Projetos de barragens no leito principal do rio Marañón inundariam o Celeiro do Peru
“Chadín não” dizem os grafites pintados no tronco de uma árvore solitária que se estende sobre uma estrada de terra no interior do Peru. A árvore decorava o quintal de uma humilde casa de barro cercada de algumas árvores frutíferas e um pequeno terreno de bananeiras.
Camponeses peruanos são conhecidos pela sua hospitalidade, porém, quando cumprimentei, o proprietário gritou nervoso: “Quem é você?” O meu guia, um professor de escola chamado Primi Araujo, explicou que eu era uma jornalista internacional, e o mais importante, eu não era representante da Odebrecht. “Eles (funcionários da Odebrecht) tiraram fotos sem a minha autorização”, diz o proprietário, explicando um pouco a antipatia pelos visitantes inesperados.
AUma placa de um protesto local conectando a proposta das barragens hidroelétricas Chadín com as necessidades de energia da Conga, mina de ouro e cobre de $5 bilhões, planejada e apoiada pela Corporação U.S. Newmont. Crédito fotográfico: Veronica Goyzueta |
O meu começo complicado com aquele pequeno agricultor, Paquito Vargas Machuca, ofereceu uma introdução rudimentar, mas reveladora sobre a reputação da Odebrecht em Huanabamba, uma cidadezinha de 1.000 habitantes localizada num desfiladeiro cruzado pelo rio Marañón. Vargas Machuca e a sua família vão perder a fazenda quando Odebrecht inundar a terra deles para criar o reservatório de 38 km² que proporcionará energia para Rio Grande 1, uma das três barragens hidroelétricas previstas para a região, que juntas recebem o nome de “Chadín”. A aldeia no sudeste do Departamento de Cajamarca seria a mais atingida das 20 comunidades que serão impactadas pelas barragens Chadín.
O rio Marañón é um dos mais importantes afluentes do poderoso Amazonas. Passa por uma região do norte do Peru onde duas das mais importantes biorregiões da América Latina se unem: as terras montanhosas dos Andes e a Floresta Amazônica. É uma das regiões biologicamente mais ricas, em rápido processo de mudança e mais ameaçada do mundo.
Conforme um acordo entre Brasil e Peru serão construídas 20 barragens ao longo do Marañón na próxima década. Os críticos que se opõem aos projetos ressaltam o sofrimento de pessoas como Vargas Machuca, e as consequências ambientais inevitáveis numa região ecologicamente sensível. Eles levantam outra questão: Por que inundar uma das terras agricultáveis mais produtivas e férteis do Peru?
Inundar o Celeiro do Peru
Cajamarca, um dos 25 departamentos do Peru, tem quase o mesmo tamanho que o estado de Alagoas, com uma área de aproximadamente 33.000 km². Cobre somente 2,6% do Peru, entretanto, conforme dados do governo fornece 6% da produção agropecuária, isso inclui banana, manga, arroz, feijão, mandioca e outros produtos consumidos pelos peruanos. A região também é uma importante produtora de café e cacau.
Peru planeja uma série de barragens enormes ao longo dos 1.700 km do rio Marañón, fonte principal do Amazonas. Há uma intensa oposição local para as barragens, que, alguns dizem, pode acabar em resistência violenta. Crédito fotográfico: Veronica Goyzueta
Praticamente tudo vem de fazendas familiares locais, portanto a agricultura oferece emprego para umas 340.000 pessoas do departamento, mais de 12% da sua população.
Cajamarca também é o principal produtor nacional de carne, com 703.000 cabeças de gado, e produtor de leite com 324.000 toneladas, ou seja, 17,8% da produção total nacional. A produtividade da região não passa desapercebida pelos grandes processadores de alimentos como a multinacional Nestlé e o campeão local, Grupo Gloria. Os dois estabeleceram fábricas de processamento de laticínios na região.
Cajamarca ganhou o apelido de Celeiro do Peru.
“Todos comemos aqui”, diz Vargas Machuca. Porém, quando ficou sabendo pela primeira vez sobre as barragens Chadín, o agricultor gostou da ideia. “Eles (Odebrecht) ofereceram muitas coisas maravilhosas, mas nenhuma vai ser cumprida”, ele diz.
Vargas Machuca recebeu uma proposta da Odebrecht para vender as suas terras para a companhia. Odebrecht também ofereceu construir uma nova casa para a família em um lugar indeterminado e transferi-los. “Provavelmente eles vão mover-nos para uma área deserta, onde tem só arreia”, ele diz.
