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Obtenção de um título legal certificado

  • A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.

  • O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.

  • Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.

Ocupar um lote de terra é a primeira etapa, e talvez a mais fácil, no processo de criação de uma propriedade privada legalmente constituída. Em todas as oito nações amazônicas, um título ou uma certificação de um título deve ser emitido por um órgão do governo central, que, na maioria dos casos, é um descendente direto dos órgãos de colonização das décadas de 1960 e 1970. Naquela época, esses órgãos emitiam títulos provisórios porque a posse total dependia do estabelecimento de uma propriedade rural bem-sucedida.

Esse legado negativo cresceu durante décadas à medida que a economia rural se expandia e o número de propriedades rurais se multiplicava. Uma das principais responsabilidades desses órgãos era a compilação de um registro de terras, conhecido como “cadastro”, que funciona como um ponto de referência documental para todas as transações legais envolvendo propriedades rurais. A decisão de delegar a tarefa de certificação de títulos a um órgão nacional, e não local, foi uma consequência lógica da distribuição de terras públicas pelo governo central.

Uma solução nacional provavelmente agradava aos planejadores centrais que duvidavam da capacidade dos governos locais (fronteiriços) de gerenciar um empreendimento grande e tecnicamente complexo. As propriedades individuais de terra são incorporadas ao cadastro rural nacional, mas somente depois que seus atributos espaciais e a providência legal forem validados por funcionários públicos. 

O fracasso em concluir esse processo e consolidar os cadastros nacionais é um dos principais fatores da ilegalidade que define a sociedade de fronteira. Esses órgãos, seja por projeto ou por acaso, supervisionam um sistema caótico em que a fraude e o suborno facilitam a apropriação indevida de terras públicas. Dessa forma, esse é um fator fundamental para o desmatamento.

Imagem da NASA do desmatamento na Amazônia brasileira. Crédito: Rhett A. Butler.

É também um enorme fracasso moral porque o sistema não conseguiu fornecer a milhões de pequenos proprietários o título legal de seu ativo financeiro mais importante. Sucessivos governos e agências multilaterais organizaram várias iniciativas para reformar e modernizar essas agências e, o mais importante, concluir a tarefa de determinar a propriedade da terra na Pan-Amazônia. Todas elas fracassaram.

Historicamente, as transações envolvendo terras são registradas em um tabelião, conhecido como Cartório no Brasil e como Notaria de Fe Pública nos países de língua espanhola. Esses escritórios jurídicos prestam um serviço mais substantivo do que seus equivalentes nos Estados Unidos, pois mantêm uma cópia legal de todos os contratos e transações, além de validar determinados princípios legais comuns ao direito contratual. Esse tipo de documentação fornece a base jurídica principal para a maioria das propriedades rurais.

Os órgãos que compilam os cadastros nacionais têm protocolos para validar as propriedades de terra e incorporá-las ao cadastro nacional usando o “histórico” de uma propriedade, essencialmente um rastro de papel que documenta sua origem e transferências ou subdivisões anteriores. Esses protocolos abrem uma porta para fraudes porque os grileiros de terras os utilizam para inventar um histórico legal ou para clonar o passado de outra propriedade com documentos falsos. Como os cartórios de registro de imóveis têm enormes acúmulos de reivindicações de terras não processadas, muitas vezes é necessário fazer um pagamento em dinheiro para “agilizar” transações legítimas. A prática de pagar propina para processar uma transação legal dá cobertura aos grileiros de terras que processam documentos ilegítimos.

A estrutura regulatória é ainda mais complicada devido aos dois níveis distintos de posse da terra: propriedade e posse. Como os termos implicam, um proprietário detém o título legal de uma propriedade; enquanto um possuidor ou posseiro não possui um documento legal que valide a propriedade, mas está ocupando a propriedade e usando-a para seu benefício econômico. Logicamente, a propriedade tem mais direitos do que a posse, mas um possuidor não está desprovido de proteção legal: incluindo o direito de não ser despejado da propriedade se estiver utilizando-a de acordo com os princípios chamados de função social e econômica.

Agricultor camponês no vale do rio Urubamba em Cusco, Peru. Crédito: Rhett A. Butler.

Há uma suposição implícita de que a posse acabará se transformando em propriedade; no entanto, a falta de um título legal claro afeta o valor de uma propriedade em transações imobiliárias.

A insegurança do título da terra e os sistemas corruptos também afetam os proprietários legítimos de terras. No Brasil, há um longo histórico de fazendeiros que desapropriam pequenos proprietários e moradores da floresta, inventando documentos e usando violência para expulsá-los de suas casas. Na Bolívia, os posseiros invadem uma propriedade se o proprietário for incapaz de demonstrar um título claro e não tiver recursos econômicos para defender fisicamente a propriedade. Ocasionalmente, os invasores são agentes pagos que agem em nome de um grileiro de terras que está se aproveitando de uma família considerada fraca. A posse insegura da terra é um convite para que os malfeitores usem a força para obter o que não lhes pertence.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).

Leia as outras partes extraídas do capítulo 4 aqui:

 

 

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