O dia 1º de novembro marcou o aniversário de cinco anos do assassinato do guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara e da tentativa de assassinato de seu colega guardião Laércio Guajajara em uma suposta emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Arariboia, na Amazônia; os suspeitos ainda não foram julgados.
Entre 1991 e 2023, 38 indígenas Guajajara foram mortos na Arariboia; nenhum dos acusados foi levado a julgamento.
O caso de Paulo representa um marco jurídico como o primeiro assassinato de um líder indígena no Maranhão a ser levado a júri popular na esfera federal; conforme reportado pela Mongabay há um ano, o início do julgamento dependia apenas de um laudo antropológico dos danos coletivos à comunidade indígena como resultado dos crimes.
No entanto, o laudo ainda não foi feito, devido a várias questões que atrasaram o julgamento: mudança de juiz, demora na escolha do perito para elaborar o laudo e obter o orçamento, e “resistência” da Advocacia Geral da União (AGU) em pagar pelo laudo.
“Eles estão soltos e eu estou por aqui ainda. De repente, quem sabe, eles não planejam para me executar também. Eu fico muito preocupado com isso”, diz o líder indígena Laércio Guajajara, sobrevivente de uma suposta emboscada de madeireiros ilegais que matou o colega guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara. O crime ocorreu em 1º de novembro de 2019 na Terra Indígena Arariboia, a segunda maior Terra Indígena (TI) do estado do Maranhão, na Amazônia.
Laércio diz que está indignado com a demora do julgamento dos dois suspeitos acusados pelo crime ocorrido há meia década. “Eu nunca acreditei que a justiça ia ajudar a gente pelo lado da autoproteção territorial e a vida do ser humano”, disse à Mongabay em uma mensagem de voz. “E hoje eu estou terminando de acreditar nisso, que não tem justiça para o lado dos povos indígenas. Vai fazer cinco anos e nada de justiça ser feita”.
Assim como Laércio, Paulo era membro dos “Guardiões da Floresta”, um grupo de indígenas Guajajara da Arariboia que arriscam suas vidas para proteger seu território ancestral contra a extração ilegal de madeira, a caça e outros crimes ambientais. O grupo, formado há uma década, também protege o povo Awá, caçadores-coletores que vivem em isolamento voluntário nas profundezas das florestas da Arariboia e são considerados o grupo indígena mais ameaçado do planeta.
Entre 1991 e 2023, 81 indígenas Guajajara foram assassinados no Maranhão, mais de dois terços do total de mortes de indígenas em todo o estado, mas nenhum dos acusados foi levado a julgamento até hoje, de acordo com dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Quase metade desses assassinatos, 38, ocorreu na TI Arariboia. Entre os mortos estão seis Guardiões da Floresta, segundo o povo Guajajara.
O caso de Paulo representa um marco jurídico, pois será o primeiro assassinato de um líder indígena no Maranhão a ser julgado por um júri popular na esfera federal. Na maioria dos casos, os assassinatos são considerados crimes contra indivíduos e são julgados por um júri na esfera estadual. Mas a morte de Paulo foi levada à esfera federal porque o crime representou uma agressão contra toda a comunidade Guajajara e a cultura indígena, afirma o Ministério Público Federal (MPF).
Como reportado pela Mongabay há um ano, a marcação do julgamento dependia apenas de um laudo antropológico sobre os danos coletivos à comunidade indígena resultantes dos crimes. Entretanto, esse relatório ainda não foi feito.
Alfredo Falcão, procurador federal que conduz o caso, diz que várias questões nos últimos 12 meses “claramente atrapalharam a rapidez do processo” e resultaram no atraso do julgamento: mudança de juiz, demora para escolher o perito para elaborar o laudo e obter o orçamento e “resistência” da Advocacia-Geral da União (AGU) em pagar pelo laudo.
A AGU entrou com um pedido para que os custos do laudo antropológico fossem pagos pelo MPF ou pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas a justiça negou o pedido. O pagamento foi então efetuado no dia 1º de novembro deste ano, segundo uma declaração da AGU enviada por email em 6 de novembro.
No entanto, essa informação ainda não aparece no sistema judiciário. Em 11 de novembro, Falcão entrou com uma petição requerendo ao juiz que fixe um prazo para a AGU efetuar o pagamento, com multa por descumprimento. Em uma declaração enviada por e-mail em 12 de novembro, a assessoria de gabinete do juiz da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal do Maranhão informou que “o prazo concedido para a União já expirou e não há nenhuma comprovação nos autos de que houve o depósito”.
‘Impunidade! Injustiça!’
