Notícias ambientais

Conciliando a agricultura de conservação e a agrofloresta para a sustentabilidade

Palmeira macaúba Credito: © Raoni Silva, INOCAS CC BY 4.0.

  • A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.

  • O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.

  • Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.

Há três regras fundamentais de planejamento financeiro: (1) economizar continuamente, (2) investir em um portfólio diversificado de ativos e (3) ter paciência via uma estratégia de longo prazo. Esse conselho de bom senso está no cerne da Agricultura de Conservação (CA-Conservation Agriculture), uma filosofia de gerenciamento de terras que busca conciliar as tecnologias da agricultura moderna com as práticas antigas da agricultura orgânica. Essas práticas incluem sistemas de várias culturas que minimizam os riscos do clima, das pragas e dos mercados, e a rotação espacial e temporal das culturas. Quando integradas, essas práticas aumentarão a matéria orgânica do solo (carbono), o que melhora a capacidade de retenção de água e o status dos nutrientes dos solos.

Os sistemas agroflorestais são particularmente vantajosos porque as espécies perenes com raízes profundas contribuem para a evapotranspiração, o que favorece a precipitação regional, enquanto os agricultores individuais se beneficiam com a redução dos custos de energia e mão de obra, além de garantir um fluxo de receitas de longo prazo.

O agronegócio não é insensível a conselhos de bom senso, e a maioria dos agricultores diversificou sua escolha de culturas e adotou tecnologias de lavoura mínima. No entanto, eles quase sempre escolhem commodities industriais (soja, milho, sorgo, girassol, algodão) e variedades geneticamente modificadas projetadas para uso com herbicidas. As plantações são quase sempre compostas de espécies exóticas (eucalipto, pinheiro ou gmelina). Algumas entidades corporativas alocaram uma parte de suas terras em um modelo de produção integrada conhecido como ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), um tipo de agrofloresta industrial que busca otimizar os benefícios de três grandes sistemas de produção (lavouras em linha, pecuária, plantações de árvores com espécies arbóreas ou arbustivas, frutíferas, madeiráveis ou adubadoras.). No entanto, a esmagadora maioria dos agricultores de grande escala está encantada (viciada) com os retornos financeiros da monocultura e não é provável que eles mudem seus modelos de negócios.

A intensificação do uso da terra (land sparing) é uma estratégia adotada pelas fazendas corporativas porque geralmente maximiza a lucratividade por hectare. As plantações de árvores proporcionam um retorno atraente quando calculadas ao longo de várias décadas, ao mesmo tempo em que apoiam a evapotranspiração em escala de paisagem, essencial para a manutenção dos regimes de chuvas regionais. Credito: Tarcisio Schnaider / Shutterstock.com.

Os pecuaristas podem ser mais propensos a mudar as práticas de gestão de terras porque têm um excedente de terras subutilizadas que sofreram com a má gestão, conforme evidenciado pelo uso de joint ventures com fazendeiros como estratégia para restaurar pastagens degradadas. No entanto, os pecuaristas (e as pecuaristas) pertencem a uma tradição cultural conservadora que é notoriamente resistente a mudanças. Eles adotarão novas tecnologias, mas somente depois que houver uma demonstração clara de benefícios econômicos, de preferência uma que eles possam observar na propriedade de um vizinho. A grande maioria está violando o Código Florestal, e muitos assumiram o compromisso legal de entrar em conformidade por meio de um mecanismo conhecido como TAC (veja acima). A maioria não cumpriu com esses compromissos devido à fragilidade dos mecanismos de fiscalização, mas isso pode mudar se as futuras obrigações financeiras de ESG forçarem reformas nas cadeias de fornecimento de carne bovina.

A agricultura de conservação, a agrossilvicultura e o reflorestamento são componentes-chave da Agricultura de Baixo Carbono, um programa financeiro inovador administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O banco tem um longo e infeliz histórico de financiamento de projetos de infraestrutura na Amazônia, mas tem o poder financeiro para influenciar o desenvolvimento, pelo menos com o setor corporativo. Em 2021, o BNDES anunciou que lançaria títulos verdes nos mercados de capitais internacionais em colaboração com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); alguns desses recursos seriam usados para financiar projetos dedicados a investimentos do tipo ABC.

Uma oportunidade para os pequenos proprietários

Os pequenos proprietários precisam estar mais dispostos a diversificar seus sistemas de produção e adotar práticas que aumentem a resiliência. A mitigação de riscos é essencial para seus meios de subsistência porque a perda de safra pode levar à fome e à falência. Os pequenos proprietários existem em todas as partes da Pan-Amazônia, inclusive em jurisdições dominadas por grandes proprietários de terras. Dessa forma, melhorar a sustentabilidade dos pequenos proprietários geraria vários benefícios, que vão desde a estabilização dos climas regionais até a melhoria da desigualdade que define a economia rural.

O potencial é maior no Peru e no Equador, onde os pequenos agricultores ocupam mais de noventa por cento das paisagens anteriormente desmatadas. A maioria cultiva alimentos básicos para consumo familiar e para venda a consumidores domésticos, além de um grande número de produtores de café e cacau para mercados internacionais, incluindo uma minoria substancial que recebe um bônus pela adoção de práticas orgânicas. O óleo de palma está se expandindo porque proporciona um fluxo constante de renda mensal, enquanto o conceito de óleo de palma com desmatamento zero está ganhando força nas associações de produtores. As operações de pecuária são primitivas, mas os produtores são adeptos à adoção de novas tecnologias, como evidenciado pela expansão contínua da aquicultura. Recrutar os pequenos agricultores do piemonte andino para buscar uma produção favorável ao clima tem uma boa probabilidade de sucesso, pois se alinha com suas próprias experiências, tradições e aspirações.

