Infusões maciças de dinheiro provenientes do BNDES tornaram e ainda tornam possíveis grandes projetos hidrelétricos e infra-estruturas na Bacia Amazônica do Brasil, e nos andes amazônicos do Peru, Equador e Bolívia.
No entanto, evidências crescentes mostram que alguns destes projetos, apesar de incrivelmente lucrativos para as empresas brasileiras que os constroem, podem ter impactos negativos financeira, ambiental e socialmente.
Um caso em questão é a recém-concluída barragem de Belo Monte, uma enorme usina hidrelétrica no rio Xingu, um grande afluente do Amazonas. Belo Monte recebeu um dos maiores empréstimos da história do BNDES, mas muito do projeto, tem sido controverso, não só a forma como ele foi concebido até a sua implementação, mas també seus impactos ambientais e sociais. – e os críticos dizem que a barragem pode acabar sendo um dos maiores desperdícios de dinheiro do BNDES no Brasil.
Neste, o quarto de seis artigos , Sue Branford descreve a história conturbada da barragem de Belo Monte.
Três anos atrás, eu viajei de ônibus através do local de construção de Belo Monte, no estado brasileiro do Pará. A cena provocou um estranho fascínio. A escala do projeto foi impressionante: explosões periódicas abalaram a paisagem, montanhas de rocha foram destroçadas e retiradas por grandes caminhões.
Um grande número de escavadeiras escavaram as encostas, enquanto um fluxo constante de caminhões e tratores se alinhavam em direção ao rio Xingu. Tudo estava sendo feito com pressa pois o projeto estava atrasado, mas feito com impressionante eficiência.
Assim como outros passageiros do ônibus, tirei fotos através da janela empoeirada, sentindo que eu estava testemunhando algo monumental. No entanto, toda essa energia e eficiência haviam sido aproveitadas para um projeto que muitos brasileiros hoje acreditam ser fundamentalmente falho e mal concebido, um projeto que dizem ter sido organizado de forma tão rígida que não houve se pode parar e corrigir os erros.
Errado desde o início?
O “pecado original”, dizem os críticos, foi a forma como o projeto foi concebido pelo governo brasileiro em primeiro lugar.
O projeto gerou grande oposição desde o início. Na década de 1970, a ditadura militar no Brasil tinha planejado várias barragens no rio Xingu, mas foi forçado a se retirar devido as ações da oposição indígena.
Em 1989, o governo civil, que havia substituído o dos militares, fez outra tentativa, mas novamente a oposição provou demonstrou-se forte. Um momento chave foi quando Tuira, uma líder indígena, ameaçou com um facão o engenheiro José Antônio Lopes, que mais tarde tornou-se o presidente da empresa estatal de energia Eletronorte.
Em 2010, quando as autoridades governamentais colocaram o projeto de volta na mesa por uma terceira vez, eles aparentemente tinham aprendido com as experiências passadas. Primeiro, eles alteraram o nome do projeto: transformando-o de “Kararaô”, que na língua de um grupo indígena local é um grito tradicional de guerra, por “Belo Monte”, que significa “bela montanha” em Português, pois além de parecer menos ameaçador, não tinha qualquer ligação com a língua indígena.
A segunda e mais significativa alteração na abordagem do governo era reduzir a dimensão do projeto de várias barragens para apenas uma, a ser construída em uma área habitada por relativamente poucos índios, embora muitos mais fossem afetados indiretamente pela redução do fluxo de água e de peixes no rio.
A decisão de anunciar apenas uma barragem pode muito bem ter sido uma manobra bem sucedida para diminuir a resistência. Engenheiros têm alertado que Belo Monte não é viável por si só. Walter Coronado Antunes, o ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e ex-presidente da estatal de água influente e utilitário de saneamento Sabesp, disse que, se construída, a barragem de Belo Monte seria “o pior projeto de engenharia na história da hidrelétricas no Brasil, e talvez de qualquer projeto de engenharia do mundo. Algo que os engenheiros devem realmente sentir vergonha.” Ele acrescentou que grandes variações no fluxo do rio Xingu entre o verão (quando o nível do rio diminui drasticamente) e o inverno (quando os níveis dos rios aumentam significativamente novamente) seria um desastre técnico e econômico para a barragem.
Realizando acrobacias financeiras
Tendo aparentemente enganado seus oponentes, o governo logo descobriu que eles não teriam o apoio de seus maiores aliados – grandes empresas de construção do Brasil.
Pouco antes da licitação realizada para determinar qual consórcio iria realizar o projeto de Belo Monte, dois de quatro irmãs do Brasil – maiores empresas de construção do país – retiraram-se do processo. Odebrecht e Camargo Corrêa se juntaram ao dizer que “as condições econômico-financeiras não permitem nossa participação na oferta”. Em outras palavras, as empresas sentiram que não tiveram garantidas elevadas taxas de lucro.
