Manuel Trujillo, manifestante contra hidrelétrica da Hidrotambo, foi absolvido recentemente de acusações de terrorismo por supostamente ter causado danos à propriedade da empresa. Ele ainda enfrenta mais de duas dezenas de outros processos jurídicos relacionados a sua oposição à barragem.
Organizações de direitos humanos alegam que a criminalização de Trujillo e outros líderes locais por se articularem contra a hidrelétrica é parte de uma tendência seguida pelo Governo do Equador, visto que a administração de Rafael Correa já perseguiu mais de 100 líderes comunitários e ativistas por protestarem contra projetos em desenvolvimento pelo país.
Ativistas levaram seus casos contra a Hidrelétrica de Hidrotambo às cortes internacionais.
Terrorismo e sabotagem são apenas duas dentre as acusações criminais levantadas contra mais de 20 residentes da bacia do Dulcepampa na província central de Bolivar do Equador, meramente por se oporem a uma usina hidrelétrica. Uma abrangente autorização de uso de recurso hídrico foi dada a hidrelétrica e reduziu o acesso dos moradores à água para irrigação e consumo diário, instigando uma resistência generalizada.
A Hidrelétrica de oito megawatts, à fio d’água, da empresa Hidrotambo afeta populações ao largo de sua trajetória de sete quilômetros e reduz o acesso à água em 72 comunidades rio acima.
“A hidrelétrica tem tirado a paz e tranquilidade que um dia tivemos,” afirma à Mongabay, Manuel Trujillo, líder comunitário na cidade de San Pablo de Amalí, onde se encontra a barragem. Trujillo, respeitosamente chamado de “Dom Manuel” por amigos e colegas, tem ajudado a liderar o movimento contra Hidrotambo há mais de 10 anos.
Em 2012, ele e Manuela Pacheco, uma outra ativista local, foram acusados de terrorismo por supostamente danificar propriedade da empresa durante uma manifestação contra o projeto. Eles foram absolvidos em janeiro, no entanto Trujillo ainda enfrenta mais de duas dúzias de outros processos judiciais relacionados à sua oposição à Hidrotambo. O PAIR e demais organizações de direitos humanos que os apoiam afirmam que o governo equatoriano de Rafael Correa tem criminalizado a eles e a outros líderes locais por se articularem contra a barragem.
Eles afirmam que a situação se encaixa em uma tendência da administração de Correa que criminalizou mais de cem líderes comunitários e ativistas por protestarem contra os impactos sociais e ambientais de seus projetos em desenvolvimento por todo o país. A maioria não foi capaz de lutar contra as acusações, e recebeu sentenças de prisão de até 10 anos.
Denúncias da Comunidade
A barragem de Hidrotambo é o produto de uma parceria nomeada Hidrotambo S.A., entre uma pequena empresa equatoriana chamada Corporation for Energy Research (CIE) e investidores canadenses e espanhóis.
Apesar de inicialmente o investimento ter vindo destes agentes, eles também foram bem sucedidos ao registrar a hidrelétrica no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o que a torna elegível para a venda de créditos de carbono como um projeto aparentemente “verde”. No entanto, o site do CDM não registrou a venda de nenhum crédito que dê validade ao projeto, e o período de geração de créditos foi encerrado em 2015.
Desde a sua formação, os proprietários da Hidrotambo já não são os mesmos. Atualmente, estão entre os acionistas a CIE, uma empresa equatoriana de calçados — Plasticaucho — uma firma imobiliária equatoriana — Bienes Raíces de la Sierra — e uma companhia suíça chamada Magistra Schenk.
A bacia de Dulcepamba, localizada no sopé da Cordilheira dos Andes, abriga aproximadamente 15.000 pessoas que, em sua maioria, vivem da agricultura minifundiária, da pecuária e da pesca. Em 2003, Hidrotambo recebeu uma autorização para usar o equivalente a quase toda a capacidade de drenagem da bacia em seu período de seca que vai de 15 de junho a 15 de dezembro — 1.96 metros cúbicos de água por segundo— bem como os 6.50 metros cúbicos de água por segundo da estação chuvosa que vai de 15 de dezembro a 15 de junho. Para esse volume de água chegar as turbinas da Hidrotambo, fazendeiros teriam que renunciar seus direitos ao uso da água e assim abrir mão de desviar água para plantações, gado e habitações durante a época de seca, período em que mais precisam da água.
Trujillo e outros ativistas dizem que o governo concedeu a autorização apesar da empresa não ter conduzido nenhuma espécie de processo de consulta com as comunidades afetadas, direito este garantido pela lei do Equador. “O empresa não nos comunicou seus planos em nenhum momento. Jamais fomos consultados, ” disse ele.
