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O programa Terra Legal para regularizar pequenos proprietários

Vista aérea da floresta tropical brasileira e o mar à distância. Crédito: Rhett A. Butler.

  • A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.

  • O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.

  • Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.

A necessidade de acelerar a regularização dos títulos de propriedade de pequenos proprietários motivou o programa Terra Legal, que enviou equipes de topógrafos a municípios selecionados para acelerar o processo para propriedades rurais estabelecidas antes de 2004. A meta inicial era analisar e certificar 300.000 pequenas propriedades em 463 municípios; no entanto, o programa coletou dados sobre apenas 117.000 propriedades rurais e emitiu menos de 23.000 registros de CCIR. Até junho de 2021, nenhuma dessas propriedades recentemente registradas foi incorporada aos bancos de dados do SIGEF disponíveis no portal público do INCRA.

Embora o sistema Terra Legal tenha falhado significativamente em aumentar a inscrição de pequenos proprietários no SNCR, ele demonstrou como um esforço conjunto pode resolver possíveis conflitos entre vizinhos e obter impactos em escala ao envolver toda uma comunidade. Essa experiência será replicada no Titula Brasil, uma iniciativa lançada em 2021 pelo governo Bolsonaro, que delegará a maior parte das tarefas administrativas e técnicas de mensuração de propriedades aos recém-criados Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF). Esses escritórios devem funcionar como unidades descentralizadas do INCRA e, assim como o Terra Legal, priorizar a assistência aos pequenos proprietários.

A paisagem florestal adjacente à BR-319 ao sul do rio Amazonas, perto de Manaus, está praticamente intacta quarenta anos após a construção dessa rodovia federal; no entanto, várias reivindicações de terras foram regularizadas (polígonos brancos) e outras foram inscritas no Cadastro Ambiental Rural (polígonos vermelhos). Fonte dos dados: Google Earth e INCRA (2020).

O programa Titula Brasil terá como alvo inicial as aproximadamente 430.000 famílias que residem nos 3.000 assentamentos do tipo PA do INCRA; no entanto, esses escritórios municipais estarão abertos a outros proprietários de terras de pequeno e médio porte. De acordo com o censo agrícola do IBGE, há pelo menos 680.000 propriedades menores que 100 hectares na Amazônia Legal, enquanto os dados derivados do CAR indicam que o número localizado fora do sistema de PA pode chegar a 500.000.

A Lei da Grilagem

O esforço para resolver o atraso na regularização de pequenas fazendas esbarra, infelizmente, na luta para acabar com a grilagem de terras. Representantes do Congresso afiliados a grupos conservadores, geralmente chamados de bancada ruralista têm pressionado constantemente por uma abordagem regulatória que emitiria certificados CCIR para milhares de fazendeiros de médio e grande porte com documentos de posse de terra problemáticos. Iniciativas de políticas anteriores, especialmente uma lei de terras aprovada em 2009, incluíam medidas que reconheceriam a legalidade de propriedades de terra estabelecidas nas décadas de 1990 e 1980, quando as regras de aquisição de terras eram aplicadas de forma negligente. No entanto, os defensores ambientais e sociais caracterizaram a lei como uma anistia e insistiram que ela incorporasse uma contrapartida. Consequentemente, a lei incluiu medidas para limitar o tamanho das propriedades de terra elegíveis para um processo acelerado a 1.500 hectares e estabeleceu datas-limite para excluir terras ocupadas ilegalmente após 2004.

Em 2016, uma ordem executiva do governo Temer modificou os protocolos de regularização, mudando a data de limite para 2009 e expandindo o tamanho da propriedade de terra elegível para um processo acelerado para 2.500 hectares. As regras foram modificadas novamente em 2019 pelo governo Bolsonaro, primeiro por uma ordem executiva que evoluiu para um ato legislativo conhecido por seus críticos como Lei da Grilagem. Os críticos afirmam que as mudanças recentes (e propostas) representam outra anistia para infrações passadas e abrem a porta para outra rodada de apropriação de terras. Como todas as propostas legislativas, a versão final dependerá de negociações de última hora, mas, desde agosto de 2021, os oponentes apontam várias deficiências:

1) Estende a data limite para a resolução rápida de reivindicações de terras para 2014 (em vez de 2009).
2) Inclui disposições para leiloar propriedades ilegais que permitem que os solicitantes rejeitados participem e, em certos casos, façam lances antes do leilão público.
3) Limita a verificação in loco da conformidade ambiental para propriedades maiores que 1.000 hectares (em vez de 400 hectares).
4) Aceita o desmatamento ilegal confiando em compromissos futuros (raramente cumpridos) para remediar infrações passadas (Termo de Ajustamento de Conduta – TAC).
5) Enfraquece a capacidade do INCRA de recuperar (claw-back) propriedades rurais que não cumprem as normas ambientais (veja o item 4 acima).
6) Facilita a grilagem de terras como um modelo de negócios ao permitir que indivíduos apresentem várias solicitações ao INCRA para regularizar uma propriedade.
7) Recompensa indevidamente os especuladores ao conceder descontos (que variam de cinquenta a noventa por cento do valor de avaliação da terra) que originalmente eram destinados apenas aos residentes em assentamentos do INCRA semelhantes a PA.
8) Cria um mecanismo para a distribuição contínua de terras públicas por meio de venda ou leilão o que abriria uma porta para a privatização adicional de terras públicas.

Os defensores da reorganização dos protocolos do INCRA argumentam que é necessário impor ordem ao caos existente no sistema de posse da terra e, ao mesmo tempo, proporcionar justiça econômica a centenas de milhares de famílias rurais.

Os opositores afirmam que a lei representa (outra) anistia para atividades ilegais passadas que promoverão abusos futuros. Além disso, eles afirmam que nenhuma das mudanças propostas é essencial para agilizar a regularização das propriedades de pequenos agricultores e, em vez disso, sugerem investir na capacitação dos funcionários do INCRA e na provisão de um orçamento compatível com o tamanho da tarefa – que todas as partes envolvidas concordam que é muito grande e há muito tempo necessária.

Na base do debate estão duas filosofias opostas sobre o futuro do desenvolvimento no Brasil amazônico. À direita, economistas e cientistas políticos veem a terra como um ativo financeiro e acreditam que a regularização da propriedade privada estimulará o investimento e criará crescimento econômico. À esquerda, os defensores sociais e ambientais veem o acesso à terra como um direito humano e buscam melhorar a desigualdade que define a sociedade brasileira, conservar a biodiversidade e proteger as culturas indígenas e tradicionais na Amazônia.

 

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).

Leia as outras partes extraídas do capítulo 4 aqui:

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