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CAPÍTULO 4. Terra: a mercadoria definitiva

  • A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.

  • O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.

  • Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.

Novas estradas abrem paisagens naturais para o desenvolvimento, e os mercados de commodities impulsionam a expansão da fronteira agrícola. Essas duas causas do desmatamento estão no centro das discussões sobre políticas de desmatamento. Um terceiro fator – o valor da terra e sua tendência de valorização ao longo do tempo – é um produto sinérgico desses dois fenômenos. Compreender a dinâmica dos mercados imobiliários rurais é essencial para a elaboração de políticas que impeçam o avanço da economia convencional sobre a floresta.

A fronteira agrícola na Pan-Amazônia é o produto de séculos de tradição cultural e décadas de política econômica. Esse fenômeno, que é central para a história do Hemisfério Ocidental, tornou-se uma grande força disruptiva na Pan-Amazônia somente na década de 1960, quando os governos implementaram programas para ocupar e desenvolver seus sertões amazônicos. Diferentemente dos períodos de colonização anteriores, como o boom da borracha no século XIX, esse último período incluiu iniciativas para promover para a região a migração em massa de famílias, combinadas com estratégias para atrair investimentos em sistemas de produção orientados para o mercado. Essas políticas dependiam da oferta de terras públicas gratuitas, ou quase gratuitas.

No entanto, o acesso à terra era condicional, e os pioneiros tinham que instalar um empreendimento produtivo, o que os obrigava a substituir a vegetação natural por plantas cultivadas. As políticas oficiais mudaram, mas essa prática continua a motivar os indivíduos na fronteira florestal, onde as pessoas desmatam como uma estratégia para se projetarem como proprietários de terras que consideram, correta ou incorretamente, como suas. A maioria acredita que está agindo no melhor interesse de suas famílias e de seu país ao gerar atividade econômica. Eles são ajudados e incentivados por funcionários dos ministérios da agricultura que implementam políticas ultrapassadas que facilitam a transferência de terras públicas para indivíduos privados. Por cima (ou por baixo) dessa estrutura regulatória disfuncional, há uma cultura de corrupção, impunidade e direitos.

Os mercados imobiliários rurais consideram a terra como parte mercadoria e parte ativo de capital. Como uma commodity, seu preço é mediado pela oferta e pela demanda: os lotes próximos à fronteira florestal são mais baratos porque há uma oferta disponível que pode ser adquirida a baixo custo. À medida que a fronteira florestal recua, a terra se valoriza, pois se torna uma commodity mais limitada. Como um ativo de capital, as propriedades aumentam de valor com o investimento em infraestrutura na propriedade e em culturas perenes que geram fluxo de caixa no curto prazo, como café, cacau e dendê, bem como espécies de madeira que pagam um dividendo substancial no médio prazo.

A fronteira florestal continua sendo invadida por colonos migrantes e grileiros (traficantes de terra), que usam mecanismos legais, extrajudiciais e ilegais para se apropriar de terras públicas. Essa prática, que já foi organizada pelo Estado, ainda é tolerada por algumas autoridades locais e nacionais. Credito: PARALAXIS / Shutterstock.com

Outras considerações influenciam o preço da terra. Se o solo for arável, a terra terá um valor adicional porque a agricultura é mais lucrativa do que a pecuária. Os remanescentes florestais podem ou não ter valor comercial, dependendo do fato de manterem ou não áreas de madeira de lei. Apesar de seu valor intrínseco, as florestas degradadas são vistas como “improdutivas”, a menos que tenham sido convertidas em “terras produtivas” dedicadas à agricultura convencional. Muito frequentemente, os proprietários de terras primeiro monetizam o valor de sua madeira e depois usam esse capital para financiar a conversão da floresta degradada em pastagens ou terras agrícolas.

Os aspectos econômicos são simples: um pasto pode sustentar o gado e gerar um fluxo de caixa de aproximadamente US$ 200 por hectare anualmente, ou US$ 2.000 em dez anos. Esse é um retorno razoável sobre um investimento que exige que um fazendeiro limpe a floresta, construa cercas e um reservatório de água a um custo de cerca de US$ 500 por hectare.

Mais importante ainda, o valor da terra em si se valorizará com o tempo, refletindo tanto a melhoria da infraestrutura na fazenda quanto a direção geralmente ascendente dos mercados imobiliários (veja abaixo). Cálculos econômicos semelhantes orientam as decisões de investimento em paisagens de pequenos proprietários, onde as propriedades podem sofrer uma mudança radical no valor com o estabelecimento de uma cultura perene, como café, cacau ou dendê.

As famílias pioneiras são participantes ativos nos mercados imobiliários rurais. Elas usam seu conhecimento sobre solo, água e vegetação natural para desenvolver propriedades adicionais que vendem a investidores e migrantes recém-chegados. Alguns se tornam empreendedores de fronteira, especializados na aquisição e no desenvolvimento de propriedades. Muitos são empresários que estão “melhorando” propriedades desmatadas durante ciclos anteriores de assentamento. Uma de suas principais ferramentas de marketing – e um serviço essencial – é concluir o processo de titulação. Um título legal certificado aumenta significativamente o preço de mercado de uma propriedade.