A construção da Hidrelétrica começou em fevereiro de 2006, e os moradores imediatamente questionaram a presença da empresa de construção, Coandes. Nos anos de 2006 e 2007, houve uma série de confrontos entre tropas do exército posicionadas em San Pablo de Amalí para proteger o canteiro de obras e centenas de habitantes da bacia hidrográfica que se opunham ao projeto. No curso destes anos, o governo prendeu 14 líderes e abriu 22 processos contra eles.
Múltiplos recursos foram impetrados nas cortes equatorianas e falharam. As comunidades também levaram suas reclamações às agências governamentais como o Ministério da Defesa, O Ministério Público e o Instituto Nacional da Infância e da Família (INNFA).
Os confrontos impediram a construção, e os habitantes das comunidades de Dulcepamba presumiram que a Hidrotambo S.A. abandonaria o projeto, especialmente porque a economia do Equador enfrentava uma recessão.
O Presidente Correa convocou uma Assembleia Constituinte composta de 130 delegados com fins de desenvolver uma nova Constituição, e em 2008 a assembleia concedeu anistia em 22 processos de 2006 e 2007. Finalmente, o contrato de construção a represa foi anulado em 2011, e a empresa retirou-se da bacia hidrográfica.
No entanto, em 2012 a Comissão Federal de Eletricidade concedeu a barragem um novo contrato. A Hidrotambo S.A. retornou e reiniciou a construção, completando a represa em 2013. A polícia e as forças militares que vinham protegendo o local de construção durante a ausência da empresa desapareceram de repente.
Em meados de 2013, a represa já gerava oito megawatts de eletricidade para a Comissão Federal de Eletricidade.
“Fizemos denúncias a todos os níveis de governo, mas ninguém nos deu atenção,” afirma Trujillo.
O Ministério de Eletricidade e Energia Renovável, o Ministério de Águas e a Hidrotambo S.A não responderam a repetidos pedidos de entrevista.
Menos água, menos peixes, mais inundações
Hidrotambo, uma hidrelétrica a fio d’água, desvia recursos hídricos do rio Dulcepamba passando-os por turbinas para gerar eletricidade. Por fim, ela os devolve ao rio sete quilômetros rio abaixo. Os habitantes, no percurso de sete quilômetros ocupado pela hidrelétrica, são diretamente privados de água, e os moradores das 72 comunidades rio acima são forçados a diminuir seu uso de água para consumo e irrigação a fim de satisfazer os termos da autorização da Hidrotambo.
As comunidades entendem que seus direitos ao uso de água, segundo a Lei equatoriana de Água de 2014, estão sendo violados, bem como seus direitos constitucionais, que dão prioridade de acesso à água a trabalhadores do campo antes de qualquer uso industrial da água.
O percurso natural de rio remanescente, entre a curva da represa e o ponto de reentrada de água, contém apenas um reduzido escoamento de água durante os meses de verão, o que dizimou as populações de peixes de que dependem muitos habitantes locais para se sustentarem.
“Temos 14 diferentes tipos de peixes no rio,” afirma Trujillo, que cultiva laranjas e tem enfrentando dificuldades para se sustentar durante este conflito acerca da represa. “Anteriormente, era possível pescar no rio e garantir o café da manhã. Mas agora não há mais peixes.”
A destruição trazida pela empresa soma-se a perda de água e comida. A comunidade de San Pablo de Amalí alertou que a hidrelétrica estava localizada perigosamente perto das casas e que a forma como foi projetada aumentaria os riscos de inundações. Trujillo até mesmo iniciou um processo judicial contra a Hidrotambo S.A por desviar perigosamente o rio em direção a cidade, mas o caso foi arquivado e o projeto da represa permaneceu inalterado.
Os eventos de 19 e 20 de março de 2015, confirmaram suas preocupações. O fluxo fluvial de inverno e a carga de sedimentos fluviais desceu pelo novo e estreito canal da represa diretamente em San Pablo de Amalí causando uma grande inundação e erosões. A inundação destruiu 12 casas, juntamente com as áreas de cultivo de 33 famílias. Três pessoas, inclusive uma criança, morreram tentando escapar de suas casas.
Trujillo perdeu a casa na enchente. Ele, sua esposa e filhos mudaram-se para uma pequena casa emprestada por um vizinho por seis meses até que pudessem reconstruir.
“A inundação levou toda uma parte da cidade. Fiquei sem nada,” disse ele.
Criminalização e ameaças
Enquanto isso, Trujillo e Pacheco estavam se defendendo das acusações de terrorismo de 2012 feitas pelo governo federal por supostamente destruir propriedade da empresa. Localizada em Quito, a ONG especializada em Direitos Humanos — Fundação Regional de Assessoria em Direitos Humanos (INREDH) — os representou, e, visto que a associação aumentava a cobertura da mídia e a pressão política contra a hidrelétrica, Trujillo passou a receber ameaças.