O governo apressadamente criou um novo grupo, composto por um consórcio de empresas de construção e conhecido por Norte Energia, que acabou vencendo a licitação. No entanto, as empresas deste grupo, também se retiraram logo após.
Em face disso, a relutância das empresas de construção para participar de Belo Monte parece estranho. O então chefe da Norte Energia, José Ailton de Lima, disse que as condições financeiras oferecidas pelo BNDES (provedor de empréstimo principal no projeto) foram “talvez entre as melhores do mundo.” Mas havia um grande ponto de discordância: para uma barragem hidrelétrica ser atraente para os investidores ela deve apresentar retornos financeiros interessantes do ponto de vista de geração de energia o que parece não ser verdade.
Um estudo realizado por um grupo de ONGs, incluindo a International Rivers, concluiu que, apesar da generosidade financeira do BNDES, a barragem tinha “um elevado risco de gerar dividendos baixos ou até mesmo gerar prejuízos” por causa dos “custos de construção altamente incertos e da baixa capacidade de geração devido as características hidrológicas do rio Xingu” e outros problemas. Outros estudos surgiram sugerindo que a barragem poderia perder R$ 28 bilhões (US $ 7 bilhões) ao longo de sua vida útil.
Tendo em conta estes riscos financeiros, as empresas estavam compreensivelmente relutantes em colocar seu próprio dinheiro no projeto, embora estivessem muito ansiosos para realizar o trabalho de construção, pois prometia retornos atraentes sem risco no longo prazo.
Assim, quando a Norte Energia contratou outro consórcio, Consórcio Construtor Belo Monte, para construir a barragem em troca de “dinheiro-vivo”, Odebrecht e Camargo Corrêa retornaram a cena, juntamente com Andrade Gutierrez, empresa que fez parte do último consórcio vencedor que havia se retirado. Estas empresas representam três das quatro irmãs, as empresas mega-construção do Brasil, beneficiários de longa data do BNDES.
A relutância das empresas para assumir qualquer um dos riscos financeiros significou que o BNDES tinha que pagar por 80% do custo total da barragem, então estimada em R$ 19 bilhões (U$ 4,8 bilhões). Isso colocou os custos da participação do BNDES na casa dos R$ 15,2 bilhões (US $ 3,8 bilhões), um projeto de lei em grande parte paga pelo contribuinte brasileiro.
Um investimento tão grande do BNDES criou um dilema para o governo. Por lei, o banco não pode fornecer financiamento a um único projeto em excesso de 25 por cento dos seus ativos, na época estimados em R$ 57 bilhões (US $ 14,3 bilhões). Em outras palavras, a contribuição máxima do banco para o projeto deveria ter sido apenas R $ 14,25 bilhões (US $ 3,6 bilhões), o que teria deixado um déficit de R $ 950 milhões (US $ 238 milhões).
Mas o governo brasileiro interveio com uma correção técnica e passou por decreto um projeto de lei, a Medida Provisória (MP) 511, que permitiu que o Tesouro fornecesse uma quantia extra de R$ 5 bilhões (US $ 1,2 bilhões) para o BNDES. Ele também autorizou o Tesouro a perdoar uma dívida BNDES de até R$ 20 bilhões (US $ 5 bilhões) no caso de quaisquer “projetos de infra-estrutura que fossem considerados prioritários” , uma ressalva claramente criada para que o empréstimo a Belo Monte fosse concedido.
The O economista Mansueto de Almeida, do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), disse na época que ele achou a medida um “preocupante e perigoso precedente”. Este precedente é ainda mais preocupante hoje: com o custo de Belo Monte subindo continuamente, o projeto hoje é estimado em de R$ 31 bilhões (US $ 7,8 bilhões).
O BNDES foi perguntado pela organização Mongabay se o banco viu Belo Monte como um mau investimento, devido ao risco de gerar dividendos baixos ao longo do tempo. O banco respondeu que “Assim como os outros projetos de infra-estrutura de grande escala que recebem financiamento do BNDES, a operação financeira para a usina hidrelétrica de Belo Monte foi estruturada como financiamento de projeto, com base na previsibilidade da receita garantida por meio de contratos de longo prazo para a energia, assinado com a Norte energia SA “, empresa de construção líder do projeto. “Ao analisar o valor investido no projeto Belo Monte versus a capacidade de geração de energia, pode-se entender como um financiamento razoável, tendo em conta o histórico de custos para implementar várias usinas hidrelétricas em todo o Brasil.”