Infelizmente, investidores imobiliários legítimos compartilham o mercado com indivíduos inescrupulosos que invadem terras públicas ou desalojam famílias que as ocupam informalmente. Chamados de land grabbers na mídia de língua inglesa, no Brasil eles são conhecidos como grileiros e nos países de língua espanhola como traficantes de tierra.

A colonização da planície aluvial de Santa Cruz começou na década de 1960 com um esquema patrocinado pelo Estado que instalou migrantes andinos em vilarejos com propriedades de terra organizadas radialmente (a). Na década de 1980, outros migrantes se juntaram a eles, organizados em sindicatos, que estabeleceram seus próprios assentamentos construindo estradas e se apropriando de florestas públicas (b). Imigrantes do Canadá e do México compraram grandes propriedades de intermediários locais para criar colônias menonitas (c). Todos os três tipos de colonos agora praticam a agricultura intensiva usando tecnologias semelhantes às fazendas corporativas em escala industrial (e), enquanto os novos migrantes continuam a colonizar uma planície de inundação que antes era destinada à conservação e ao manejo florestal (d). Fonte (ambas imagens): Google Earth.

A distribuição de terras públicas

As terras públicas foram, e continuam sendo distribuídas por meio de uma variedade de mecanismos legais, semilegais e flagrantemente ilegais. Esses mecanismos evoluíram ao longo do tempo, mas podem ser organizados em quatro categorias principais:

1. Esquemas de colonização patrocinados pelo Estado

Essa política foi predominante durante as décadas de 1970 e 1980 e foi gerenciada por agências com vários nomes e acrônimos. As abordagens variavam entre os países, mas todas tinham como alvo a população rural pobre e distribuíam propriedades de terra entre 40 e 100 hectares. Algumas foram organizadas por meio de um regime de arrendamento comunitário, enquanto outras cederam lotes a famílias individuais. Somente o Brasil continua a distribuir terras entre seus cidadãos por meio de projetos organizados por uma agência nacional, ou o fez até 2017, quando uma auditoria levou à suspensão temporária de suas atividades.

2. Concessões ou vendas diretas de terras pelo Estado

Esse mecanismo foi amplamente utilizado no Brasil durante várias décadas, mas foi mais proeminente na década de 1970, quando o desenvolvimento da Amazônia era uma política central do governo militar. A distribuição de grandes propriedades de terra levou ao desenvolvimento do modelo agroindustrial que domina a economia do Mato Grosso, do leste do Pará e do Tocantins. Um fenômeno semelhante ocorreu na Bolívia, onde os governos militares distribuíram terras para famílias influentes usando a instituição de reforma agrária originalmente criada para lidar com a desigualdade na posse da terra. Grandes concessões de terras no Equador levaram ao estabelecimento de duas plantações de dendê em grande escala no início da década de 1980. O exemplo mais recente vem do Peru, onde uma empresa influente obteve grandes extensões de floresta natural em 2005 para estabelecer a maior plantação de dendê do país.

3. Esquemas de colonização patrocinados pela iniciativa privada

Esse tipo de distribuição de terras é uma variante do mecanismo anterior, no qual o Estado concedia uma concessão a uma empresa privada ou cooperativa que subdividia e revendia os lotes aos colonos (consulte o Capítulo 6). Esse método promoveu um modelo de fazenda de classe média baseado em propriedades que variam de algumas centenas a vários milhares de hectares. Foi um modelo de negócios comum na região central do Mato Grosso entre o final da década de 1950 e o início da década de 1980. Os imigrantes menonitas empregaram uma variante desse esquema na Bolívia, onde um grupo de famílias compra coletivamente uma grande propriedade privada, que subdivide entre si para criar uma “colônia” de fazendas familiares de 100 hectares. Esse sistema está sendo replicado no Peru e na Colômbia, onde imigrantes menonitas foram acusados de desmatar florestas em paisagens destinadas ao manejo florestal. Os menonitas não são conhecidos por invadir terras públicas, optando, em vez disso, por comprar terras de intermediários, uma tática que aumenta a probabilidade de obterem o título legal.

4. Assentamento espontâneo e grilagem de terras

A apropriação de terras públicas por meio de processos informais e flagrantemente ilegais é comum em todas as fronteiras florestais, tanto nas repúblicas andinas quanto no Brasil. Pode ocorrer como uma corrida pela terra quando uma nova rodovia principal é construída através de uma paisagem florestal intocada, mas, com mais frequência, ocorre ao longo de décadas quando as redes de estradas secundárias se expandem para fora de uma rodovia principal. Na década de 1980, os governos facilitaram esse processo por meio de iniciativas especiais criadas para responder a petições de grupos de interesse e governos regionais. Dependendo do ambiente social e político, isso pode levar à proliferação de grandes propriedades, pequenas propriedades ou uma mistura de ambos.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).

Leia as outras partes extraídas do capítulo 4 aqui:

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