A administração Bolsonaro aprovou 152 novos agrotóxicos para uso no Brasil nos primeiros 100 dias de governo, um recorde para um período de tempo tão curto, enquanto outras 1.300 solicitações para autorização de empresas transnacionais aguardam ação. A maioria das solicitações são de empresas americanas, alemãs e chinesas.
O Brasil já é o maior usuário de agrotóxicos do mundo e tem um problema de envenenamento por agrotóxicos reconhecido, com 100 mil casos relatados anualmente, e provavelmente muitos não relatados. A Ministra da Agricultura Tereza Cristina nega que o aumento acelerado no número de agrotóxicos cause qualquer problema ambiental ou de saúde sério.
Agrotóxicos recentemente autorizados este ano foram o fungicida mancozebe (proibido quase que totalmente no Canadá), o agrotóxico sulfoxaflor (associado ao distúrbio do colapso das colônias de abelhas) e o inseticida clorpirifós (banido nos EUA em 2018 e associado a problemas de desenvolvimento em crianças).
O controle dos ramos executivo e legislativo do governo federal brasileiro pelo lobby da bancada ruralista significa que é muito provável que a PL 6299/2002 (conhecida como “pacote do veneno” pelos críticos) seja votada ainda este ano. A legislação desregulamentará ainda mais o processo de aprovação para agrotóxicos.
Com o lobby ruralista atualmente no controle dos principais setores do governo federal, o Brasil está aprovando rapidamente novos agrotóxicos para uso, alguns dos quais são desnecessários e excessivamente tóxicos, segundo críticos. Durante os primeiros 100 dias da administração de Jair Bolsonaro, o Ministério da Agricultura autorizou o registro de 152 agrotóxicos, colocando o Brasil em vias de autorizar mais agrotóxicos este ano do que qualquer ano anterior. O Brasil já é o maior usuário de agrotóxicos do mundo.
O número de agrotóxicos autorizados a cada ano vem aumentando rapidamente, de 139 em 2015 sob a administração de Dilma Rousseff, para 450 em 2018 sob o governo de Michel Temer (veja o gráfico). Espera-se que um número ainda maior entre no mercado brasileiro este ano, já que o Ministério da Agricultura considera o registro de aproximadamente 1.300 agrotóxicos. A maioria dessas solicitações vem de empresas multinacionais estrangeiras, sediadas principalmente nos Estados Unidos, Alemanha e China, que está se tornado um fornecedor cada vez mais importante.
Governo pró-agrotóxicos versus ambientalistas
Apesar do rápido aumento das autorizações, a Ministra da Agriculta, Tereza Cristina, disse que “não há uma liberação generalizada” de registros de novos agrotóxicos. De acordo com seu ministério, os produtos darão aos agricultores apenas uma maior escolha de agrotóxicos existentes e acesso a novos produtos químicos e não há motivo para preocupação: “O uso [de agrotóxicos] é totalmente seguro, contanto que seja aplicado conforme instruções, dentro de um contexto de boas práticas agrícolas e com o uso de equipamento de proteção individual,” disse o governo.
Eventos ocorridos no Brasil parecem negar a veracidade das alegações de Cristina. O Brasil tem o maior consumo per capita de agrotóxicos do que qualquer outro país do mundo (7,3 litros por ano por pessoa) e já enfrenta um problema sério com envenenamentos por agrotóxicos.
De acordo com Guilherme Franco Netto, especialista em meio-ambiente, saúde e sustentabilidade da Fundação Oswaldo Cruz, uma das maiores instituições de pesquisa em saúde pública do mundo, cerca de 100 mil casos de envenenamento por agrotóxicos são registrados por ano no Brasil. De acordo com Alan Tygel, membro da Campanha Permanente contra Agrotóxicos e em Prol da Vida, esses números subestimam seriamente a situação real, já que muitos trabalhadores rurais não conseguem relatar os envenenamentos por agrotóxicos.
Em julho de 2018, a organização de direitos humanos, Human Rights Watch, publicou um relatório documentando envenenamentos agudos em sete locais do Brasil, incluindo escolas, comunidades indígenas e quilombolas.
“Agrotóxicos pulverizados em grandes plantações intoxicam crianças em salas de aula em várias partes do Brasil,” explicou Richard Pearshouse, diretor assistente do departamento ambiental e de direitos humanos da Human Rights Watch. Mas o relatório descobriu que muitos habitantes locais estavam muito assustados para se pronunciar: em cinco das sete comunidades atingidas, as pessoas diziam que estavam com medo de sofrerem represálias se reclamassem. Em 2010 um agricultor foi morto a tiros após pressionar um governo local para proibir a pulverização aérea de agrotóxicos, prática de aplicação comum no Brasil, apesar de a possibilidade de que vapores tóxicos carregados pelo ar atingirem comunidades e áreas rurais próximas.