Há um outro fator, uma verdade não falada, sobre o financiamento de Belo Monte: o papel da corrupção. Nos últimos dias, quando as investigações Lava Jato cresceram, este aspecto crucial ficou em evidência. Em março deste ano, foi revelado pela revista semanal IstoÉ que Delcídio do Amaral, um senador líder do PT havia dito ao Ministério Público que o consórcio selecionado para construir a barragem tinha feito uma grande contribuição , que ele chamou de “suborno”, para o Partido dos Trabalhadores, a fim de ganhar o contrato de construção. O consórcio pagou, disse ele, no mínimo, R $ 30 milhões (US $ 8 milhões) e, provavelmente, até R$ 40 milhões (US$ 10,7 milhões), dinheiro que fez “uma contribuição decisiva para campanha eleitoral [do PT] de 2010 e 2014” . O agente de negociação principal para o consórcio, disse ele, era Flávio Barra, na época trabalhando para Andrade Gutierrez, uma das maiores empresas de construção do Brasil.
A colunista respeitada do jornal O Globo, Miriam Leitão, falou sobre a importância deste financiamento ao PT e explica que “o governo ignorou todas as críticas que mostravam que a Belo Monte era ruim ponto de vista econômico, fiscal, ambiental e humano.” Ela esclarece porque o governo insistiu em avançar com o projeto, mesmo quando as empresas de construção não assumiriam o risco financeiro: o dinheiro que as empresas de construção pagaram em subornos para o seu trabalho livre de risco em um empreendimento de alto risco era simplesmente muito importante para o PT. Ela acrescenta que, como Andrade Gutierrez decidiu colaborar plenamente com a investigação Lava Jato, novas revelações podem ser esperadas.
Se as alegações de Amaral forem confirmadas, o PT deve assumir a maior parte da culpa pelo que pode muito bem vir a ser um desvio vergonhoso de dinheiro público, mas BNDES também não pode ser totalmente isentado: ele falhou em sua obrigação de garantir que seus investimentos sirvam o interesse público.
Danos ao meio ambiente e grupos indígenas
Estas manobras financeiras demonstram a determinação inicial do governo para levar Belo Monte em frente a qualquer custo e sem controles financeiros e saldos significativos, um estilo de gestão imprudente que se tornou mais evidente à medida que o projeto avançava.
Depois de o Ministério Público Federal apresentar mais de 20 ações contra Belo Monte por não executar as salvaguardas ambientais e sociais exigidas por lei, e depois de MPF ganhar seu caso em tribunal, o governo instruiu o Procurador-Geral de ignorar ocaso. Isso foi feito invocando um instrumento autoritário raramente utilizado, chamado de “suspensão de segurança”, pelo qual as autoridades podem recusar-se a analisar os méritos de uma questão invocando a “ordem pública, a saúde, segurança e economia”.
O governo federal também ignorava preocupações expressas pelos próprios órgãos de fiscalização, a Funai e o Ibama. Abelardo Bayma Azevedo renunciou ao cargo de presidente do Ibama, em janeiro de 2011, depois de se recusar a conceder o projeto de uma licença, dizendo que Belo Monte ainda estava “cheio de problemas ambientais”. Ele não detalhou as suas preocupações específicas, mas o cientista respeitado, Philip Fearnside, chamou Belo Monte “a ponta do iceberg do impacto [ambiental] do projeto”, uma vez que uma série de barragens serão necessárias para fazer Belo Monte viável do ponto de vista energético.
Fearnside escreve que: “A proposta de Belo Monte é particularmente controversa porque são cinco barragens planejadas a montante do rio, incuindo a barragem de Altamira-Babaquara que possui 6140 quilômetros quadrados, isso teria impactos gravíssimos, inundando terras indígenas, destruindo a floresta tropical, e emitindo gases de efeito estufa. O caso de Belo Monte e das outras barragens do Xingu ilustra a necessidade absoluta de se considerar as interligações entre diferentes projetos de infra-estrutura e incluir estas considerações como uma condição prévia para a construção ou licenciamento de qualquer um dos projetos. A análise adiando os projetos mais controversos não é uma solução.”
Também houve numerosas queixas por funcionários da Funai sobre o fracasso do governo em proteger os grupos indígenas, o que culminou com a acusação muito grave de etnocídio feitas contra o governo pelo MPF em dezembro de 2015.
As tentativas dos grupos indígenas e comunidades ribeirinhas de protestar contra violações foram tratados com severidade. Em muitas ocasiões, as autoridades enviaram uma força policial especial para acalmar a agitação. Em uma dessas ocasiões, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse “para garantir a segurança de pessoas e bens e para manter a ordem pública em locais onde o trabalho de construção, demarcação e outras atividades do Ministério de Minas e Energia estão sendo realizadas”.
