O aumento de 28% no desmatamento da Amazônia brasileira no último ano que foi reportado na semana passada é uma má notícia, mas não é surpreendente. É má notícia porque o declínio no desmatamento desde 2005 nos deu a maior contribuição para a mitigação das mudanças climáticas no planeta, superando de longe as reduções nas emissões atingidas por qualquer país do Anexo 1 sob o Protocolo de Quioto [1]. A conquista do Brasil é particularmente notável porque não veio à custa da produção agrícola; a produção de carne e soja continuou a crescer [1, 2]. O aumento no desmatamento não é surpreendente porque ainda não há incentivos positivos indo para os agricultores e produtores de gado, cuja decisão de uso da terra determina o quanto de floresta é derrubada a cada ano. Há tempo para corrigir isso.
Analisamos aqui algumas hipóteses sobre por que o desmatamento aumentou e alguns pensamentos sobre quais razões são mais plausíveis. A maioria são hipóteses que foram apresentadas na mídia e na literatura. O teste rigoroso delas exigirá uma avaliação mais profunda.
Hipótese 1: O novo Código Florestal no Brasil deu licença aos proprietários de terras para derrubar mais florestas
Resposta: Improvável.
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Em primeiro lugar, o novo Código Florestal não reduz a quantidade de floresta que os proprietários devem manter em suas propriedades. Eles devem manter pelo menos 80% de suas propriedades rurais com florestas se elas forem localizadas na região amazônica.
Em segundo lugar, há uma surpreendente falta de provas concretas de que o Código Florestal tenha inibido o desmatamento no passado. A conformidade tem sido muito baixa, em parte porque o governo fez pouco para implementar o código. No Mato Grosso, menos de 1/5 dos proprietários estava em conformidade com o Código Florestal em 2012 [3].
Poderia a anistia concedida aos proprietários no novo Código Florestal, reduzindo a área de terra que eles precisam reflorestar, ter incutido nos proprietários um senso de impunidade, encorajando-os a derrubar mais florestas? Talvez, mas se esse fosse o caso, por que eles não começaram a fazer valer sua impunidade no último ano, depois que o novo Código Florestal foi aprovado?
Hipótese 2: O aumento nos preços das commodities aumentou a rentabilidade da conversão florestal para colheitas e gado, elevando as taxas de desmatamento.
Resposta: Provavelmente um fator significativo, quando combinado com a hipótese 3
Em primeiro lugar, os preços da soja ficaram perto de sua maior alta no final de 2012 e começo de 2013, e o Real um pouco mais desvalorizado favoreceu as exportações. (Os preços da carne, corrigidos para a inflação, ficaram iguais.) A soja não é o maior fator do desmatamento, mas é o uso do solo em larga escala mais rentável na Amazônia. De particular importância, os preços altos da soja elevam os valores da terra, capitalizando e deslocando pecuaristas, que podem então penetrar mais nas fronteiras florestais[4].
Em segundo lugar, a maior parte da Amazônia não é adequada para a soja. Apenas 3% da Amazônia é arborizada, adequada para soja e fora das áreas protegidas [5]. A maior parte do potencial para conversão para soja é encontrada no Mato Grosso, onde o desmatamento aumentou em 390 km2 (de um aumento total de 1.270 km2). O Pará, onde o maior aumento na derrubada de florestas ocorreu (640 km2, metade do total), apenas limitou o potencial para a expansão da soja.
Em terceiro lugar, a intensificação da pecuária pode estar diminuindo, tornando mais difícil aumentar a produção de carne e colheitas sem derrubar florestas. (A intensificação da pecuária – mais produção de carne por área de pasto – tem sido um elemento importante do declínio no desmatamento na região da Amazônia brasileira porque permitiu que o rebanho de gado e a produção de soja crescessem com menos desmatamento para novas colheitas e pastagem [1, 2].)
Hipótese 3: As medidas de “comando e controle” que têm sido implementadas na Amazônia para reduzir o desmatamento estão atingindo seus limites. Os agricultores ainda têm que receber incentivos positivos para seu papel na redução do desmatamento.
Resposta: Provavelmente muito importante.
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Embora se possa pensar que a grande redução do Brasil no desmatamento envolva tanto incentivos positivos quanto negativos para evitar que agricultores e produtores de gado cortem árvores, isso não é verdade. Os incentivos são quase todos negativos (veja tabela abaixo). Alguns programas criados para oferecer incentivos positivos, tais como o REDD+, ainda não foram implementados de uma forma que passem sinais positivos para produtores responsáveis, exceto por alguns poucos projetos dispersos, a maioria usando fundos exteriores ao mercado para pagamentos (por exemplo, o Fundo Amazônia). Uma revisão desse tópico será publicada em dezembro de 2013 [6]). Com essa falta de incentivos positivos para manter as florestas em pé, e talvez com a percepção de que a aplicação da lei tem diminuído, o desmatamento associado à especulação da terra pode ter aumentado.
Lei/Iniciativa | Métrica Florestal | Incentivo Negativo | Incentivo Positivo |
Código Florestal | 80% da propriedade com cobertura florestal | Multas, acesso a crédito | Nenhum |
Municípios críticos | Desmatamento em todo o município | Acesso ao crédito e mercados | Nenhum |
Moratória da soja (voluntária) | Data limite para derrubada de florestas | Acesso a compradores de soja | Nenhum |
Moratória da carne (voluntária) | Data limite para derrubada de florestas | Acesso a compradores de carne | Nenhum |
Mesa Redonda de Soja Responsável (RTRS), Voluntária; poucas fazendas certificadas | Restrições para o desmatamento de habitat nativo | Produtores não certificados podem ser excluídos de alguns mercados | Acréscimo de preço (embora eles tenham sido muito baixos) |
REDD+ | Desmatamento histórico, cobertura estadual | Nenhum | Ainda não implementado em escala |
Compromisso do Fórum sobre Bens de Consumo (CGF) | Desmatamento líquido zero até 2020 | Exclusão de compradores do CGF | Nenhum |
Programa de Crédito de Baixo Carbono (ABC) | Cumprimento jurídico | Juros de crédito baixos (5,5%), mas captação tem sido baixa |
Projeção: Oito das leis, programas e iniciativas voluntárias criados para reduzir o desmatamento estão operando no Mato Grosso, onde a maior parte do declínio no desmatamento ocorreu. Quase todos os incentivos para agricultores manterem as florestas em pé têm sido negativos (from ref 6).
