Espera-se que o bloco comercial do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, e Uruguai) e a União Europeia concluam as negociações comerciais e aparem as arestas do acordo comercial até o final do ano.
O pacto incluirá históricas cláusulas de proteção aos direitos indígenas que visam proteger esses grupos da violência, do roubo de terras e de outras violações aos direitos civis.
As garantias de direitos humanos firmadas no acordo comercial, se violadas, podem resultar em boicotes comerciais, e têm particular importância para grupos indígenas do Brasil, onde o lobby do agronegócio, exercido pela bancada ruralista, tem grande influência política.
A elite ruralista brasileira vem se dedicando à décadas a alienar não só os direitos de grupos indígenas mas suas terras ancestrais. Sob a administração de Temer, que apoia fortemente à pauta ruralista, a violência de grandes agricultores e grileiros tem aumentado exponencialmente.
Historicamente, negociadores de comércio internacional não costumam ser fortes defensores dos direitos indígenas e ambientais. Por essa razão, os formuladores de políticas estão considerando um sucesso monumental a inclusão de garantias de direitos humanos indígenas no grande acordo comercial que, recentemente, está sendo finalizado entre a América Latina e a Europa.
Pela primeira vez, cláusulas de direitos humanos – especificamente voltadas aos indígenas – serão incluídas em um acordo comercial entre o bloco de comércio do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a União Europeia. Isto quem afirma é Francisco de Assis, presidente da Delegação pelas relações com o Mercosul junto ao Parlamento Europeu, palestrante na reunião em Bruxelas de 20 de novembro de 2017.
A delegação foi conduzida pela Organização das Nações e Povos Não Representados (do inglês Unrepresented Nations and Peoples Organization – UNPO), e entre os participantes estavam os membros do Parlamento Europeu, Marisa Matias e Francisco Assis; líderes do grupo indígena brasileiro Guarani-Kaiowá, Inaye Lopes Gomes e Daniel Lemes Vasques; juntamente com os políticos brasileiros, Janete Capiberibe e Paulo Fernando dos Santos.
O gerente de projetos da UNPO, Lukas van Dierman disse a Mongabay que no momento a União Europeia oferece apoio sem precedentes aos direitos indígenas, que passam a ser reconhecidos neste revolucionário acordo comercial trans-continental.
A avaliação de impacto sobre a sustentabilidade do pacto comercial entre União Europeia e o Mercosul inclui a consulta à grupos indígenas, embora o Parlamento Europeu tenha afirmado que qualquer acordo definitivo deve incluir “direitos humanos e direitos fundamentais”.
No início deste ano, Membros do Parlamento Europeu (deputados) oriundos de vários partidos políticos assinaram uma carta, pedindo uma investigação sobre supostos maus-tratos contra os indígenas durante recentes protestos no Brasil. No ano passado, o Parlamento Europeu também aprovou a resolução 2016/2991(RSP), instigando especificamente o governo brasileiro a impor os direitos humanos dos Guarani-Kaiowá. Os deputados abriram um ‘grupo de amigos’ informal, para a realização de eventos, condução de missões de averiguação bem como a elaboração de questionamentos parlamentares orais e escritos em apoio aos Guarani-Kaiowá, que foram privados da maior parte de suas terras ancestrais no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil.
O pior cenário prevê embargos comerciais contra o Brasil, caso não sejam observados os direitos humanos previstos no acordo comercial UE-Mercosul. Se houverem quebras de cláusulas, cidadãos europeus podem escrever para seus deputados exigindo a responsabilização de governos nacionais. Visto o precedente histórico “estabelecido pelo frequente sacrifício” das “vidas e dignidade” de indígenas “em nome do desenvolvimento econômico”, afirma Dierman.
Segundo ele, o acordo comercial UE-Mercosul, é o que dá esperança aos Guarani-Kaiowá e a outros povos indígenas apesar dos intensos ataques políticos, e por vezes físicos, contra grupos indígenas no Brasil – de acordo com declaração das Nações Unidas em Junho.
