A Mongabay está lançando uma nova edição do livro “Uma Tempestade Perfeita na Amazônia”; a obra está sendo publicada em versão online, por partes e em três idiomas: espanhol, inglês e português.
O autor, Timothy J. Killeen, é um acadêmico e especialista que estuda desde a década de 1980 as florestas tropicais do Brasil e da Bolívia, onde viveu por mais de 35 anos.
Narrando os esforços de nove países amazônicos para conter o desmatamento, esta edição oferece uma visão geral dos temas mais relevantes para a conservação da biodiversidade da região, serviços ecossistêmicos e culturas indígenas, bem como uma descrição dos modelos de desenvolvimento convencional e sustentável que estão competindo por espaço na economia regional.
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A tecnologia de produção de carne bovina em todas as outras regiões amazônicas está atrasada em relação ao Brasil, com exceção da Bolívia, que adotou amplamente a abordagem brasileira para a produção de carne bovina. Os produtores bolivianos podem ser classificados em dois tipos principais, cada um deles em uma região diferente: (1) fazendas extensivas em pastagens naturais sazonalmente inundadas no Beni; e (2) fazendas intensivas em pastagens cultivadas em Santa Cruz.
Ambos os grupos incluem produtores de grande e médio porte, e ambos adotaram raças brasileiras e tecnologia veterinária. As fazendas no Beni têm taxas de lotação muito baixas devido à baixa qualidade da forragem das gramíneas nativas. Consequentemente, eles produzem principalmente bezerros e machos imaturos (A+B), que são vendidos aos produtores de Santa Cruz (cruceños), localizados mais perto dos centros populacionais e dos frigoríficos.
Os produtores cruceños adotaram o modelo de produção brasileiro em sua totalidade, incluindo a prática de semear gramíneas cultivadas em pastagens diretamente em solos recentemente desmatados. O setor é responsável por cerca de 35% do desmatamento histórico total na Bolívia, que corresponde a cerca de quatro milhões de hectares.
Em 2016, o governo encerrou a proibição das exportações de carne bovina, que já durava uma década, como parte de uma estratégia para diversificar a economia nacional. A China iniciou as importações da Bolívia em 2019 com uma compra inicial de cerca de mil toneladas de carne bovina industrializada, um volume que aumentou para 7.900 toneladas em 2020, 80% do total das exportações de carne bovina. O valor dessas exportações em 2020 foi de US$ 42 milhões, um número pequeno porém significativo para a economia rural de Santa Cruz. No futuro, o governo espera multiplicar esse número por cinco até 2025 Essa e outras políticas estimularam o desmatamento, que atingiu um recorde histórico de 240.000 hectares em 2020.
No Peru e no Equador, a criação de gado é descrita com mais propriedade como uma atividade artesanal do que como um modelo de produção moderno. Os rebanhos são geralmente uma mistura genética de gado tradicional, vacas leiteiras e raças brasileiras; as taxas de reprodução são baixas e a mortalidade é alta. As taxas de lotação são geralmente inferiores a 0,5 cabeça por hectare; a forragem é de qualidade muito ruim e a infestação de ervas daninhas é um problema universal. A maioria das pastagens está em pousio, parte de um sistema de produção em que as pastagens e a floresta de segundo crescimento ocupam um estágio temporal em um ciclo de rotação centrado em culturas anuais.
O retorno econômico dessas práticas de produção de gado de baixa tecnologia é notoriamente baixo, com um fluxo de caixa líquido de apenas cerca de US$ 50 por hectare, em comparação com cerca de US$ 300 para o milho e US$ 850 para o cacau. Pequenos fazendeiros no Peru e no Equador criam gado em terras que, basicamente, não têm outra atividade econômica. O gado é visto como um ativo líquido que acumula valor no curto prazo e pode ser facilmente monetizado para emergências médicas ou eventos marcantes. Essencialmente, uma conta poupança com cascos. Ambos os países têm programas destinados a melhorar a produtividade, mas nenhum deles exporta carne bovina, nem é provável que o façam em um futuro próximo.
As pastagens ocupam cerca de 70% das terras anteriormente desmatadas na Amazônia em ambos os países, mas a produção de gado não é uma causa de desmatamento; em vez disso, é um subproduto do desmatamento de terras por pequenos agricultores que cultivam alimentos para os mercados nacionais ou cultivam uma cultura comercial perene para os mercados internacionais.