Formulações recentemente aprovadas são preocupantes
Muitas das solicitações que foram aprovadas este ano estão relacionadas a novas formulações de agrotóxicos já autorizados. Murilo Souza, da Universidade Estadual de Goiás, explicaque: “Assim que o fabricante inicial perde a patente, outras empresas começam a solicitar o registro para que possam usar os [mesmos] ingredientes ativos para produzir novos produtos agrícolas.”
Leonardo Melgarejo, vice-presidente da Associação de Agroecologia do Brasil, acredita que essa prática é prejudicial e que levará, inevitavelmente, a um grande aumento no consumo do país: “Estamos aprovando muitas variações dos mesmos agrotóxicos… Estamos caminhando em direção a uma situação que os agricultores poderão se “automedicar”, com duas lojas de agrotóxicos em cada quarteirão.” Poucas pesquisas foram feitas para mostrar como centenas de vários agrotóxicos podem interagir e acabarem se tornando mais prejudiciais.
A enxurrada de novas aprovações também está facilitando o acesso dos agricultores brasileiros a pesticidas tóxicos, com o qual a comunidade global tem sérias considerações. Um desses casos é o do 2,4D, um ingrediente ativo do controverso desfolhante Agente Laranja, usado pelo Exército dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã e cujo uso está sendo cada vez mais controlado em outros países, depois que a Agência Internacional para Pesquisa sobre o Câncer (International Agency for Research on Cancer, IARC) da Organização Mundial da Saúde classificou-o em 2015 como “possivelmente carcinogênico para humanos”
A última leva de autorizações do Ministério da Agricultura que ocorreu em 10 de abril, deu permissão para 31 produtos por meio de um decreto federal oficial (Lei 24), incluindo três novas formulações do 2,4-D solicitadas por fabricantes e distribuidores multinacionais de agrotóxicos. Uma solicitação veio da empresa chinesa, Rainbow Defensivos Agrícolas, enquanto as outras duas foram iniciadas pela Dow AgroSciences para que formulações sejam fabricadas na África do Sul e exportadas ao Brasil.
Essas novas autorizações brasileiras ocorreram em um momento em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul estava realizando uma investigação em uma alegação feita pelo Instituto Brasileiro de Vinhos (IBRAVIN) de que no ano passado o estado perdeu um terço de suas lavouras de uva decorrentes de uma pulverização aérea de agrotóxicos contendo 2.4-D. Os agricultores pulverizam esse agrotóxico antes de semearem a soja na mesma época em que videiras, macieiras e oliveiras estão florescendo, e quando a pulverização pode ser disseminada facilmente para fazendas vizinhas.
“Os dados da nossa pesquisa [que mostraram uma perda de quase um terço da colheita de uvas] é um número conservador, pois se baseia em informações fornecidas espontaneamente por agricultores,” disse Helio Marchioro da IBRAVIM. Na realidade, os próprios vinicultores estão solicitando uma proibição ao 2.4-D, mesmo com a administração Bolsonaro aprovando novas formulações desse agrotóxico.
Agrotóxicos controversos aprovados para uso no Brasil pela primeira vez
Vários dos agrotóxicos autorizados este ano serão totalmente novos ao Brasil. Alguns já foram classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como “extremamente tóxicos.” Eles incluem: o mancozebe, um fungicida de amplo espectro usado em agricultura e horticultura; o fungicida fluazinam; e o inseticida clorpirifós. Em 2018, a Agência regulatória de Controle de Pestes (Pest Management Regulatory Agency, (PMRA) proibiu o uso do mancozebe no Canadá, exceto para uso foliar em batatas, devido aos “riscos inaceitáveis à saúde humana.” A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (US Environmental Protection Agency, EPA) estava preparada para proibir o uso do clorpirifós em 2018, depois de sua associação a distúrbios do desenvolvimento em crianças; no entanto, essa possível proibição está sendo agora contestada judicialmente.
Um produto químico particularmente controverso e recentemente aprovado é o sulfoxaflor. Acredita-se que esse agrotóxico foi um dos muitos que causou um surto no Brasil de distúrbio do colapso de colônia de abelhas, um desaparecimento súbito catastrófico de abelhas operárias, levando à morte das colmeias. De acordo com uma pesquisa realizada pela Agência Pública e pelo Repórter Brasil, meio bilhão de abelhas foram encontradas mortas em quatro estados brasileiros no primeiro trimestre de 2019, uma morte espantosamente grande que impõe uma ameaça à polinização de frutas e vegetais e à vegetação nativa.