A agrossilvicultura é um modelo de produção de compartilhamento de terras (land sharing) em que as culturas florestais são realizadas em combinação ou rotação com cultivos anuais; quando combinados com a conservação da floresta, esses sistemas tendem a ser mais resistentes à seca, às pragas e à volatilidade do mercado, além de fornecerem mais serviços ecossistêmicos quando comparados aos esquemas de intensificação da terra. Credito: Alexandre Laprise / Shutterstock.com.

Da mesma forma, a Bolívia está bem-posicionada para implementar políticas que beneficiem as pequenas propriedades familiares, que ocupam cerca de 35% das paisagens agrícolas criadas pelo desmatamento. Assim como seus pares no Peru e no Equador, os pequenos proprietários bolivianos são agricultores bem-sucedidos, engajados na agricultura comercial e abertos à inovação. Muitos foram atraídos pelo modelo de monocultura de soja, mas responderão a outras opções se elas forem economicamente competitivas.

A situação é mais complicada na Colômbia, onde os camponeses rurais foram envolvidos por cartéis de drogas, grileiros de terras e criadores de gado. A maioria gostaria de ter um meio de vida menos penoso, mas isso exigirá paz e o estabelecimento do estado de direito.

Será um desafio envolver os pequenos proprietários do Brasil porque suas terras foram captadas pelo setor de carne bovina brasileiro. Esses produtores são mais precisamente descritos como pequenos pecuaristas do que como pequenos agricultores. Sua vocação para a pecuária também explica a proporção relativamente baixa de floresta secundária em suas propriedades. Os agricultores tropicais têm pousios florestais, mas os pecuaristas simplesmente convertem tudo em pasto. Eles também tendem a utilizar os remanescentes florestais ao longo do tempo. Os municípios dominados por pequenos fazendeiros no Acre, Rondônia e Pará são todos caracterizados por uma superabundância de pastagens e uma ausência quase total de outros sistemas de produção.

No Brasil, a proporção de floresta remanescente em pequenas propriedades (polígonos azuis) varia muito. Acima: Em Teixeirópolis (RO), as pastagens degradadas cobrem cerca de 90% da área e os cursos d’água não têm corredores florestais. No meio: Em Altamira (PA), os remanescentes florestais são mais abundantes e as pastagens são menos sobre pastoreadas, mas há pouca evidência de sistemas agroflorestais. Embaixo: Em São Luiz (RR), a floresta nativa predomina e o pousio florestal é proeminente (a), mas o desmatamento contínuo continua a reduzir a cobertura florestal. Fonte (todas as três imagens): Google Earth.

Felizmente, há exceções que mostram um caminho diferente para os pequenos produtores no Brasil. Os municípios próximos às áreas urbanas são uma importante fonte de alimentos básicos e frutas tropicais. Em toda a região, essa produção representa cerca de oitenta por cento das receitas não provenientes da carne bovina, muito mais do que o valor relatado para as culturas comerciais que são cultivadas em regiões com programas específicos de apoio aos produtores: café (Rondônia), cacau (ao longo da BR-230 no Pará), dendê (nordeste do Pará) e pimenta-do-reino (mais extensamente no Pará). Assim como na Amazônia andina, a aquicultura poderia revitalizar o setor de pequenos produtores; no entanto, ela exige um investimento de capital significativo e conhecimento diferente dos sistemas tradicionais de pecuária. Os pequenos pecuaristas não podem mudar para a aquicultura sem assistência de extensão e acesso a crédito.

O potencial de revitalização da produção de pequenos agricultores poderia se beneficiar do mercado em expansão do açaí, o produto alimentício mais valioso do Brasil amazônico (depois da soja e do milho). A maior parte da colheita atual é originária de reservas naturais intensamente manejadas, localizadas em territórios comunais. Em breve, a demanda global ultrapassará a capacidade das populações naturais e, eventualmente, seus consumidores pressionarão por mudanças nas cadeias de suprimentos que atualmente dependem do trabalho infantil e da superexploração das reservas naturais. Quando isso acontecer, o setor de açaí mudará para plantações cultivadas.

Felizmente, a Embrapa desenvolveu um pacote tecnológico para o cultivo de açaí em paisagens de terras altas usando tecnologia de irrigação, e os agricultores de classe média perto de Belém estão cultivando a palmeira há mais de uma década. A transição para o cultivo, que é inevitável, poderia revitalizar as paisagens de pequenos agricultores em toda a Amazônia Central. O modelo de produção também poderia ser exportado para as áreas de alta pluviosidade da Amazônia Andina.

O sucesso do açaí destacou o potencial de outros frutos de palmeiras com valor nutricional único ou com capacidade inata de produzir grandes volumes de óleo vegetal. A maioria tem mercados emergentes baseados na exploração de populações naturais, mas também são candidatas à domesticação e à incorporação em sistemas agroflorestais.

Na Amazônia ocidental, isso inclui o patauá (Oenocarpus bataua) e o buriti (Mauritia flexuosa), que, como o açaí, são adaptadas a áreas de alta pluviosidade e habitats pantanosos. No sul da Amazônia, a macaúba (Acrocomia aculeata), uma espécie de savana adaptada a solos de terras altas, poderia ser facilmente integrada às operações de produção de carne bovina para grandes e pequenos fazendeiros.

As políticas que ajudam os pequenos proprietários a investir em sistemas de produção baseados em árvores poderiam restaurar a evapotranspiração em paisagens estrategicamente localizadas na Pan-Amazônia.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).

Leia as outras partes extraídas do capítulo 4 aqui:

Exit mobile version