboia por fazendeiros que fazem fronteira com o território. “Era um tema que eu diria que estava passando despercebido”, disse Kaingang, que afirma só ter tomado conhecimento do fato pela investigação. “A gente trouxe [essa denúncia] como um ponto importante nas nossas discussões. E a gente foi verificar que, de fato, os marcos tinham sido alterados”.
Iniciada em fevereiro, a operação do governo federal removeu entre 1.000 e 2.000 cabeças de gado da Arariboia, disse Kaingang. Segundo ele, é difícil dar um número exato dos animais retirados do território. “A gente deu um prazo de até no máximo 30 dias para eles tirarem o gado e, de fato, o gado foi retirado”.
Se a determinação fosse descumprida, o gado seria apreendido, conforme decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. “Ou seja, não tirou no prazo, o gado é retido, e, a partir disso, abatido e destinado para quem tem que ser destinado”, disse Kaingang. “As únicas cabeças de gado que ficaram ali na terra indígena são dos indígenas, mas é para consumo próprio interno”, acrescentou, observando que representam um pequeno número.
No final de 2023, quando esta repórter foi à Arariboia para esta investigação, o percurso envolveu a passagem por duas porteiras que bloqueavam a estrada de terra na TI para chegar à casa de José Maria Paulino Guajajara, cujo filho, Paulo Paulino Guajajara, foi morto em uma emboscada por madeireiros em 2019. A mãe e o cunhado de José Maria também foram supostamente mortos por madeireiros.
A aldeia onde José Maria vive estava totalmente cercada por áreas cercadas para gado, mas agora ele diz que não há mais gado. “As autoridades vieram e tiraram o gado daqui todinho dessa área”, disse José Maria à Mongabay por telefone.
Gráfico de Andrés Alegría/Mongabay.
Os Guardiões da Floresta, um grupo de indígenas Guajajara criado há uma década do qual Paulo era membro, arriscam suas vidas para combater madeireiros ilegais e crimes ambientais na Arariboia, e acompanharam de perto a operação do governo. “O gado sumiu!”, Lucimar Carvalho, advogada dos guardiões, disse à Mongabay por telefone. “Se você vir a quantidade de gado que tem hoje na Arariboia, eu acho que é 10% daquilo que tinha um mês atrás. Saiu muito gado do território”.
Carvalho disse que mencionou a investigação da Mongabay às autoridades que conduziam a operação e que todas estavam cientes das revelações. Segundo ela, os agentes disseram que a investigação havia sido muito relevante para a operação, pois revelou informações até então desconhecidas e forneceu um diagnóstico preciso das complexidades da Arariboia, como o fato de que vários indígenas Guajajara haviam sido cooptados pelos fazendeiros.
Carvalho disse que enviou uma cópia da investigação da Mongabay, logo após sua publicação, para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), responsável pela produção de um relatório avaliando as medidas do governo brasileiro para garantir a proteção dos indígenas Guajajara e dos isolados Awá da Arariboia para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
“Tem essa cautelar que determina [medidas de] proteção [do governo federal] para os Guajajara e os Awá. Quando não tem essa proteção, a gente tem que denunciar”, disse Carvalho. “As invasões são uma ameaça contra a saúde dos Awá e dos Guajajara. É um descomprimento do estado, então eles têm por obrigação fazer alguma forma de proteção”.
Carvalho disse que também enviou uma cópia da investigação para diversas autoridades, como o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), requerendo as devidas providências para proteger a Arariboia.
Os próprios guardiões também enviaram às autoridades denúncias com fotos e vídeos com coordenadas geográficas do gado ilegal na Arariboia. Segundo Kaingang, esse material também foi importante para a operação, além de informações da Funai e de outros órgãos do governo federal e estadual, pesquisas acadêmicas, entre outros.

Pilares da operação correspondem à investigação da Mongabay
O planejamento da operação na Arariboia começou em janeiro e a análise de todos os materiais disponíveis, incluindo a investigação da Mongabay, foi fundamental para a elaboração do plano de ação para remover o gado ilegal e combater outras ilegalidades na TI, disse Kaingang. Ele mencionou pontos-chave, todos revelados em nossa investigação.