Em dezembro de 2015, alguém começou a ligar na casa dele diariamente informando-lhe o número de dias que ainda tinha para viver. Ao chegar no último dia, ele deixou sua casa e refugiou-se com um vizinho. Ele afirma que ameaças não o intimidarão, e que embora tenham cessado por hora, ele preocupa-se pela segurança de sua família.
Daniel Vejar, um advogado especializado em direitos humanos da INREDH que representou Trujillo e Pacheco, disse a Mongabay que esse tipo de ameaça contra oponentes locais contra projetos em desenvolvimento estão se tornando cada vez mais comuns no Equador. Apesar da frequência com que acontecem, são difíceis de rastrear e denunciar.
Com a aproximação do julgamento de Trujillo e Pacheco em janeiro de 2016, a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e outras ONGs internacionais manifestaram apoio a eles. Eles foram absolvidos. O juiz decidiu que não haviam provas suficientes para provar que eles estavam em San Pablo de Amalí durante o incidente de 2012.
“O caso de Dom Manuel e Dona Manuela é um dos pouquíssimos casos a receber veredito de absolvição,” disse Vejar.
Segundo Vejar, o indiciamento contra ativistas é altamente arbitrário. Legalmente, as acusações de 2012 deveriam ter sido julgadas dentro de 15 meses. No entanto, por mais de 36 meses elas não foram julgadas o que, na opinião de Vejar, foi uma tática do governo para desencorajar o início de uma nova onda de protestos na comunidade.
Apesar dessa vitória, Trujillo ainda enfrenta cerca de 30 processos criminais, todos em fase inicial e todos contra Hidrotambo S.A. ou contra Polícia Nacional. Ele e Vejar consideram que essas são retaliações por seu protesto pacífico contra a hidrelétrica. Vinte e três outros ativistas foram chamados para prestar depoimentos sobre um suposto ato de sabotagem contra a hidrelétrica ocorrido em 2012.
Vejar reitera que o caso de Hidrotambo é apenas um dentre muitos no Equador, e que líderes locais são frequentemente criminalizados por protestar contra os projetos desenvolvidos pelo governo de Correa.
Repressão de governo esquerdista contra ativistas
Rafael Correa foi a San Pablo de Amalí em 2006 como candidato a Presidência. Durante um evento de campanha ele afirmou aos moradores, “Vocês têm o direito de aprovar a planta de uma hidrelétrica nas suas terras, afetando o seu meio ambiente. Se disserem não a esse projeto, ele não será construído.”
Desde que se tornou presidente em 2007, Correa não interveio em San Pablo de Amalí. Em fevereiro passado, Correa viajou para uma das sedes da bacia hidrográfica, Chillanes, para apresentar seu relatório semanal à nação. Durante a viagem, Correa tinha convidado Trujillo para um café da manhã com outros líderes comunitários. No entanto, na manhã do encontro, Trujillo foi informado de que não poderia comparecer. Ele aguardou o final do evento para falar com Correa e presenteou o Presidente com um relatório de 40 páginas da INREDH, da Comissão Fulbright e da ativista Rachel Conrad. Todavia em seu discurso Correa apenas mencionou brevemente a represa, dizendo: “Estamos em Chillanes, não estamos? Hidrotambo fica aqui, correto?”
De acordo com Trujillo, moradores da região sentem-se altamente desiludidos com Correa, e esse sentimento ressoa em organizações sociais e ambientais no Equador. Correa fez história em 2008, quando o Equador tornou-se o primeiro país a consagrar “direitos da natureza” em sua constituição. Contudo, o Presidente fez a extração de recursos naturais, conhecida na América Latina como “extrativismo”, uma pedra angular de sua estratégia de desenvolvimento econômico para o país.
O site da Secretaria de Energia ostenta oito projetos de hidrelétricas dentre nove “emblemáticos” projetos de energia renovável a nível nacional que “ servem como evidência de que um novo Equador está avançando e alcançando níveis históricos de desenvolvimento econômico, energético e social A mineração também progrediu no país.
A Secretaria de Energia, responsável pelos projetos de hidrelétrica no país, não respondeu ao pedido de entrevista para este artigo.
Para financiar seus projetos em desenvolvimento, o Equador tem dependido de empréstimos da China desde 2008, quando devia $3.2 bilhões em dívida externa a outras nações. Analistas estimam que o país deve mais de $15 bilhões a China, mas há pouca transparência acerca dos empréstimos.
