No dia 14 de dezembro, a FUNAI, Fundação Nacional do Índio, apoiada pelos órgãos de segurança pública, lançou uma operação para retirar invasores – ladrões de terras, madeireiros ilegais, mineiros e pecuaristas – da reserva indígena do Rio Pardo, no estado de Mato Grosso. Isso possivelmente ocorreu porque a FUNAI espera que o Presidente Bolsonaro restrinja tais incursões no futuro.
A reserva foi estabelecida em 2016, após um esforço de 15 anos pela FUNAI para fosse reconhecida. O território abrange 411.848 hectares e destina-se a proteger as terras ancestrais dos Kawahiva, uma pequena tribo indígena que ainda vive lá.
Dando uma reserva aos Kawahiva foi controverso desde o início, e fortemente oposto por madeireiros e pelo agronegócio, que negaram a existência dos Kawahiva. Desde então, expedições da FUNAI já filmaram os Kawahiva, provando que eles de fato continuam a habitar o território.
Os funcionários da FUNAI temem que a administração Bolsonaro se recusará a demarcar a reserva Kawahiva do Rio Pardo, e possivelmente até tentará aboli-la. Grupos indígenas em todo o Brasil dizem que se o governo se recusar a concluir o processo de demarcação de numerosas reservas indígenas, e tentar dissolver alguns dos territórios, eles resistirão.
A Fundação Nacional do Índio, FUNAI, apoiada por policiais federais e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, IBAMA, empreendeu uma operação conjunta em 14 de dezembro de 2018 para remover invasores – incluindo ladrões de terras, madeireiros ilegais, mineiros e pecuaristas – de terras pertencentes a um pequeno grupo indígena isolado no estado de Mato Grosso que quase estão à beira de extinção com a invasão do agronegócio às suas terras.
O ataque do fim de 2018 pode ter sido incitado pelo medo de funcionários da FUNAI de que tais operações poderiam revelar-se muito mais difíceis de organizar em 2019, uma vez que o político de extrema direita, Jair Bolsonaro, se tornasse presidente. Se esse foi o caso, tais suspeitas eram provavelmente justificadas – em seu primeiro dia no cargo, Bolsonaro transferiu a responsabilidade da demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura. De acordo com analistas, parece muito improvável que operações federais similares ocorrerão no governo Bolsonaro.
Acredita-se que o grupo indígena em isolamento que a FUNAI tentou proteger contém apenas algumas dezenas em número. Eles são os últimos sobreviventes do povo Kawahiva um dos numerosos grupos de indígenas falantes de Tupi-Kawahib que uma vez ocuparam vastas extensões da floresta amazônica.
Depois de repetidos ataques durante décadas por madeireiros, mineradores de ouro e pecuaristas, o grupo desistiu de seu modo de vida anterior (prática da agricultura coivara, plantio de mandioca e milho), e desde então se tornaram caçadores e coletores, de modo que pudessem fugir mais rapidamente para dentro da floresta quando intrusos chegassem. Eles deixaram claro repetidas vezes que não querem mais contato com a sociedade industrial invasora.
No caminho do “arco do desmatamento”
A FUNAI tem lutado persistentemente para que os Kawahiva tenham um território protegido que os proteja de ataques. Em 2001, a agência iniciou o longo e burocrático processo de criação de uma reserva em suas terras tradicionais no noroeste do estado de Mato Grosso, perto da fronteira leste de Rondônia e a fronteira norte do estado de Amazonas.
Mas esta terra está dentro do chamado “arco do desmatamento”, uma vasta curva arrebatadora no formato de uma lâmina de foice que vai de leste a oeste através da bacia do sul do Amazonas. Ao norte deste limite encontra-se a floresta amazônica que pela maior parte se mantém intacta; ao sul do arco, grande parte da floresta foi desmatada para a madeira, em seguida queimada para a criação de pasto para gados e depois limpada e convertida em campos de plantação de soja. O arco não é estacionário, visto que está se movendo para o norte para alimentar a fome econômica de madeireiros ilegais, mineradores, pecuaristas e produtores de soja.
Essa chamada “fronteira econômica” ou “fronteira do agronegócio” é também uma das áreas mais violentas do Brasil e tem repetidamente registrado a maior taxa de desmatamento ilegal da Amazônia. É um território altamente desejável para o avanço dos pecuaristas e do agronegócio, pois o terreno é plano e o clima é relativamente ameno. Os mercados também são acessíveis, especialmente após a construção da rodovia MT-206 na década de 1980, que liga a cidade próxima Colniza com Cuiabá, a capital do Mato Grosso. A região também possui uma quantidade considerável de madeira valiosa, além de riqueza mineral.
A tentativa da FUNAI de estabelecer uma reserva Kawahiva teve forte oposição. Madeireiros, pecuaristas e fazendeiros fizeram campanhas para impedir que a terra fosse entregada, alegando que o pequeno grupo de raramente avistados Kawahiva não existia. No início, foi difícil para a FUNAI justificar seus esforços, pois tinham pouca evidência da presença do grupo, apenas relatos de avistamentos.
Mas em 2005, expedições FUNAI descobriram vestígios de recentes acampamentos temporários e armadilhas de animais construídos pelos Kawahiva. O debate sobre se o grupo indígena existia ou não parecia ter acabado. A polícia federal e o IBAMA tomaram medidas, prendendo 35 pessoas acusadas de roubo de terras e desmatamento ilegal, e a situação tornou-se menos cheia de conflitos.
Jair Candor, que trabalha no departamento da FUNAI que protege grupos isolados e que passou 20 anos lutando pela criação de um território Kawahiva, disse que nessa época ele finalmente teve esperança.
