Um novo estudo conclui que a exploração madeireira ilegal, junto com pobres sistemas de licenciamento de madeira estatais, levou a uma enorme fraude na colheita de madeiras no Brasil, resultando em grandes ceifas ilícitas de árvores Ipê. Este processo está causando grandes danos para a Amazônia, conforme madeireiras constroem estradas em florestas, causando fragmentação e criando grandes passagens.
Para reduzir a fraude de documentos, o governo federal brasileiro exigiu no mês de maio que todos os Estados registrassem ou integrassem seus sistemas de licenciamento de madeira em um sistema nacional de inventário e rastreamento de madeira conhecido como Sinaflor. Embora isso deva reduzir a papelada fraudulenta, as práticas de colheita de madeiras ilícitas no local continuam sendo um grande problema.
Melhor supervisão dos planos de gerenciamento florestal e mais inspeções no local de operações de madeira são necessárias para restringir as práticas madeireiras ilegais e evitar a colheita em terras públicas e reservas indígenas. O alto valor da madeira de Ipê – vendido por até R$900 por metro cúbico na exportação – faz com que esta seja muito rentável para madeireiros ilegais.
A madeira de Ipê é enviada para os Estados Unidos e a Europa. Analistas dizem que os compradores ao longo da cadeia de suprimentos de madeira ignoram a fraude, com serrarias, exportadores e importadores confiando na papelada que recebem, em vez de questionar se os preços mais baixos que pagam pelo Ipê e outras madeiras podem ser devidos à lavagem de madeira.
A árvore Ipê do Brasil é uma das espécies de árvores mais valiosas do mundo e um dos principais alvos do desmatamento ilícito, sendo os principais mercados de exportação da madeira colhida ilegalmente especialmente encontrados nos EUA e na Europa.
No passado, um sistema de licenciamento fraco, juntamente com a continuação indiscriminada e ilícita da ceifa do Ipê (anteriormente Tabebuia spp., mas reclassificado como Handroanthus spp.), causou sérios danos à floresta Amazônica, segundo uma investigação do Greenpeace Brasil.
O alto valor da madeira de Ipê – que transformada em revestimento ou decoração pode ser vendida por até $2500 por metro cúbico em terminais brasileiros de exportação – é muito rentável para madeireiros, mesmo que tenham que penetrar profundamente nas florestas para colher as árvores.
O dano ambiental resultante está impactando severamente a Amazônia brasileira, segundo o relatório, com profunda invasão de estradas ilegais, aumento da degradação e fragmentação florestal, danos à biodiversidade e intensificação de violência nas áreas rurais.
Fraude como raiz do problema
O relatório Árvores Imaginárias, Destruição Real revela que “o corte ilegal de árvores Ipê é facilitado por fraquezas no processo de licenciamento de planos de manejo florestal no nível estadual”, um problema que o governo federal está buscando resolver com um sistema nacional de inventário e rastreamento.
Uma investigação de campo do Greenpeace realizada no sudoeste do Pará constatou que engenheiros florestais corruptos falsificam inventários florestais deliberadamente identificando as árvores indesejáveis como espécies comercialmente valiosas, superestimando o volume de árvores valiosas, ou listando espécimes não existentes. Agências estaduais, confiando nestes inventários fraudulentos, em seguida emitem créditos que permitem a colheita e transporte de madeira não existente. Estes créditos florestais inflados são então usados para “fraudar os livros” em serrarias que processam ilegalmente árvores Ipê cortadas em unidades de conservação brasileiras protegidas ou reservas indígenas.
A alta taxa de fraude e a lavagem de colheitas ilegais de Ipê são facilitadas devido à ausência de estudos de campo conduzidos pelo governo em áreas com Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) aprovados, e também, até o mês de maio, pela falta de um sistema integrado de licenciamento nacional para a madeira no Brasil.
Enquanto alguns criminosos são pegos, muitos mais escapam a detecção.
Como resultado, “atualmente, é seguro dizer que é quase impossível garantir que a madeira da Amazônia brasileira tenha se originado de operações legais, muito menos de operações que não violem direitos humanos ou leis ambientais”, diz o ativista do Greenpeace da Amazônia do Brasil, Rômulo Batista.
“O Brasil precisa urgentemente de uma governança florestal e de um sistema de execução capaz de garantir que toda a madeira colhida na Amazônia brasileira seja extraída legalmente e com pleno respeito pelos direitos de seus povos indígenas e outros habitantes tradicionais”, diz ele.
