Recent deforestation in the Brazilian Amazon. Photo by: Rhett A. Butler.
O Brasil, que está no meio do processo de reformar seu Código Florestal, pode tirar lições da revisão feita em 2007 na lei de florestas da Rússia, dizem um par de cientistas russos.
O Senado brasileiro aprovou uma lei que pode relaxar algumas das disposições impostas aos proprietários rurais. Ambientalistas criticam a medida, argumentando que o novo Código Florestal – se não for vetado em 2012 pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff – poderia prejudicar o progresso do país em reduzir o desmatamento.
Com base na experiência recente da Rússia, os cientistas Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva dizem que pode haver justificativa para preocupação.
Embora o Brazil tenha florestas tropicais e a Russia florestas boreais, ambas nações controlam algumas das maiores florestas do mundo, com um tendo implementado mudanças em grande escala – Rússia, enquanto o outro -Brasil- está na iminência de fazê-lo.
No início de 2007, o novo Código Florestal da Rússia entrou em vigor. O novo código foi feito para tranferir o controle sobre as florestas do governo federal para os governos regionais. O desenvolvimento das florestas poderia ocorrer agora sem qualquer Estudo de Impacto Ambiental (EIA), com as florestas vistas principalmente como commodities em vez de ecossistemas.
“O novo código florestal Russo foi criado para tomar o poder sobre a floresta dos antigos ‘donos’ (os funcionários que herdaram o controle florestal da União Soviética) e dá-lo aos novos empresários russos que organizaram-se em uma força no final dos anos 1990. Os membros da nossa elite política atual são conhecidos por participações em algumas das maiores empresas florestais no início dos anos 90. Nem os velhos nem os novos gestores realmente se importavam muito com a conservação da floresta, mas em termos comparativos, os antigos eram melhores”, afirmam os cientistas russos Victor Gorshkov e Anastassia Makarieva, que abertamente se opõem as mudanças.
A transição entre o Código Florestal antigo para o novo foi muito tumultuada na Rússia, muitos assuntos foram deixados vagos na nova lei, permitindo o que Gorshkov e Makarieva descrevem como uma política florestal de “livre-para-todos” (pegue o que quiser e o que puder).
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“Na prática o Código Florestal Russo veio a significar que todos puderam extrair num local tudo que quisessem, sem qualquer responsabilidade sobre as consequências ou a sustentabilidade. […] O caos que se seguiu quando esta lei bruta foi adotada causou um pico na extração ilegal de madeira. […] A parte norte europeia da Rússia foi afetada mais severamente, porque possue uma rede de estradas mais densa do que digamos a Sibéria”, dizem Gorshkov e Makarieva.
Durante o planejamento para aprovar a legislação do novo Código Florestal, Gorshkov Makarieva, ambos pesquisadores do B.P. Konstantinov Petersburg Nuclear Physics Institute, escreveram duas cartas abertas ao governo “com advertências contra o novo Código Florestal.” Gorshkov e Makarieva são conhecidos como os autores de uma teoria revolucionária e polêmica, segundo a qual as florestas funcionam como uma bomba para a precipitação, trazendo chuvas das zonas costeiras para os interiores continentais. Segundo eles, florestas, e não temperaturas, propelem o vento com umidade devido à condensação. Enquanto a teoria tem recebido muita rejeição de alguns meteorologistas, ela também tem despertado interesse entre ambientalistas e outros cientistas.
Em suas cartas para o governo os pesquisadores advertiram que “a exploração ampliada da floresta irá perturbar o ciclo hidrológico na Rússia continental e previram secas drásticas entre outros extremos climáticos.”
Três anos após a implementação do novo Código Florestal, uma onda de calor recorde, secas e incêndios atingiram a Rússia, deixando Moscou sob um manto de fumaça, consumindo um quinto da globalmente importante safra de trigo da Rússia, e provavelmente matando milhares.