Em 1º de novembro, um grupo de 18 Guardiões e Guardiãs da Floresta foi pela primeira vez ao local do assassinato de Paulo para honrar sua memória e exigir justiça para ele e para todos os Guajajara que perderam a vida defendendo a Arariboia, conta Lucimar Carvalho, ex-advogada do CIMI e agora assessoria jurídica dos guardiões, que participou da manifestação.
“Impunidade! Injustiça! Cinco anos do assassinato do Paulo Paulino!”, dizia um dos cartazes exibidos no local do crime, junto com um banner com a foto de Paulo: “Mais de 500 anos de genocídio contra os povos indígenas. Chega de assassinatos!”. Os guardiões também exibiram cartazes exigindo o cumprimento da Constituição Federal e a demarcação de terras indígenas.
Paulo foi morto ao parar para beber água em um poço. Durante o manifesto pelos cinco anos de sua morte, Juliana Guajajara, parente de Paulo, limpou o poço para honrar sua memória, diz Carvalho. A advogada ressaltou que foi a primeira vez que os guardiões voltaram a essa área “perigosa”. “É super arriscado ali. A gente encontrou cápsulas de chumbo e pela noite a gente escutou tiros de gente caçando lá”, disse em entrevista por telefone à Mongabay. “ Pelo menos a gente não encontrou nenhum não indígena lá”.
O pai de Paulo, José Maria Guajajara, diz estar revoltado com a demora do julgamento. “Está demorando demais. Não vão resolver esse caso não?”, disse à Mongabay em uma mensagem de voz. ”É doído demais a gente perder um filho. É ruim demais. Eu não paro de chorar, nem a mãe dele também, quando a gente lembra dele”.
José Maria reclama da falta de justiça para os povos indígenas. “Nós, índios, quando morremos não tem a justiça. A justiça nunca resolveu nenhum caso, como os outros parentes que morreram também. Não tem nenhum preso”. Também diz que quer conversar com as autoridades porque o caso de Paulo “não pode ficar de graça”.
Já Falcão, o procurador, afirma: “Infelizmente, o tempo da burocracia não é o tempo das vítimas, que é o tempo mais rápido possível”. Ele explica que, para esse caso específico, a mudança de juiz e o ritmo “lento” do tribunal no Maranhão – diferente da Justiça Federal em Pernambuco, onde ele mora – deixaram o processo ainda mais moroso. Aliás, Falcão está conduzindo o caso de Paulo porque é um dos poucos procuradores federais especializados em júri popular federal.
Assim que o pagamento do laudo antropológico for acertado, diz Falcão, os advogados dos dois acusados serão notificados para apresentar suas perguntas para o perito encarregado do mesmo, pois eles têm o direito de participar da produção da prova. “O perito vai trabalhar para o juiz, então tem que ouvir tanto um lado quanto o outro”, disse ele à Mongabay em uma entrevista por telefone.
Uma vez concluída essa fase, o julgamento poderá finalmente ser agendado, acrescenta Falcão. Como já existe uma lista federal de jurados, as etapas seguintes serão o sorteio dos jurados e a convocação das partes para comparecerem ao júri e indicarem as provas que desejam utilizar durante a sessão plenária – como testemunhas, documentos e vídeos, entre outros. O procurador estima que o julgamento ocorra no primeiro semestre de 2025.
“As coisas para nós na Arariboia são muito difíceis”, diz Laércio, sobrevivente do atentado de 2019. “Mas continuo aqui, guerreiro, sempre”.
Imagem do banner: Em 1º de novembro, um grupo de 18 Guardiões e Guardiãs da Floresta foi pela primeira vez ao local do assassinato de Paulo Paulino Guajajra para honrar sua memória e exigir justiça para ele e para todos os Guajajara que perderam a vida defendendo a Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Imagem cortesia da Associação Indígena Ka’aiwar dos Guardiões da Floresta da Terra Indígena Arariboia.
A Associação Indígena Ka’aiwar dos Guardiões da Floresta da Terra Indígena Arariboia recebe doações para a construção da escola com o nome de Paulo Paulino Guajajara. A associação, criada três anos após o assassinato de Paulo, também recebe doações para a proteção da Terra Indígena Arariboia.
Karla Mendes é repórter investigativa da Mongabay no Brasil e é membrodo Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. Ela é a primeira brasileira e latinoamericana eleita para a diretoria da Society of Environmental Journalists (SEJ), dos Estados Unidos, onde ela também foi eleita Vice-Presidenta de Diversidade, Equidade e Inclusão. Leia outras matérias publicadas por ela na Mongabay aqui. Encontre-a no Instagram, LinkedIn, Threads, 𝕏 e Bluesky.