Um deles foi a alteração dos marcos de demarcação da Arariboia. O trabalho de campo realizado pela Funai revisou os marcos, e a agência agora está colocando-os de volta onde deveriam estar, conforme o decreto de 1990 que demarcou a TI Arariboia. “Conseguimos fazer o primeiro levantamento topográfico da alteração dos marcos físicos. As equipes da Funai já foram a campo, já identificaram [a alteração] e já estamos colocando alguns desses marcos novamente no lugar”, disse Kaingang.
O segundo ponto-chave citado por Kaingang foi a prova da presença de gado ilegal na Arariboia como resultado do arrendamento do território por alguns indígenas para pastagem. As autoridades alertaram os fazendeiros cujas cercas violavam as fronteiras do território que isso é crime federal; eles estão sendo investigados pela Polícia Federal por esse crime e por arrendamento de terras indígenas, disse Kaingang.
O terceiro ponto revelado na investigação da Mongabay e citado pelas autoridades foi a extensa presença de cercas dentro e ao redor da Arariboia. “O território foi cercado, quilômetros e quilômetros, tudo para pastagem. Isso interfere no ir e vir, na circulação dos indígenas no território, ou seja, passa a se tornar propriedades meio que privadas”, disse Kaingang.
Segundo ele, essas cercas foram pagas por não-indígenas que cooptaram indígenas, o que também foi revelado na investigação; vários quilômetros de cercas foram removidos.
O quarto pilar da operação centrou-se no desmatamento ilegal em algumas regiões da Arariboia, disse Kaingang. Nossa investigação mostrou que, embora a extração ilegal de madeira não fosse mais o principal problema graças às ações dos guardiões, uma nova onda de desmatamento foi desencadeada pela extração de madeira para serem usadas como estacas para cercas.
Kaingang também destacou as fazendas de gado e serrarias ao redor da Arariboia como motores do desmatamento. Como revelado na investigação da Mongabay, a falta de uma zona de amortecimento ao redor da Arariboia e a presença de serrarias e fazendas tão próximas à área protegida estão diretamente ligadas a crimes ambientais e ao aumento da violência no território.
O quinto ponto-chave citado, também revelado pela Mongabay, foi o número significativo de casamentos entre mulheres indígenas e homens não-indígenas que levaram para Arariboia gado ilegal e um “modelo de exploração para dentro do território”, disse Kaingang.
Respeitando a autonomia dos povos indígenas, não-indígenas só podem permanecer na TI com o consentimento da comunidade e devem seguir as regras das lideranças indígenas, disse Kaingang.
Para minimizar conflitos em meio a essa complexa situação, disse Kaingang, a operação realizou uma dezena de reuniões em diferentes partes do território, explicando o que é permitido As autoridades descobriram que centenas de cabeças de gado estavam registradas na Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão (Aged) em nome de indígenas; todos esses registros foram cancelados, disse Kaingang.
“Bloqueamos o cadastro de novos cadastramentos de cabeças de gado porque uma das estratégias dos não-indígenas foi tentar pegar esse rebanho e cadastrar no nome de indígena dentro do território. A gente viu uma movimentação muito grande da noite pro dia, alguns indígenas cadastrando 600 cabeças, 500 cabeças em seus nomes”, disse Kaingang.


‘As impunidades serão devidamente combatidas’
A investigação da Mongabay também revelou um claro aumento nos crimes ambientais dentro e ao redor de Arariboia em 2023, quando quatro indígenas Guajajara foram mortos e outros três sobreviveram a atentados contra suas vidas, fazendo daquele ano o ano mais mortal para os indígenas da Arariboia em sete anos.
As revelações da investigação mostraram um padrão de assassinatos direcionados a indígenas Guajajara em meio à expansão da pecuária ilegal e da extração ilegal de madeira dentro e ao redor da Arariboia: as áreas com o maior número de mortes se sobrepõem às atividades ilegais rastreadas pela Mongabay e pelas operações da Polícia Federal para coibir atividades madeireiras ilegais.
Entre 1991 e 2023, 81 Guajajara foram mortos no Maranhão, mais de dois terços do total de assassinatos de indígenas no estado, de acordo com dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nenhum dos acusados foi levado a julgamento.
