A bacia do Amazonas contém 100 bilhões de toneladas de carbono, servindo como um valioso sequestro de carbono e um bloqueador para as mudanças climáticas.
Novo estudo descobre que uma forte seca de 2010 prejudicou o crescimento das árvores e levou a um número de mortes de árvores suficiente para interromper por completo o sequestro de carbono da Amazônia.
Esse efeito foi temporário, e nos anos entre as secas, a Amazônia voltou a ser uma área de sequestro de carbono com o crescimento superando a mortalidade.
Os cientistas estão preocupados, pois, conforme as alterações climáticas se agravam, as secas na Amazônia continuarão a se intensificar, atrasando o crescimento das árvores e levando a um maior número de interrupções no sequestro de carbono.
A floresta amazônica é popularmente conhecida como “o pulmão do mundo” – absorvendo e armazenando 100 bilhões de carbono e o impedindo de entrar na atmosfera. A manutenção desse amplo sequestro de carbono é considerada vital para limitar os impactos das mudanças climáticas.
Agora, uma nova pesquisa publicada na revista Global Biogeochemical Cycles Journal mostra que as secas podem paralizar esse serviço crucial do ecosistema por completo.
Ted Feldpausch, cientista da Universidade de Exeter, e uma equipe internacional de pesquisadores investigaram o impacto das secas no crescimento das árvores e no armazenamento de carbono por toda a bacia do Amazonas. Eles descobriram que a seca que atingiu toda a bacia amazônica em 2010 afetou significantemente o armazenamento de carbono no local, matando muitas árvores e desacelerando o crescimento daquelas que sobreviveram.
“Antes desta seca a floresta Amazônica havia ganhado biomassa”, relatou Feldpausch, mas a seca de 2010 “parou por completo o funcionamento do sequestro de biomassa para a bacia”. A pesquisa aponta que a atual seca, em conjunto com as futuras fortes secas, pode causar efeitos similares.
Este foi o primeiro estudo realizado em toda a bacia a fim de investigar de que maneira as múltiplas secas interagem e, consequentemente, afetam o crescimento e a morte das árvores na Amazônia. Com base em um conjunto de dados coletados no período de 15 anos pela Rede de Inventários Florestais da Amazônia, conhecida como RAINFOR, a equipe de pesquisa conseguiu descobrir os efeitos das secas localizadas de 2005 e 2007 e da seca mais difusa de 2010.
“A primeira demonstração direta e em larga escala da seca tropical retardando o crescimento de árvores é de extrema importância”, diz Feldpausch, autor principal do estudo. “Ela nos diz que as mudanças climáticas não só aumentam a taxa de perda de dióxido de carbono da floresta para a atmosfera por meio da morte de árvores, mas também retardam a taxa de absorção. E, no entanto, a Amazônia claramente se mostra resiliente, pois, durante os anos entre as secas, todo o sistema voltou a ser uma área de sequestro de carbono, com seu crescimento superando sua mortalidade”.
Oliver Phillips, professor da Universidade de Leeds e coautor do estudo, explica que o RAINFOR é “um projeto de longo prazo que trabalha com pesquisadores de mais de 30 países diferentes para essencialmente entender o funcionamento da floresta amazônica”.
A rede colabora com pesquisadores locais para monitorar mais de 300 trechos de um hectare cada da Bacia Amazônica, buscando mudanças no ecossistema de grande escala e longo prazo. “Dentro desses trechos podemos acompanhar a vida e a morte de cada árvore”, diz Phillips. Esses dois fatores são fundamentais para o papel da floresta como sumidouro de carbono: o crescimento das árvores significa mais CO2 atmosférico absorvido e armazenado; enquanto a morte das árvores libera este carbono de volta para a atmosfera.
A seca estressa as florestas tropicais, reduzindo sua capacidade de fotossíntese. Quando a água é escassa, bolhas de ar podem aparecer no xilema, a estrutura da árvore que transporta a água da raiz às folhas. Essas bolhas podem perturbar a coluna contínua de água, um impacto fatal. Árvores mais altas, com um xilema mais extenso, tendem a estar em maior risco.
Durante as épocas de seca, as plantas podem proteger-se, impedindo que as bolhas de ar se formem, fechando pequenos furos em suas folhas, chamados de estômatos; mas, com seus estômatos fechados, elas não conseguem absorver CO2 da atmosfera, ou realizar a fotossíntese necessária para produzir energia para seu crescimento e reparo.