Hipótese 4: Assentamentos rurais da Reforma Agrária ainda estão sem uma alternativa efetiva ao desmatamento.
Resposta: Provavelmente não é um fator significativo
O declínio no desmatamento ocorreu principalmente em propriedades rurais de média ou grande escala, que têm sido o foco das atividades policiais e outros incentivos negativos. Pequenos agricultores tendem a desmatar a mesma quantia a cada ano. Sua capacidade de desmatar é limitada por restrições de trabalho. Sua capacidade de responder às oportunidades nacionais e internacionais de mercado também é baixa, já que a maioria de sua produção é para subsistência ou mercados locais. O desmatamento de pequenos agricultores como proporção do desmatamento total na Amazônia brasileira aumentou, mas ainda não sabemos se houve aumento substancial na área absoluta desmatada pelos pequenos agricultores.
Outra possível causa:
Infraestrutura: a construção de represas (Belo Monte) e melhorias (atuais e planejadas) no transporte de soja ao longo do corredor do rio Tapajós podem ter aumentado a derrubada de florestas no estado do Pará. O segundo fator pode estar levando à especulação de terras e derrubada de florestas no norte do Mato Grosso e oeste do Pará. Um complexo hidrelétrico no rio Madeira pode ter contribuído para o aumento do desmatamento no estado de Rondônia.
Resposta geral
O aumento do desmatamento é provavelmente o resultado de vários fatores. Não há evidência de que o Novo Código Florestal seja um deles. É importante lembrar também que o aumento é pequeno. O desmatamento em 2012 foi 77% mais baixo do que a média de dez anos que terminou em 2005; em 2013, 70% mais baixo. A quantidade de desmatamento reportada recentemente ainda é a segunda mais baixa desde que o monitoramento oficial começou.
Evitando que o desmatamento aumente mais (analisado na referência ref 6)
- Negociar uma definição comum de sucesso na redução do desmatamento entre os setores agrícola, pecuária e financeiro. A taxa média histórica de desmatamento já é usada como um parâmetro de desempenho pelos programas de REDD+, de Política Nacional de Mudanças Climáticas e pelo programa de “Municípios Críticos”, e é recomendada aqui como uma métrica simples e robusta.
- Alinhar o compromisso de “desmatamento líquido zero” do Fórum sobre Bens de Consumo, programas de crédito agrícola, outros instrumentos financeiros (tais como o ICMS Verde recentemente implementado no estado do Pará), o financiamento de REDD (o Fundo Amazônia está estudando uma proposta do Mato Grosso há dois anos), e outros benefícios, para favorecer os produtores e governos locais que estão diminuindo o desmatamento em municípios e estados inteiros para baixo de sua média histórica. O volume de fundos para financiar o desmatamento é muito maior do que o voltado para reduzir o desmatamento. Essa proporção precisa ser reduzida ou mesmo invertida.
- Desenvolver alternativas econômicas para famílias de pequenos produtores em assentamentos da Reforma Agrária que não dependam de mais derrubada de florestas. Fornecer aos pequenos agricultores serviços de extensão e infraestrutura que eles precisam para investir em sistemas de produção mais intensivos que reduzam a pressão sobre as florestas.
- Aumentar o apoio aos meios de subsistência dos povos indígenas. Seus territórios agem como fortes barreiras para o desmatamento.
Autores
Daniel Nepstad, PhD
Diretor Executivo
Contato: dnepstad [at] earthinnovation.org
David McGrath, PhD
Cientista Sênior
João Shimada
Líder em Commodities Agrícolas
Claudia Stickler, PhD
Cientista
CITAÇÕES:
- Nepstad, D. C., W. Boyd, C. M. Stickler, T. Bezerra, and A. A. Azevedo. 2013. Responding to climate change and the global land crisis: REDD+, market transformation and low-emissions rural development. Philosophical Transactions of the Royal Society B-Biological Sciences 368.
- Macedo, M. N., R. S. DeFries, D. C. Morton, C. M. Stickler, G. L. Galford, and Y. E. Shimabukuro. 2012. Decoupling of deforestation and soy production in the southern Amazon during the late 2000s. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 109:1341-1346.
- Stickler, C. M., D. C. Nepstad, A. A. Azevedo, and D. G. McGrath. 2013. Defending public interests in private lands: compliance, costs and potential environmental consequences of the Brazilian Forest Code in Mato Grosso. Philosophical Transactions of the Royal Society B-Biological Sciences 368.
- Nepstad, D. C., C. M. Stickler, and O. T. Almeida. 2006. Globalization of the Amazon soy and beef industries: opportunities for conservation. Conservation Biology 20:1595-1603.
- Nepstad, D. C., C. M. Stickler, B. S. Soares Filho, and F. Merry. 2008. Interactions among Amazon land use, forests and climate: prospects for a near-term forest tipping point. Philosophical Transactions of the Royal Society 363:1737-1746
- Nepstad, D., S. Irawan, T. Bezerra, et al. in press. More food, more forests, fewer emissions, better livelihoods. Carbon Management