Mas a trégua não continuou.
“Tudo se acalmou até cerca de 2012”, Candor disse. “Mas desde tudo se transformou em um inferno, principalmente porque os madeireiros e ladrões de terra estão mais uma vez invadindo a área.”
Apoiadores indígenas repetidamente apelaram ao governo por ação, mas não houve resultado. Ivar Busatto, da Operação Amazônia Nativa (OPAN), uma ONG, estava desesperado: “Os rancheiros querem ganhar dinheiro e simplesmente ocupam a terra. Em termos gerais, o Mato Grosso é um estado onde os invasores ainda usam força bruta: chegam, desflorestam e ocupam, tudo ilegalmente.” Os funcionários geralmente não reagem em resposta: “O governo tomou muito poucas ações para controlar, monitorar ou impor algum tipo de ordem sobre a ocupação”, disse Candor.
Avanço e depois colapso
Em 2015, uma equipe da FUNAI conseguiu capturar em vídeo um encontro casual com os Kawahiva, tornando a sua existência irrefutável. Mas ruralistas teimosamente alegaram que a filmagem era uma farsa. Candor começou a perder as esperanças: “Eu não sei o que mais posso fazer”, ele disse no início de 2016. “Eu fiz tudo que consegui pensar para provar que esse povo [Kawahiva] existe. Fizemos relatórios, tiramos fotos, filmamos. Mas não conseguimos resolver a situação. Teremos que sequestrar os índios e levá-los para Brasília para convencer as pessoas de que eles existem?”
Então houve um aparente avanço. Nos dias finais da administração Dilma Rousseff, a FUNAI aproveitou a confusão política durante o processo de impeachment e publicou estudos identificando as fronteiras de quatro novas reservas indígenas. Um deles era o território indígena Kawahiva do rio Pardo, cobrindo 411.848 hectares. Após uma luta de 15 anos, o território foi finalmente demarcado.
Desde então, a FUNAI tem lutado para que as fronteiras da terra sejam devidamente marcadas, estabelecendo oficialmente o território indígena. Em 2018, apesar da dificuldade de chegar a áreas remotas, a agência enviou equipes para registrar ocupações ilegais e realizou 14 expedições para evitar novas invasões ilegais de terras. “A defesa do território é fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas isolados”, explicou Geovânio Pantoja Katukina da FUNAI.
O antropólogo Gilberto Azanha, que escreveu o relatório da FUNAI que define as fronteiras da nova reserva do rio Pardo, acredita que os Kawahiva devem voltar ao seu modo de vida tradicional, com base na agricultura itinerante, se eles sobreviverem. Mas isso só pode acontecer se a terra deles estiver protegida. “Se o estado brasileiro fornecer a segurança necessária, temos certeza de a população Kawahiva do rio Pardo vai se recuperar, como aconteceu com os Zo’é no estado do Amapá”, ele disse.
O Fator Bolsonaror
As expectativas para os Kawahiva debaixo da nova administração Bolsonaro não são nem um pouco encorajadoras, segundo o poder que o novo presidente já concedeu ao Ministério da Agricultura, permitindo-lhe desempenhar um papel fundamental na política indígena e na demarcação.
Damares Alves, encarregada do novo Ministério da Mulher, da Família de dos Direitos Humanos, que está assumindo a FUNAI, já disse que estará repensando as prioridades da agência: “temos de ver se essa política de isolamento é a melhor política para o índio”. Bolsonaro expressou repetidamente a opinião de que as reservas indígenas devem ser reduzidas em tamanho, ou até mesmo dissolvidas, incentivando os povos indígenas a possuir pequenas parcelas de terra individualmente e serem absorvidos pela sociedade moderna.
Mas alguns especialistas veem este plano como semelhante ao etnocídeo, destrutivo da cultura indígena, especialmente com base no recorde chocante do Brasil em relação aos direitos indígenas. A Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes cometidos durante a ditadura militar do Brasil (1964-1988), estimou que 8.350 indígenas morreram em decorrência de violência ou negligência durante o regime.
De fato, a FUNAI elaborou as políticas que segue hoje a fim de garantir que a agência nunca repita maus comportamentos passados. Funcionários do departamento da FUNAI que protegem os grupos indígenas isolados estão profundamente preocupados com o fato de que esses avanços na política da agência podem ser desfeitos, com uma reversão às regras operacionais passadas. Em 13 de dezembro, eles publicaram um manifesto que apontou que as atuais políticas da FUNAI baseiam-se em princípios consagrados na Constituição de 1988 do Brasil, elaborada depois que os militares saíram do governo.
A política de não fazer contato com grupos isolados, eles escrevem, garante especificamente que a agência não repita “experiências trágicas de genocídio passadas”.
As comunidades indígenas brasileiras de hoje estão muito mais bem preparadas, mais organizadas politicamente e vocalizam mais suas opiniões do que durante os anos da ditadura militar. Sônia Gujajajara, uma de uma nova geração de mulheres indígenas líderes, declarou que a demarcação de terras é crucial para os direitos e a sobrevivência dos indígenas: “no Brasil tem havido uma decisão política de não demarcar as terras indígenas e, com isso, vocês condenam toda uma população ao extermínio”. Isto os povos indígenas não aceitarão, Gujajajara declarou enfaticamente.
Muitos analistas estão profundamente apreensivos de que a retórica hostil e a inclinação inflexível exibida por Bolsonaro, juntamente com as potenciais ações de sua nova administração, possam colidir com a determinação inabalável de grupos indígenas que desejam manter suas identidades e suas terras tradicionais. A esperança é de que um meio-termo pode ser alcançado, evitando conflitos violentos.
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