Mesmo assim, pesquisas mostram que as árvores tentam continuar seu crescimento, mesmo durante a seca. Um estudo de 13 anos sobre os efeitos da chuva artificialmente reduzida em trechos de terra no Brasil descobriu que árvores com estresse hídrico continuam armazenando energia e crescendo normalmente até morrerem. No entanto, este crescimento tem um custo. Durante a seca de 2010, foram encontradas no Brasil, no Peru e na Bolívia árvores que desviaram nutrientes necessários à preservação da própria saúde em favor do crescimento contínuo. O estudo de Feldpausch fornece mais provas de que as árvores amazônicas sobreviventes não estão escapando ilesas da seca.
Há tempo, hipóteses científicas sugerem que florestas desenvolvidas como as da Amazônia ficariam em equilíbrio – entre crescimento e morte em longo prazo -, mas dados já provaram que não é o caso. “Talvez a descoberta mais importante da rede RAINFOR é que esses processos não estão em equilíbrio”, diz Phillips, fornecendo evidências irrefutáveis de que a Amazônia está respondendo como um todo às mudanças ambientais de grande escala.
O aumento dos níveis de CO2 na atmosfera tem estimulado o crescimento das plantas na Amazônia há décadas. Mais dióxido de carbono significa mais fotossíntese e um uso mais eficiente da água pelas árvores. Por isso, inicialmente, os efeitos da mudança climática sobre o crescimento na Amazônia podem ter sido positivos. Mas as coisas mudaram nos últimos anos. “Vimos a taxa de crescimento saturar, pelo menos em parte, devido ao aumento das secas”, explicou Phillips.
No ano passado, Phillips e seus colegas da Universidade de Leeds publicaram um estudo unindo dados históricos sobre o armazenamento de carbono na Amazônia nos últimos 30 anos, com dados recentes da rede RAINFOR. O estudo mostrou que a absorção líquida de carbono na Amazônia tem diminuído, ao passo que a mortalidade de árvores em toda a bacia aumentou em mais de um terço desde os anos 1980.
Apesar do aumento das chuvas, tanto globalmente como em toda a Amazônia devido às alterações climáticas, estima-se que as secas serão mais frequentes conforme as chuvas anuais se tornem mais concentradas. Simplificando, o aquecimento global está gerando longos períodos de seca, pontuados de curtas e fortes tempestades. “Está ficando mais úmido, mas, quando necessitam de água, no final da estação seca, as plantas são mais propensas a estarem sob estresse hídrico”, explicou Phillips.
O recente fenômeno meteorológico El Niño ocasionou sérias secas e incêndios florestais na Amazônia entre junho e dezembro de 2015 e, em 2016 a previsão de incêndios da Amazônia apontava para riscos extremos de incêndio para a próxima estação de seca. “Pesquisas anteriores mostraram uma interação entre a seca e o fogo, o que gera certa preocupação”, comenta Feldpausch. Florestas em chamas adicionam rapidamente carbono armazenado à atmosfera.
O professor Philips destacou ainda uma ameaça correlata: “Essas mudanças climáticas também estão afetando a excepcional diversidade de plantas e animais da Amazônia. O maior desafio agora é descobrir quais espécies estão em risco”.
Feldpausch notou que o El Niño de 2016 e a seca vinda da Amazônia oferecerão aos pesquisadores a “oportunidade de investigar tal fenômeno mais detalhadamente” a fim de determinar se o crescimento de árvores e os sequestros de carbono foram suprimidos da mesma forma que foram no ano de 2010.
Com as temperaturas no período de seca previstas para aumentar nas próximas décadas, a Amazônia pode enfrentar um impacto ainda maior no crescimento e na sobrevivência das árvores – em conjunto com interrupções mais frequentes de seu sequestro de carbono. Phillips disse que a floresta tropical está entrando agora em um “novo regime térmico que as plantas não vivenciaram em sua evolução”. Isso não significa que floresta está fadada à destruição, advertiu Philips, mencionando que os cientistas ainda não sabem quão bem as plantas amazônicas se adaptam a esse novo ambiente com tantas mudanças climáticas.
Porém, segundo os pesquisadores, há motivos para preocupação. A atual seca na Amazônia, associada ao desmatamento e aos incêndios florestais, ameaça sufocar um dos mais preciosos recursos naturais, em um momento que mais precisamos dos serviços do ecossistema prestados pelos “pulmões do planeta” para nos ajudar a reduzir os altos níveis de CO2.
Citação:
Feldpausch, T.R., Phillips, O. L., et al. (2016) Amazon forest response to repeated droughts. Global Biogeochemical Cycles; DOI: 10.1002/2015GB005133