Esse otimismo, no entanto, se manifesta em meio a uma escalada de violência. Um relatório, publicado recentemente, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), revelou aumento substancial de ataques a indígenas no Brasil em 2016 com o início do governo Temer, que substituiu o governo de Dilma Rousseff.
Como exemplo, o relatório apresenta um caso no Mato Grosso do Sul em que os Guarani-Kaiowá tentaram recuperar uma pequena parte de suas terras ancestrais, e o líder indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza foi assassinado, e outras cinco pessoas saíram feridas.
Embora haja esperança que o acordo EU-Mercosul ajude a evitar mais violência, aconselha-se “cautela”, afirma Dierman.
O Brasil assinou outros tratados internacionais com pouca repercussão interna.
Na Constituição de 1988, o Brasil prometeu restaurar os direitos à terras ancestrais indígenas, e o fez novamente com a ratificação da Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais (ILO 169) em 2002. Contudo, o governo brasileiro tem protelado e deixado de prosseguir com a demarcação de muitos territórios indígenas conforme requerimento legal. Segundo especialistas, o governo Temer não buscou efetivamente punir os responsáveis pela violência contra os povos indígenas.
A “coisa certa foi dita, todos os direitos constam lá… o problema está na imposição desses direitos,” explica Dierman.
De todos os países do Mercosul, o Brasil é o maior e mais influente ator econômico, é também um país onde muitas terras indígenas foram tomadas pelo agronegócio. Não é de se surpreender que um impasse crucial nas negociações comerciais tenha sido gerado por conta de problemas do agronegócio – especialmente no que tange a carne e soja para exportação proveniente do Mercosul, que é em grande parte cultivada em terras expropriadas de grupos indígenas, muitas vezes ilegalmente.
O lobby do agronegócio no Brasil, a bancada ruralista, recentemente acumulou “grande poder e influência”, diz Dierman, com cerca de 40% do Congresso como parte de suas fileiras. Aliados a outros conservadores, os ruralistas bloquearam três grandes tentativas de impeachment contra o presidente Michel Temer, apesar de ser acusado de corrupção e de ter uma taxa de aprovação de 3.4, índice extraordinariamente baixo. Blairo Maggi, Ministro da Agricultura do governo Temer e um proeminente ruralista, é também alvo de investigação por corrupção.
A administração reduziu o orçamento público e introduziu medidas de austeridade, o que reduziu os serviços administrativos prestados pela administração à população indígena resultando em “asfixia política e econômica,” segundo relatório do CIMI.
O governo promoveu um grande corte no orçamento de 2017 para a Fundação Nacional do Índio, o menor em dez anos, sem planos para “manter e desenvolver” a capacidade institucional de diálogo e conciliação, um modelo seguido pelas administrações anteriores, é o que afirma o CIMI. Uma redução no cumprimento da lei em regiões remotas, e o apoio do governo à pauta ruralista, resultou no fomento em massa à violência contra os indígenas por parte de grandes agricultores e grileiros de elite.
Neste conturbado ambiente político há um “alto risco de que agricultores passem a recorrer à chacina,” afirma Dierman, e prossegue dizendo que o governo deveria estar reduzindo o conflitos ao compensar agricultores pelas terras á época “cedidas a seus avós pelo governo depois de terem sido tomadas dos indígenas.”
Contudo, o governo Temer não está oferecendo tal compensação, e tem efetivamente jogado [proprietários de terras e indígenas] uns contra os outros,” afirma Dierman. Especialistas enfatizam que também houveram violações de direitos indígenas durante a administração anterior de Dilma Rousseff, embora a violência tenha aumentado desde então.
De acordo com Rocio, do Secretariado da Associação de Comércio Internacional, enquanto “são definidas as disposições, espera-se negociações no acordo UE-Mercosul, vigente a 17 anos, por parte de ambos os lados, a serem concluídas este ano.
No entanto, resta saber se o nível de influência comercial da Europa em prol da dos direitos humanos como parte do acordo comercial do Mercosul, será o suficiente para garantir proteções na Amazônia e por todo o Brasil. Mas, segundo Dierman, o pacto comercial, com suas cláusulas pelos direitos humanos indígenas, pode representar “uma última esperança” para os indígenas no Brasil.