O BNDES responde a esses eventos e críticas, afirmando que, “Enquanto a planta está a ser implementada, cada desembolso de recursos do BNDES exige prova de que as licenças ambientais estão em ordem. Incluídas no investimento financiado pelo BNDES para implementar a usina de Belo Monte, estão as despesas de natureza socioambiental, perto de R$ 4 bilhões [US $ 1,1 bilhão]. É importante afirmar que, além de exigir requisitos ambientais, o BNDES inspeciona fisicamente e acompanha o investimento financeiro dos recursos aplicados para a obtenção de licenciamento do Ibama, que inclui também ações destinadas a beneficiar os povos indígenas.”
Um galinheiro financiado, construído e protegido pela raposa?
Muitos analistas afirmam que os principais problemas de Belo Monte, surgiram e desapareceram sem solução porque as autoridades federais são donas de todas as ações do projeto. Nenhum dos guardiões que deveriam monitorar e moderar os abusos potenciais como Funai ou Ibama por exemplo, foram autorizados a dirigir ou regular o projeto. E no caso do credor BNDES, o banco não fez críticas substanciais ao projeto, enquanto, por outro lado, abriu a carteira para os construtores várias vezes.
Em um processo relativo a Belo Monte, ISA (Instituto Socioambiental Instituto Ambiental / Social e), uma ONG brasileira, expõe: “Talvez o maior desafio enfrentado por Belo Monte é superar o conflito de interesses e contradições inerentes de um projeto que pertence ao governo federal e é, ao mesmo tempo realizado, financiado e monitorado pelo mesmo”.
Os críticos há muito tempo sugerem mudanças institucionais no BNDES para que os movimentos sociais, ambientalistas e outros possam questionar e fazer queixas formais sobre a maneira como o banco gasta o dinheiro público. Em 2011, a Plataforma BNDES, um grupo de ONGs importantes, indicaram uma série de reformas, incluindo a elaboração de políticas de transparência e de controle social. E, de fato, tem havido algumas melhorias nos últimos anos, conforme descrito no segundo artigo desta série, mas as mudança neste sentido estão em ritmo lento, dizem as ONG.
Belo Monte, com o seu tamanho e longa história, provavelmente serve como um exemplo de caso extremo de falha do banco para supervisionar os empréstimos gigantescos que faz, e para garantir aos contribuintes que o seu dinheiro é bem gasto. Mas aqueles que são críticos do banco também insistem em que Belo Monte ser visto como uma advertência urgente: o governo brasileiro, segundo eles, continua comprometido com o financiamento e construção de muitos outros projetos hidrelétricos importantes, em casa e nos países vizinhos através BNDES. Então, a menos que mecanismos regulatórios flexíveis e eficazes sejam postos em prática agora, outros grandes erros de barragens podem ir adiante, como por exemplo aqueles sobre os principais afluentes do Amazonas na Bacia do Tapajós (no Tapajós, Teles Pires e rios Juruena); e na Amazônia peruana (nos rios Inambari, Ene e Marañón).
Os críticos do BNDES alegam que estes projetos podem se beneficiar muito mais de bancos fiscalmente responsáveis e que são mais críticos ao conceder às empresas de construção grandes empréstimos e assim proteger os contribuintes contra maus investimentos, contra possíveis atos de corrupção por parte de prestadores de serviços e contra danos ambientais e sociais significativos.
O BNDES, em resposta, defende vigorosamente o seu registro e salvaguardas regulamentares: “Ao longo de sua história de mais de 60 anos, o Banco desenvolveu governança sólida que baseia a sua análise em critérios técnicos e impessoais, através do uso de órgãos colegiados. Estas práticas resultam em uma taxa de inadimplência muito baixa, a menor do sistema financeiro brasileiro, seja ele público ou privado. “O banco tem, no entanto que concordar com uma necessidade de flexibilidade em face de eventos como os observados em Belo Monte que agora possui conexão com grandes construtoras brasileiras na investigação Lava Jato: “Nossas práticas de concessão de crédito do Banco constantemente estão sendo melhoradas, e o Banco leva em conta os recentes episódios”, disse o BNDES.
Muito tem sido escrito sobre Belo Monte, mas ainda assim, algumas das pessoas que seguem o projeto mais de perto continuam perplexos com a escala dos abusos. Uma dessas pessoas é Thais Santi, o promotor local para o Ministério Público Federal. “A empresa [Norte Energia] se comporta como se fosse um poder soberano. É como se ele acreditasse que a lei foi suspensa. É como se o trabalho é de tal prioridade que tem de ser feito a qualquer custo. E o Judiciário não interfere porque acredita que não deve interferir nas políticas do governo”.
Por que o governo agiu dessa maneira? “Eu realmente não sei. Não é fácil entender Belo Monte. E, quem sabe, as investigações em curso [em torno do escândalo Lava Jato] possam trazer alguma luz a essa escuridão”.