A exibição do vídeo da Mongabay sobre o assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, na Suprema Corte do Chile este mês, intensificou o clamor internacional para o caso, que ainda não foi a julgamento depois de quase cinco anos.
Alfredo Falcão, procurador federal à frente do caso, espera que a exposição do caso em âmbito internacional como parte da Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da UNESCO em Santiago pressione o judiciário brasileiro a agendar o julgamento há muito aguardado.
O caso de Paulo será o primeiro assassinato de um líder indígena a ser julgado por um júri federal; ele foi elevado a esse nível porque foi considerado uma agressão contra toda a comunidade Guajajara e à cultura indígena.
O procurador federal vai usar trechos do vídeo da Mongabay e a reportagem de texto no julgamento, cuja data ainda é uma incógnita enquanto se aguarda um laudo antropológico sobre os impactos do assassinato de Paulo para o povo Guajajara.
Esta reportagem recebeu suporte do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, do qual Karla Mendes é bolsista.
SANTIAGO, Chile — A exibição de um vídeo da Mongabay sobre o assassinato do líder indígena Paulo Paulino Guajajara, de 26 anos, na Suprema Corte do Chile este mês, intensificou o clamor internacional para o caso, que ainda não foi a julgamento depois de quase cinco anos. O Ministério Público Federal (MPF) espera que a exibição pressione para a obtenção de um veredicto histórico contra a impunidade dos assassinatos de povos indígenas no Brasil.
O vídeo foi exibido no Chile como um dos casos de destaque do seminário “Crise ambiental: O papel do sistema judicial para garantir a segurança da voz crítica” na Suprema Corte, em 2 de maio, como parte da Conferência do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa da UNESCO, em Santiago.
Paulo fazia parte dos Guardiões da Floresta, um grupo de indígenas Guajajara da Terra Indígena Arariboia que arriscam suas vidas para proteger seu território ancestral contra a extração ilegal de madeira, a caça e outros crimes ambientais em meio à falta de fiscalização do governo na região.
Nos últimos 20 anos, 53 Guajajara foram assassinados no Maranhão, sem que nenhum dos autores tenha sido julgado, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Desse total, 24 foram mortos na TI Arariboia, segundo dados do CIMI; seis eram guardiões, segundo o povo Guajajara.
O caso de Paulo será um marco jurídico no país como o primeiro assassinato de um líder indígena a ser julgado por um júri federal. O caso foi elevado à esfera federal porque o MPF afirma que seu assassinato representou uma agressão a toda a comunidade Guajajara e à cultura indígena. Na maioria dos casos, os assassinatos são considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri estadual.
Conforme reportagem da Mongabay em novembro de 2023, a única pendência para o agendamento do julgamento é um laudo antropológico sobre os danos causados ao povo Guajajara em decorrência do crime. Na época, Alfredo Falcão, procurador federal à frente do caso, disse que a estimativa era que o julgamento ocorresse no primeiro semestre deste ano. Mas o laudo antropológico demorou mais do que o previsto.
“O julgamento não pode passar desse ano!”, disse Falcão à Mongabay em uma entrevista por telefone. “Eu acho que já passou da hora inclusive”.
Para ele, a repercussão internacional “espetacular” que o caso está ganhando com a exibição do vídeo do Mongabay no Chile é fundamental para pressionar o sistema judicial no Brasil a acelerar o julgamento. “É muito impactante [o vídeo] estar sendo exibido na sala Supremo Tribunal do Chile”, disse Falcão. “Os olhos nacional e internacional estão apontados, direcionados para esse caso e se espera que o julgamento ocorra em prazo razoável, ainda este ano”.
Caso contrário, disse Falcão, “não descarto levar a instâncias internacionais caso haja uma demora indevida”, referindo-se à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Para chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos teria que mostrar que o sistema de justiça nacional está tendo algum obstáculo para fazer o seu papel. E a demora de julgamento pode ser um”.