Brasil em direção a um sistema nacional de rastreamento de madeira
“Para mudar este cenário, o Brasil precisa de uma governança florestal, que começa com o Sinaflor [Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais]. Este [abrangente] sistema… precisa ser transparente e acessível ao público para ser verdadeiramente eficaz”, disse Batista à Mongabay.
Todos os estados brasileiros tiveram até 2 de maio deste ano para registrar seus sistemas de controle florestal com o Sinaflor, o sistema de rastreamento de inventário de madeira lançado em março de 2017 pelo IBAMA, a agência federal de proteção ambiental do Brasil. Sinaflor é um sistema digital de nível nacional que permite a verificação cruzada de dados de todos os sistemas de inventário estaduais e federais. Sua implementação deve ajudar a superar as deficiências nos sistemas estatais e melhor facilitar a detecção de fraudes em vários pontos ao longo da cadeia de suprimentos.
Segundo o IBAMA, 21 estados estavam prontos para utilizar a nova plataforma digital em março deste ano, incluindo Amazonas, Roraima e Tocantins. Os estados restantes não preparados para utilizar o sistema naquela época incluíam Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, e os importantes Pará e Mato Grosso. Os dois últimos são os maiores produtores de madeira na Amazônia legal.
O IBAMA confirmou à Mongabay que todos os Estados já registraram ou integraram seus sistemas estaduais com o Sinaflor, aderindo ao prazo de 2 de maio. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Santa Catarina e São Paulo já tinham seus próprios sistemas informatizados de controle florestal, que foram integrados ao Sinaflor.
A partir de 2 de maio, todos os novos projetos florestais no Brasil devem estar registrados no sistema nacional. Os planos de exploração existentes apresentados antes desta data devem ser registados até 31 de dezembro. Espera-se, dizem os oficiais, que a interface dos sistemas estaduais e nacionais levem a menos fraude e porcentagens mais baixas de colheita ilegal de Ipê.
Procurando fraude
Em seu estudo, pesquisadores da Greenpeace e da Universidade de São Paulo (USP) analisaram 586 Autorizações de Exploração Florestal (AUTEF) emitidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS) entre 2013 e 2017. A agência lista Ipê (Handroanthus spp.) como uma espécie de colheita, com contingentes estabelecidos com base no volume de árvores Ipê do local. Quando um Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) é aprovado, os documentos AUTEF devem mostrar o número total de Ipês e volumes de toras que serão removidas do local licenciado. Esses números irão subsequentemente gerar créditos comerciais.
Os pesquisadores compararam as densidades florestais de Ipês com as árvores encontradas na literatura científica publicada e nos inventários de cinco florestas nacionais no Pará. Esta análise cuidadosa descobriu que mais de 77% dos AUTEFs tinham relatado Ipês com volumes até dez vezes mais altos do que os níveis naturais em que essas espécies ocorrem, tornando a fraude provável em mais de 450 casos.
A Greenpeace, trabalhando com pesquisadores da USP Luiz de Queiroz e técnicos do IBAMA, também realizou pesquisas de campo em seis Áreas de Manejo Florestal (AMF) no Pará, entre outubro e novembro do ano passado. Eles descobriram que todas essas AMFs continham evidência de identificação botânica incorreta, superestimação do volume de madeira declarada em inventários florestais e/ou um registro de árvores não existentes. Todas estas práticas são comumente empregadas para a lavagem de madeiras ilegais.
O exemplo de Mato Grosso
Segundo o IBAMA, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) do Mato Grosso concluiu a transferência de seu sistema Sisflora para Sinaflor, que é uma vantagem na proteção contra a fraude. Mas as deficiências de financiamento ainda podem dificultar seriamente o rastreamento preciso de madeira no estado. “Estamos melhorando na gestão ambiental, investindo em técnicos, equipamentos e na compra de imagens de satélite de alta resolução. Em termos de ação, no entanto, [o orçamento] está quase drenado”, André Baby, secretário da SEMA no Mato Grosso contou à Mongabay. “Há escassez de recursos públicos.”
De todos os estados brasileiros, Mato Grosso tem uma das mais altas taxas de desmatamento devido à rápida expansão da produção de soja e carne bovina, com o estado sendo responsável por 20% de todo o desmatamento detectado na Amazônia legal entre agosto de 2016 e julho de 2017, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e uma análise feita pelo Instituto Centro de vida (ICV), uma ONG.
De grande preocupação para os ambientalistas é a quantidade de desmatamento que não é autorizado ou controlada: 90% dos mais de 130.000 hectares de floresta destruída no período de 2016/2017 no Mato Grosso não foi autorizado pela SEMA. Esse resultado é, no entanto, um pouco melhor em comparação com 2015/2016, quando a colheita ilegal não-autorizada contabilizou 95% das árvores cortadas.