Há algumas exceções. Na província de Morona-Santiago, no sudeste do Equador, as famílias Schuar e Achuar adotaram a criação de gado na década de 1970 como uma tática para formalizar a posse da terra. A motivação para a derrubada da floresta não foi a criação de gado como meio de vida, mas a proteção de suas terras contra a ocupação por imigrantes. No entanto, no Equador eles são uma importante fonte de carne bovina de alta qualidade.
Na Colômbia, a cadeia de fornecimento de carne bovina é mais sofisticada do que no Equador e no Peru, mas ainda está aquém da produtividade dos pecuaristas da Bolívia e do Brasil. Em parte, isso representa a diversidade de suas comunidades e produtores rurais, mas também reflete a falta de investimento causada pelo conflito civil que já dura décadas. O setor pecuário está passando por mudanças profundas, estimuladas em parte pelo processo de paz iniciado em 2016, mas também pelo acordo de livre comércio com os Estados Unidos, que está obrigando os produtores a aumentar a eficiência ou perder participação no mercado.
Antes de 2010, o rebanho bovino colombiano era composto por cerca de 25 milhões de cabeças, uma população que se manteve estável por aproximadamente trinta anos. Cerca de 55% do rebanho era destinado à carne bovina e 4% a operações de laticínios, sendo o restante criado tanto para leite quanto para carne, uma característica típica dos sistemas artesanais tradicionais. Os produtores mais sofisticados eram os fazendeiros de grande escala nas savanas naturais dos Llanos del Orinoco onde as gramíneas nativas impunham baixas taxas de lotação.
Nos Andes e na costa do Caribe, dezenas de milhares de pequenos, médios e grandes produtores criavam gado em pastagens pobres cultivadas em solos degradados. Na Amazônia colombiana, três departamentos têm um legado de desmatamento ligado ao setor pecuário: Putumayo, Caquetá e Guaviare. O mais importante, Caquetá, foi colonizado por migrantes a partir de 1960 e agora é caracterizado por criadores de gado de médio a grande porte em aproximadamente 1,3 milhão de hectares.
O governo e a Federación Colombiana de Ganaderos (FEDEGAN) embarcaram em um ambicioso programa para expandir e modernizar o setor pecuário. O setor está adotando essencialmente a tecnologia e o modelo de produção brasileiro, o que levou a um aumento sustentado do rebanho nacional nos últimos anos. Esse esforço revitalizou o setor pecuário em Caquetá, onde o rebanho bovino cresceu de 1,3 milhão em 2016 para mais de 2,3 milhões em 2019. A iniciativa é notável por sua intenção de criar um modelo de produção com desmatamento zero, e a maior parte da produção expandida foi obtida por meio da melhoria da criação de animais e do manejo de pastagens.
No entanto, a Amazônia colombiana sofreu um aumento no desmatamento que atingiu níveis recordes em 2017 (130.000 ha), 2018 (155.000 ha) e 2020 (145.000). O aumento do desmatamento está frequentemente ligado à produção de coca ilícita, mas as pastagens estão sendo estabelecidas simultaneamente em paisagens onde a aplicação da lei é deficiente e a posse da terra é caracterizada pelo caos.
A Venezuela tem um setor pecuário relativamente grande localizado nos Llanos del Orinoco, mas o país ainda importa cerca de 40% do seu consumo nacional – ou importava antes da crise econômica que se tornou particularmente aguda após 2016. As estatísticas geradas pelo governo mostram um rebanho estável, mas fontes não oficiais relatam uma queda de cerca de 45%. De qualquer maneira, a região amazônica nunca desenvolveu um setor pecuário economicamente significativo.
Da mesma forma, a Guiana e o Suriname têm setores pecuários minúsculos e nenhum histórico de desmatamento ligado à indústria pecuária. Roraima, no Brasil, tem um setor pecuário de tamanho moderado baseado em sua savana nativa, com cerca de 880.000 cabeças de gado; no entanto, o município com a maior população de gado é Mucajaí (100.000 cabeças), uma paisagem de pequenos proprietários altamente desmatada localizada ao sul da capital do estado de Boa Vista.
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).