As empresas financiando o extrativismo no Equador estão ligadas a projetos controversos em outros locais da América Latina. Por exemplo, um dos projetos “emblemáticos” apresentados pela Secretaria de Energia é o da hidrelétrica de 1.500 megawatts da Coca Codo Sinclair. Ele é financiado por um empréstimo de $1.7 bilhões do Banco de Importação e Exportação da China, e pela empresa chinesa Sinohydro. Sinohydro está envolvida em outros controversos projetos de hidrelétrica na América Latina. Por exemplo, eles financiaram o projeto da hidrelétrica DESA em Honduras, que foi oposto por Berta Cáceres, uma líder indígena, antes de seu assassinato em março, mas retiraram-se no fim de 2013 devido a protestos locais.
Correa foi aclamado durante seu primeiro governo quando adotou a iniciativa Yasuní, originalmente proposta por ONGs e organizações sociais como uma alternativa a extração de petróleo no Parque Nacional Yasuní. A iniciativa buscou $3.6 bilhões em financiamento internacional para compensar a renda que o Equador perderia ao não extrair no parque. Quando a quantia foi levantada, Correa prosseguiu com os planos de extração. Em dezembro de 2013, ele foi além fechando os escritórios da Fundação Pachamama, uma ONG localizada em Quito que havia apoiado a iniciativa Yasuní e conduzido campanha pelo voto popular para decidir a questão.
Vejar, advogado da INREDH, disse a Mongabay que o pretexto para fechar a Pachamama foi o Decreto Presidencial nº 19 de junho de 2013, que alterou as leis que regem as atividades de ONGs “de modo muito arbitrário” e que, no final das contas, abriu caminho para o que Governo Equatoriano possa “começar a agir como uma ditadura” esmagando a oposição.
Vejar afirma que, desde então, o governo aumentou o nível de fiscalização das atividades da INREDH, aparentemente buscando fundamentação para encerrar as atividades da organização.
Outra organização da sociedade civil que virou alvo do governo é a Confederação de Tribos Indígenas do Equador (CONAIE), um grupo coordenador de povos indígenas e organizações. O governo tentou fechar suas unidades em 2014, e muitas outras organizações têm enfrentado a criminalização em suas comunidades.
No início deste ano, a CONAIE lançou uma campanha chamada “Resistir é meu direito” que documentou 123 casos de criminalização de ativistas por parte do governo por se oporem a projetos em desenvolvimento durante 2015, um ano que apresentou uma ascensão em protestos em todo o país. As acusações incluem sabotagem, interrupção de serviços públicos e “agressão ou resistência”, crimes que podem alcançar penas de 1 a 10 anos de prisão no Equador.
Vejar explicou que uma reforma no Código Penal de 2013 estreitou a definição de “terrorismo” e “sabotagem”, e o governo passou a aplicar essas definições com menos frequência a líderes de movimentos sociais. Em seu lugar, as acusações de “agressão e resistência” e “paralisação de serviços públicos”, que podem levar a penas de prisão de até três anos, tornaram-se mais comuns.
Destino incerto de Dulcepamba
Trujillo e Pacheco continuam a organizar a campanha contra Hidrotambo S.A. Os recursos deles e de seus colaboradores às cortes locais foram indeferidos, e a empresa jamais compensou as comunidades afetadas pelos impactos ambientais e sociais causados pela represa.
Em Dulcepamba, entre junho e outubro de 2015, a mediação com a Hidrotambo S.A. terminou e a empresa negou-se a aquiescer qualquer uma das demandas das comunidades. Um consórcio de comunidades continuou a apresentar queixas a todos os ministérios relevantes. Eles também começaram a se candidatar a direitos hídricos em massa como forma de resistir ao que, na opinião deles, configura negligência quanto aos requisitos de licenciamento em projetos de energia.
Com Conrad, um pesquisador-ativista, e uma equipe vinda de várias Universidades do Equador e dos EUA, as comunidades também têm medido meticulosamente o consumo de água na agricultura local para construir o argumento legal de que a Hidrotambo viola seus direitos ao rio e seus afluentes.
Com o temor de que cortes corruptas equatorianas protejam os interesses da Hidrotambo S.A, moradores da bacia passaram a apelar para as Cortes Internacionais. Eles entraram com uma ação com fins de abordar o risco representado por inundações vindas da represa em duas divisões diferentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O caso ainda está pendente.
Trujillo afirma que o projeto da Hidrotambo tem implicações não só locais, mas também nacionais.
“Trabalhadores do campo como nós alimentam o país inteiro,” afirma ele, reinterando seu compromisso em derrotar a hidrelétrica apesar de já ter resistido por mais de uma década e de ter enfrentado dezenas de acusações criminais. “Eu não desisti, eu ainda estou lutando,” ele disse.