Porém, em uma conferência de imprensa de 9 de abril, A Ministra da Agricultura Cristina parece desconhecer que o Brasil já autorizou o sulfoxaflor. Ela disse então: “O problema com as abelhas é que um produto chamado sulfoxaflor foi usado. Ela [a toxina] não está registrada no Brasil.… Provavelmente entrou no Brasil ilegalmente e está sendo usada incorretamente e, portanto, causou a morte das abelhas.” De fato, o sulfoxaflor foi autorizado no final no ano passado pela administração Temer, embora o decreto oficial tenha sido expedido apenas em janeiro deste ano sob a administração Bolsonaro.
O sulfoxaflor é classificado pela ANVISA como “medianamente tóxico”, mas essa avaliação é questionada no exterior. A Dow Chemical desenvolveu inicialmente o sulfoxaflor como uma alternativa mais segura aos neonicotinoides, conhecidos por serem prejudiciais às abelhas. Foi inicialmente aprovado pela EPA dos EUA em 2013, decisão revogada em 2015 quando estudos descobriram que o sulfoxaflor também era perigoso para abelhas. Hoje, o sulfoxaflor ainda pode ser usado nos EUA, mas somente em circunstâncias restritas.
Desregulamentação de agrotóxicos a caminho
O ativista ambiental Alan Tygel acredita que o aumento rápido no número de autorizações de agrotóxicos está diretamente ligado ao poder crescente do lobby da bancada ruralista no Congresso. Ele comentou que esse lobby criou o suporte para o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016, já que dependia do respaldo do governo para as medidas pró-agronegócio. “Dali em diante, a contramedida que veio dos setores progressistas, da agricultura familiar e da agroecologia, foi perdida e hoje a agenda ruralista enfrenta menos obstáculos na sua caminhada para obter mais agrotóxicos aprovados e impor mais leis permissivas,” disse Tygel. A campanha presidencial de Bolsonaro beneficiou-se muito do suporte ruralista e ajudou consideravelmente o ex-capitão do Exército a vencer em outubro do ano passado.
O próximo objetivo da agenda ruralista (leis mais permissivas) pode obter um grande estímulo este ano com a aprovação no congresso da PL 6299/2002, batizada de “pacote do veneno” pelos críticos. A legislação, que vai desregulamentar bastante os agrotóxicos, foi aprovada pela comissão da Câmara dos Deputados em junho de 2018 e agora aguarda debate em plenário. O governo Temer justificou a lei, apresentada ao Congresso pelo então Ministro da Agricultura e ruralista consagrado, Blairo Maggi, reivindicando que o país precisava desesperadamente simplificar o processo complicado para obter novas autorizações de agrotóxicos a fim de ajudar os agricultores.
Mas Castro Moreira, presidente da prestigiosa Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), representando mais de 100 sociedades científicas, discordou expressivamente. Ele disse na época que a lei “pode ter consequências muito graves para a saúde da população brasileira e para o meio-ambiente.… Sua aprovação seria um retrocesso, porque segue a lógica da agricultura mecanizada, com grandes investimentos em fertilizantes e agrotóxicos, o que é uma forma ultrapassada de pensar da época da Segunda Guerra Mundial.”
A atual Ministra da Agricultura, Cristina, é uma forte apoiadora da PL 6299/2002, mas certamente haverá oposição à aprovação da lei, mesmo que provavelmente seja difícil para a oposição bloquear a medida. Os ruralistas nunca tiveram um controle tão forte nos setores legislativo e executivo, e parecem determinados a pressionar a agenda do agronegócio.
Ao final dos 100 dias de gestão do Presidente Bolsonaro (fechamento da matéria), sua popularidade está caindo rapidamente, com 30% da população já avaliando sua administração como “muito ruim” e os mercados acreditando que o governo está se tornando instável. No entanto, essa própria percepção de crescimento de incertezas parece ter feito com que os ruralistas apenas continuem com a urgência. Enquanto isso, ambientalistas e especialistas em alimentos continuam a alertar a nação sobre as repercussões na saúde e no meio-ambiente relacionados ao uso desregulamentado de agrotóxicos no Brasil – provavelmente a permissividade logo ultrapassará aquela vista entre outras grandes nações agrícolas.