Os dados mostram que quase metade desses assassinatos, 38, ocorreram na Arariboia, entre eles seis integrantes dos Guardiões da Floresta, afirmam os indígenas Guajajara. Um deles foi Paulo Paulino Guajajara, morto em 2019. Seu caso se tornará um marco jurídico como o primeiro assassinato de um líder indígena a ser levado a júri federal no Maranhão. Na maioria dos casos, os assassinatos são considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri na esfera estadual. Mas a morte de Paulo foi levada à esfera federal porque o crime representou uma agressão contra toda a comunidade Guajajara e a cultura indígena, afirma o MPF. O guardião Laércio Guajajara sobreviveu à tentativa de homicídio e testemunhou a morte de Paulo.
O impacto da investigação para a remoção do gado ilegal da Arariboia “é de uma alegria absurda”, Alfredo Falcão, procurador federal à frente do caso, disse à Mongabay em uma mensagem de texto. “Fortalecerá na comunidade local o sentimento de justiça e de confiança no Sistema do Judiciário, no sentido de que as impunidades serão devidamente combatidas”.
Quase seis anos depois dos crimes, o julgamento do assassinato de Paulo e da tentativa de assassinato contra Laércio ainda depende de um laudo antropológico para avaliar os danos coletivos à comunidade indígena em decorrência dos crimes. O pai de Paulo, José Maria, disse sentir-se indignado com a demora. “O julgamento está demorando muito”, disse ele à Mongabay por telefone.
Em uma declaração por e-mail, a assessoria de gabinete do juiz da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal do Maranhão informou que “ainda não há informações sobre a conclusão do laudo antropológico”. Segundo a nota, as últimas informações prestadas pelo perito são de que a pesquisa foi iniciada na Arariboia em 13 de fevereiro e que, provavelmente, o laudo da perícia seja finalizado até o final de abril.
Sem o laudo antropológico, não há previsão para o julgamento. “A data do Júri somente poderá ser marcada após a apresentação do laudo antropológico, em relação ao qual deverá ser dada vista a todas as partes, de forma que, por ora, não há como estimar a data em que será realizado o Júri”, acrescentou.
Prevista para durar três meses, a operação na Arariboia entrou na fase final este mês. A principal questão pendente agora, explicou Kaingang, é se chegar a um número definitivo de cabeças de gado que os indígenas Guajajara podem criar para sua própria subsistência.
Uma das principais críticas dos indígenas Guajajara em relação às operações na Arariboia é que, quando terminam e os agentes se retiram, os crimes retornam, assim como a violência. Segundo Kaingang, garantir a segurança dos povos Guajajara e Awá da Arariboia de forma permanente é uma prioridade.
“A gente já está em diálogo com as lideranças indígenas também para garantir o mínimo da permanência das forças de segurança na região para evitar ameaças e retaliação às lideranças indígenas e evitar que o gado retorne para a terra indígena”, disse ele.
Kaingang diz que o ministério agora prepara um plano para a proteção da Arariboia. “A gente conseguiu captar todas as informações sobre a violência na região — e também contra os guardiões — para subsidiar a construção de um plano de atuação bem estratégico e que atenda às necessidades do território”.
Para implementar de fato um “plano de pós-desintrusão sustentável”, disse Kaingang, o governo terá uma base permanente na Arariboia com representantes da Funai e forças de segurança “de maneira estratégica e que atenda as necessidades para evitar ameaças e retorno desses ilícitos para a região”. A localização dessa base ainda está sendo definida.
A investigação da Mongabay sobre gado ilegal faz parte da série “A madeira do sangue Guajajara“, publicada como parte da série apoiada pelo Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.
A série também alcançou outros impactos relevantes, como a menção honrosa no Prêmio ARI Banrisul de Jornalismo em dezembro de 2024. Em maio de 2024, o vídeo sobre a impunidade no assassinato de Paulo foi transmitido no Supremo Tribunal do Chile e em todo o país pelo canal de TV Poder Judicial Chile, como parte da Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da UNESCO em Santiago. Falcão, o procurador que lidera o caso de Paulo, disse que usará trechos do vídeo e a investigação da Mongabay no julgamento.
Imagem do banner: O assassinato de Paulo Paulino Guajajara se tornou o símbolo da luta dos guardiões para proteger a Terra Indígena Arariboia. Imagem: Karla Mendes/Mongabay.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membro do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.
Exclusivo: Gado ilegal dispara na Terra Indígena Arariboia em ano mais letal para os Guajajara