Paquito Vargas Machuca e a sua família dizem que estão sendo pressionados para aceitar uma oferta da companhia brasileira Odebrecht para vender as suas terras e serem deslocados para um lugar indeterminado. Crédito fotográfico: Veronica Goyzueta
Em uma fazenda perto, Gregoria Bazán também é contra a barragem. “Todos temos plantação de manga, limão, banana, folhas de coca e lima que vendemos em Celendín e Cajamarca”. Funcionários da Odebrecht que moram aqui perto comem a comida que a Gregoria e os seus vizinhos produzem. “O que eles vão comer depois, dinheiro? Eles vão ter prata e ouro, mas nada para comer. Eles não vão ter água”, ela ri.
Os residentes querem investimento em agricultura, não eletricidade. “A região produz o melhor cacau do pais, mas as estradas que estão construindo não fazem sentido para transportar produtos”, declarou Milton Sánchez, secretário geral da Plataforma Interinstitucional Celendina (PIC). “Queremos estradas para levar a fruta para o mercado e não para os vales que serão inundados”.
“Eles estão bloqueando rios de corrida livre que terão barragens pela primeira vez, em vários pontos, provocando alterações no fluxo hidrológico do Amazonas, sem saber quais serão os impactos”, diz César Gamboa, diretor executivo da ONG Direitos, Ambiente e Recursos Naturais (DAR), em Lima.
Eletricidade para operações internacionais de mineração
Outro problema levantado pelos críticos é que as plantas hidroelétricas de Cajamarca abastecerão principalmente as mineradoras. Cajamarca abriga a mina de ouro Yanacocha, a mais grande do mundo. Existem 16 projetos de mineração que precisarão de muita eletricidade, especialmente Conga, El Galeno e Michiquillay, localizados perto das barragens Chadín.
Um mapa das 20 barragens apresentadas pelo governo peruano em 2011 por Supremo Decreto para o rio Marañón. Crédito do mapa: Governo peruano. Clique na imagem para aumentar. |
Em um discurso em uma conferência de indústria de mineração de 2013, em Arequipa, Peru, o presidente peruano Ollanta Humala foi bastante otimista com respeito à utilização da nova energia na mineração. “Como podemos ver, projetos de mineração predominam nesta região, nas montanhas de Piura, Lambayeque, Cajamarca e Trujillo”, ele diz. “Para que eles trabalhem, precisam de energia. E é por isso que estamos preparando a construção de pelo menos 5 plantas. Usando potência hidroelétrica elas podem gerar mais de 10.000 megawatts”. Os 5 projetos destacados pelo presidente foram: Chadín 2, Rio Grande 1 e 2, Veracruz, Rentema e Manseriche, apenas um punhado dos 20 da lista prevista para o rio Marañón.
“Qualquer barragem danifica um rio, mas os governos não levam isso em conta pois eles só querem a eletricidade”, diz José Serra Vega, um engenheiro peruano que escreveu um informe chamado Custos e Benefícios do Projeto hidroelétrico Chadín 2 no Marañón, publicado pela ONG Forum Solidaridad Peru no ano passado. “Para a companhia é um negócio. Eles constroem se é rentável”.
Gamboa concorda e aponta que os estudos sobre a viabilidade da barragem favorecem benefícios econômicos e desvalorizam impactos socioambientais. “Vivemos em tempos de declínio dos padrões. Existe uma via rápida para autorizar projetos na região, com redução na segurança, que é considerada um obstáculo para o investimento”, diz o pesquisador, que aponta uma falta de governo, transparência e da participação pública no desenvolvimento desses projetos de infraestruturas.
Grafite na fazenda do Paquito Vargas Machuca. A sua propriedade, junto com as de muitos vizinhos, seria inundada pelo projeto das barragens Chadín propostas para o rio Marañón. Crédito fotográfico: Veronica Goyzueta |
A Secretária de Imprensa do Presidente Humala, Cynthya Montes, não respondeu as solicitações de entrevista ou informação para este artigo. O diretor general do Departamento de Bem-estar de Ação Social, Félix Grández, diz que não sabe nada sobre os projetos hidroelétricos do rio Marañón. Representantes encarregados da infraestrutura, energia, meio-ambiente e programas sociais no Ministério de Energia e Minas (MEM) também foram contatados, bem como oficiais da Oficina de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) e o governo de Cajamarca. Nenhum deles respondeu.
Deslocamento forçado
O professor de escola Einer Esteban Dávila, que cresceu em Huanabamba, mora perto de Nuevo Huabal, onde os residentes da comunidade Huabal foram deslocados antes de encher o reservatório da barragem El Limón. “Eles enganaram para que as pessoas deixassem suas casas”, ele diz, descrevendo o que aconteceu lá e o que ele quer evitar em Huanabamba.