Uma das principais vozes no vídeo do Mongabay, o guardião da floresta Laércio Guajajara, testemunha e sobrevivente do ataque que matou Paulo, espera que a divulgação do caso fora do Brasil ajude a pressionar o sistema judiciário a cumprir o seu papel e acelerar o julgamento para punir os autores do crime. “Eu acho que quanto mais divulgação, a justiça ficará com mais pressão [por parte] dos [nossos] apoiadores de todo mundo”, disse Laércio à Mongabay em uma mensagem de voz. “O que eu espero é que os responsáveis pelo assassinato do Paulo paguem por isso. A gente não quer ter conflito com ninguém, a gente não quer perder mais nenhum guardião”.
Depois de atrasos para obter o orçamento dos custos do laudo antropológico, o último obstáculo agora é conseguir a liberação do juiz dos recursos de um fundo judicial para arcar com os custos. Em nota à Mongabay por e-mail, a 1ª Vara Federal do Maranhão, onde o caso tramita, disse que emitiu um despacho em 28 de maio intimando o Ministério Público Federal, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os advogados dos réus a se manifestarem sobre os honorários apresentados pela perícia. Para efetuar a perícia “serão necessários 66 dias, conforme proposta apresentada pelo perito”, disse a nota. ” Sendo assim, não há como prever, no momento, a data em que será realizado o júri”.
Falcão ressaltou a urgência para a conclusão do laudo antropológico, dada a “boa notícia” de que já há uma lista de jurados federais aprovados para o julgamento, o que é considerado “o mais difícil” para esse tipo de caso.
Falcão disse que vai usar trechos do vídeo da Mongabay no julgamento, sobretudo o depoimento do pai do Paulo narrando os impactos do assassinato em sua família. Ela também apresentará no julgamento trechos da entrevista do Paulo sobre sua “morte anunciada”, nove meses antes de seu assassinato, a esta repórter e ao documentarista Max Baring para um documentário filmado em 2019 para a Fundação Thomson Reuters (cuja plataforma de notícias foi renomeada Context em setembro de 2022).
“É importante mostrar os dois”, disse Falcão, “essa ideia desse distanciamento que eu quero que os jurados percebam, quanto a dizer que essas matérias todas são feitas da forma mais isenta possível e a respeito do conflito e do sofrimento dos povos indígenas”. Sobre o documentário de 2019, que ganhou quatro prêmios internacionais, Falcão disse que representa “não só um distanciamento temporal, mas algo que você fez antes de ter um contato maior com o caso”.
Falcão disse que as reportagens de texto também serão fundamentais para o julgamento. “Linda matéria. Muito bem escrita: com dados históricos da comunidade, com coisas técnicas, mas, ao mesmo tempo, sem perder a emoção. Isso se chama talento!”, escreveu o procurador a esta repórter em mensagem telefônica logo após a publicação da matéria sobre o julgamento em novembro de 2023.
Ele também está considerando mostrar alguns trechos da exibição do vídeo na Suprema Corte do Chile para mostrar o alcance internacional do caso, que foi transmitido para todo o país pelo canal de TV Poder Judicial Chile.
Durante o painel, esta repórter anunciou que usaria a maior parte do seu tempo de fala para exibir o vídeo de 10 minutos, “para dar voz àqueles que normalmente não têm voz”. Após a apresentação, foram recebidos muitos elogios, incluindo os co-palestrantes do painel Ricardo Perez Manrique, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e Giovanni Salvi, ex-procurador-geral da Suprema Corte da Itália.
Na conferência da UNESCO, o caso de Paulo também foi destacado em um workshop promovido pelo Pulitzer Center sobre investigações guiadas por dados, no qual foi apresentada a reportagem de novembro de 2023 e elementos de uma investigação baseada em dados que liga a violência e os crimes ambientais na Arariboia que será publicada em breve.
Imagem de destaque: O guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara foi morto em uma emboscada — supostamente por madeireiros — na Amazônia. Ele posou para esta foto exibindo uma bala encontrada em um acampamento de extração de madeira ilegal na Terra Indígena Arariboia em 1º de fevereiro de 2019. Imagem: Karla Mendes/Mongabay.
Esta reportagem recebeu suporte do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, do qual Karla Mendes é bolsista.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e bolsista do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no 𝕏, Instagram, LinkedIn, Threads and Bluesky.