O secretário da SEMA, quando questionada pela Mongabay, optou por salientar dados florestais mais positivos de Mato Grosso. Enquanto houve um aumento de 49% do desmatamento ilegal em 2014/2015 no estado, ele observou que a taxa caiu para 16% em 2015/2016 e aumentou em 10% em 2016/2017.
Ainda assim, as grandes colheitas ilegais não caem bem para os futuros compromissos climáticos internacionais do estado. Mato Grosso declarou o objetivo de zero desmatamento ilegal até 2020 no COP 21, Acordo do Clima de Paris, em 2015. E durante o COP 23 em 2017, o Mato Grosso anunciou o recebimento de R$178 milhões da Alemanha e do Reino Unido para ampliar seus programas de redução de desmatamento. Mas, assim como no vizinho Pará, o investimento terá pouco valor sem que a eliminação das fraudes, inventários de madeira e rastreamento que sejam precisos e uma melhor fiscalização estadual e federal contra operações de madeireiras ilegais de grande escala.
“As empresas estão cientes”
Embora o sistema de rastreamento nacional Sinaflor possa ser um grande passo à frente na limitação das fraudes em exploração de madeira, é provável que o sistema tenha um sucesso limitado porque o governo não tem a capacidade de conduzir inspeções locais em Áreas de Manejo Florestal, de acordo com Jeanicolau de Lacerda da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
“Esta lacuna abre a porta para a ilegalidade. Monitoramento [no local] é um trabalho complicado e as florestas só terão segurança com vigilância de campo frequente”, contou à Mongabay.
Mas os governos federais e estaduais do Brasil não são os únicos partidos capazes de frear a deflorestação ilegal, diz o Greenpeace. Seu estudo descobriu que os compradores ao longo da cadeia de suprimentos de madeira ignoram as fraudes.
Dos 142 PMFSs analisados, 115 moveram créditos de Ipê para o sistema estadual Sisflora. Destes, 79 PMFSs geraram créditos com suspeita de ilegalidade, com a madeira provavelmente ilícita então sendo exportada por 53 empresas e trazida para 30 nações por 116 empresas importadoras, entre março de 2016 e setembro 2017.
De acordo com o Greenpeace, 37 empresas dos Estados Unidos importaram 10.171 metros cúbicos de Ipê durante esse período, tornando os EUA o maior destino para este tipo de madeira. Entre os maiores compradores: Thompson Mahogany Company (1.797 metros cúbicos) da Pensilvânia; International Lumber Imports IC (1.318 metros cúbicos) da Flórida; e UFP International LLC (834 metros cúbicos) da Geórgia.
Os EUA, junto com a Europa, representam 97% do Ipê brasileiro exportado. Durante o período de 2016/2017, onze países europeus compraram 9.775 metros cúbicos, incluindo a França (3.002 metros cúbicos), Portugal (1.862 metros cúbicos), Bélgica (1.754 cúbicos Metes) e os Países Baixos (1.549 metros cúbicos). Japão, Canadá, Israel, China, Argentina e Índia foram os outros compradores.
É importante ressaltar que estes países e as empresas geralmente aceitam a legalidade dos Ipês exportados e os documentos que os acompanham sem nenhuma análise. “Relutantes em adotar medidas de mitigação de risco para evitar a contaminação de suas cadeias de custódia, as empresas confiam em documentos oficiais que não garantem a origem e legalidade da madeira que recebem”, relata o Greenpeace.
Lacerda, um consultor florestal da Precious Woods, uma empresa de madeira certificada na Suíça, diz que muitas empresas de importação e exportação sabem quando estão comprando madeira ilegal, e eles também sabem que essa compra lhes economiza dinheiro: “Essa produção [ilícita] não paga impostos, não tem os custos de uma gestão florestal adequada, então é de 30% a 40% mais barata. Nossa empresa, por exemplo, não pode competir com a madeira ilegal vendida no mercado brasileiro.”
“O problema é que a madeira certificada é pouco conhecida, mesmo entre os consumidores finais em países ricos”, conclui Lacerda. “Enquanto [o consumidor] não sabe o que está comprando e não toma uma posição, a situação vai permanecer exatamente a mesma.”
Citação:
“Imaginary Trees, Real Destruction (2018), Greenpeace Brazil, University of São Paulo Luiz de Queiroz College of Agriculture, Brazilian Institute for the Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA), https://www.greenpeace.org.br/hubfs/Greenpeace_Report_Imaginary_Trees_Real_Destruction_March_2018.pdf
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