Para os residentes de Huanabamba, Huabal é um exemplo da indiferença da Odebrecht. “Odebrecht deslocou as pessoas para um lugar sem condições decentes para morar. Teve um grande desmoronamento e muita gente perdeu o pouco que tinha, se sentiram enganados”, explica Milton Sánchez da PIC.
Os nomes das 20 barragens propostas para o rio Marañón, com a capacidade de cada uma em megawatts. |
O agricultor Vargas Machuca sabe dessa história e não quer se mudar. “Eles (Odebrecht) falam que concordamos com um contrato de venda, que vão nos pagar e que vão nos mudar para outro lugar. Mas esse lugar é um deserto”, diz o camponês, que vive da pesca, das frutas e verduras colhidas na sua fazenda ao lado do rio Marañón.
Pierina Garateguy, porta-voz da Odebrecht localizada em Celendín alega que tudo está em ordem: “Os programas de compensações estão sendo realizados de maneira justa, dentro de parâmetros legais e estritamente de acordo com as normas em vigor. A companhia se comprometeu em melhorar as condições das pessoas afetadas mesmo durante compras, reassentamentos ou deslocamentos nas áreas afetadas para garantir melhores condições de vida, com água, energia e outros serviços básicos, gerando um valor sustentável com o tempo”.
Perseguição e Criminalização
Aurora Araujo, uma líder comunitária em Huanabamba e Celendín, diz que as reuniões com engenheiros da Odebrecht são tensas e complicadas. Muitas foram adiadas, criando problemas para pequenos fazendeiros e indígenas que frequentemente tinham que viajar quilômetros, caminhando dias até chegar aos eventos. “Eles (Odebrecht) trazem pessoas que não pertencem à comunidade, as vezes para atacar-nos”, ela diz, mostrando os documentos das reuniões canceladas.
“Eles falam que vão mover-nos pela força se não aceitamos a proposta. Eles enganam as pessoas com presentes, como panettones e fornos. E conseguiram assinaturas de apoio das pessoas que já perderam as casas e que já não possuem terrenos na região”, diz Araujo, que calcula que umas 5.000 pessoas serão impactadas pelas barragens e reservatórios do Marañón.
Araujo, que mora em uma modesta casa antiga no centro de Celendín, diz que funcionários da Odebrecht acusam ela de pegar dinheiro das ONG, e ameaçam de morte as pessoas que se opõe aos projetos. “Nas reuniões, tem tiros. É Deus quem protege a gente na luta por água”.
Foi feita uma segunda tentativa para contatar a oficina da Odebrecht em Celendín para obter uma resposta detalhada sobre estas acusações, mas eles não responderam. Também não houve retorno ao tentar falar com oficiais da Odebrecht em Lima e São Paulo.
O rio Marañón é só um dos cinco maiores afluentes do Amazonas nos Andes, e está programado para ter 151 barragens hidroelétricas. Os especialistas dizem que as barragens poderiam ser uma catástrofe social e ambiental para a Amazônia. Crédito fotográfico: Veronica Goyzueta
Santos Saavedra Vasquez, presidente das Rondas Campesinas de Cajamarca, denominação para as patrulhas autônomas camponeses na parte rural do Peru, também acusa Odebrecht de assediar aos pequenos fazendeiros. Ele adverte que esta tensão poderia intensificar os conflitos sociais, ambientais e culturais que já permeiam os projetos de mineração vizinhos. “Temos líderes que estão sendo pressionados e perseguidos”, ele diz, acrescentando que o governo também tem culpa na criminalização dos manifestantes.
Protestos contra mineradores em Cajamarca, especialmente em Conga, deixaram 11 mortos e 282 feridos entre 2004 e 2013. Conforme a Defensoría del Pueblo, existe um nível alto de violência nos protestos, com uns 303 líderes ambientais presos e julgados.
“Eles querem nos levar pela força. Não queremos barragens. Ninguém quer perder as fazendas. Onde vamos morar?”, pergunta Aurora Araujo.
“Não queremos caridade”, declara Vargas Machuca. Pobreza opressiva e miséria são os dilemas enfrentados pelo Departamento de Cajamarca hoje em dia, um departamento peruano assentado sobre um dos maiores depósitos de ouro do mundo. As barragens do rio Marañón provavelmente aumentarão a miséria, dizem residentes, não a reduzirão.
“We don’t want charity,” declared Vargas Machuca. Grinding poverty and misery are the dilemmas facing Cajamarca today, a Peruvian department sitting atop some of the world’s largest gold deposits. The damming of the Marañón River is likely to increase that misery, say local residents, not reduce it.