Para alguns pareceu que as advertências de Gorshkov e Makarieva tinham se materializado, fazendo com que os dois físicos aparececem como Cassandras modernos, como a profetisa de Tróia sempre correta, mas condenada a ser ignorada.
“Quando em 2010 a onda de calor desastroso atingiu a parte europeia do país, as nossas cartas foram amplamente citadas na Internet russa. Estamos convencidos de que as anomalias climáticas na Europa são decorrentes do maciço desmatamento russo, o que perturbou o fluxo normal de umidade de Oeste para o Leste, do Atlântico para a Eurásia”, dizem Gorshkov e Makarieva .
Ainda assim, as causas por trás da onda de calor recorde estão em debate: dois estudos recentes entraram em conflito sobre que papel a mudança climática pode ter desempenhado na onda de calor e seca.
Mas uma questão que não é controversa é como o novo Código Florestal da Rússia minou o manejo do fogo durante os desastres de 2010. A responsabilidade pela gestão de incêndios florestais passou do governo federal para os governos regionais, mas poucos haviam assumido sua responsabilidade.
“Não houveram grupos organizados para evitar a propagação do fogo”. O resultado foi que perdemos vidas, propriedades e uma grande área de floresta foi danificada”, disseram Gorshkov e Makarieva.
No caso da Rússia o relaxamento das regulamentações sobre florestas levou à destruição em larga escala, uma situação ruim que foi agravada por uma lei vaga, que fez pouca referência aos direitos públicos e da comunidade sobre as florestas. Além disso, as pessoas tiraram vantagem da incerteza para derrubar mais florestas, visando lucro a curto prazo. Embora normas específicas sejam diferentes, e ainda que o desmatamento no total do ano tenha caido, no Brasil viu-se um súbito aumento no desmatamento da Amazônia em março de 2012, o que muitos observadores têm ligado com a mera possibilidade do permissivo novo Código Florestal tornar-se lei.
Dada a experiência da Rússia, surge a duvida, se o novo Código Florestal vier a tornar-se lei como o Brasil vai controlar aqueles que quiserem levar vantagem sobre a temporária incerteza no governo?
Uma questão mais fundamental pode ser: é este o momento de afrouxar a regulamentação na Amazônia ou de fortalecê-la? Gorshkov e Makarieva argumentam com sua teoria que a contínua perda da floresta amazônica levará a seca generalizada, um problema que já vem atormentando a Amazônia nos últimos anos.
“Em relação às conseqüências do desmatamento para o Brasil, o conceito de bomba biótica prevê flutuações drásticas e uma instabilidade crescente do ciclo hidrológico, com uma tendência para a desertificação. Estudos recentes (por exemplo, Espinoza et al. 2009) confirmam a queda de precipitação na bacia amazônica que é particularmente bem manifestada desde o início dos anos 1980. Alinhado com esta tendência, a Amazônia viu várias secas extraordinarias no curto prazo de 1998 a 2010”, dizem eles.
Muitos ambientalistas advertem que esta situação poderia se tornar pior, alertando que o novo código proposto para o Brazil extingue regulamentos históricos (mesmo que amplamente ignorados): o WWF estima que o Código Florestal revisado irá reduzir a cobertura florestal no Brasil em 76,5 milhões de hectares (765.000 quilômetros quadrados), uma área maior que o Texas. Essa perda pode tornar-se devastadora para fontes de água doce, biodiversidade e populações indígenas. Mas de acordo com Gorshkov e Makarieva a perda irá também agravar as condições de seca, talvez comprometendo o ecossistema da Amazônia inteira, resultando no abandono da agricultura brasileira à secura, sem ter para onde ir.
Imagem da Rússia e em áreas próximas de 04 de agosto de 2010 pela NASA moderate Resolution Imaging Spectroradiometer durante a onda de calor russo em 2010, o que provocou secas e incêndios. Incêndios especialmente intensos são destacados em vermelho. Fumaça de turfa e os incêndios florestais levaram a níveis perigosos de poluição em toda Moscou e áreas adjacentes.