A degradação florestal – causada por fatores ambientais ou humanos – foi responsável por mais liberação de carbono na Amazônia brasileira do que o desmatamento entre 2010 e 2019, relataram pesquisadores de universidade norte-americana.
Os cientistas descobriram que a Amazônia brasileira teve mais desmatamento em 2019 do que em 2015, mas liberou três vezes mais carbono em 2015 do que em 2019. A provável fonte desse excesso de carbono em 2015 foi a degradação florestal e a perda de biomassa, provavelmente devido à seca e a tempestades intensas relacionadas ao efeito El Niño daquele ano.
São necessárias mais pesquisas para determinar com precisão quanto da degradação florestal é causada pelas atividades humanas, como a extração ilegal de madeira e a fragmentação das florestas, além dos incêndios para abrir espaço para pastagens e plantações, ou por fatores ambientais, como a intensificação da seca decorrente das mudanças climáticas.
A grande quantidade de carbono que é liberada pelas florestas degradadas na Amazônia brasileira deveria, segundo os pesquisadores, resultar numa avaliação das atuais políticas de conservação que se concentram quase exclusivamente em prevenir o desmatamento em vez de coibir a degradação.
Há muito tempo se supõe que o desmatamento – medido de forma fácil e precisa a partir de satélites – representa a maior ameaça aos bilhões de toneladas de carbono armazenado na biomassa da Amazônia brasileira. Mas a degradação florestal causada por perturbações ambientais e humanas é a responsável pela maior parte dessa perda de carbono, de acordo com pesquisadores da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Na verdade, a degradação – a perda de qualidade da floresta – liberou três vezes mais carbono do que o desmatamento entre 2010 e 2019, dizem eles.
“Estamos entusiasmados por poder analisar a área florestal, a mudança de cobertura florestal e a mudança de biomassa”, disse Yuanwei Qin, pesquisador do Centro para Observação e Modelagem da Terra da Universidade de Oklahoma e principal autor do estudo. “Mas depois de ver os resultados, ficamos preocupados com a conservação da Amazônia brasileira. Precisamos fazer alguma coisa para aumentar o sequestro de carbono na floresta a fim de ajudar a mitigar as mudanças climáticas.”
O estudo faz parte de um corpo crescente de pesquisas que enfatizam a importância da degradação florestal na Amazônia. “O trabalho deles é relevante e novo e está levando a ciência para uma direção nova e importante”, diz David Skole, professor do departamento de Florestas da Universidade Estadual de Michigan (EUA), que não esteve envolvido no estudo. “Trazer a degradação para a discussão é muito importante.”
O desmatamento é definido como a remoção total das árvores, que na Amazônia é feita principalmente para facilitar a pecuária ou o plantio, e historicamente observado por satélite. A degradação florestal é um processo mais sutil, e até então mais difícil de medir e monitorar, embora muito mais alastrado. A degradação é uma perda de qualidade e saúde da floresta, resultado de influências ambientais (como a seca, tempestades e intensificação do calor), ou da influência humana (como a fragmentação devido à extração ilegal de madeira para retirar árvores de grande valor, ou de incêndios, que na Amazônia brasileira são na maior parte causados por grileiros para valorizar as terras e torná-las mais utilizáveis).
Embora a atividade humana remova grandes trechos de floresta todos os anos, essa área desmatada ainda representa apenas uma pequena fração da Amazônia brasileira. Contudo, a degradação humana e ambiental pode abranger vastas regiões, levando a uma perda imensa de biomassa e liberação de carbono até mesmo em áreas onde as árvores continuam de pé. “Você pode até andar por lá e dizer: ‘Uau, isso é uma floresta tropical’”, diz Skole. “Mas ela pode estar bastante degradada pelas atividades humanas.”
Para comparar os efeitos da degradação florestal e do desmatamento sobre a perda de carbono, a equipe de pesquisa liderada por Qin usou mapas de profundidade da vegetação acima do solo como um parâmetro para o armazenamento de carbono. Eles também usaram imagens de radar para medir a cobertura florestal, conforme relataram no estudo e apresentaram na reunião da União Geofísica Americana em dezembro.
Os cientistas mapearam a relação entre a área florestal e a biomassa acima do solo entre 2010 e 2019. “Descobrimos que, sim, o desmatamento contribuiu para a perda de biomassa”, diz Qin. Mas a relação matemática não era perfeita – áreas sem desmatamento ainda estavam perdendo biomassa. “Então, a área florestal [perdida] sozinha não poderia explicar a perda [total] de biomassa.”
Em 2019, por exemplo, a Amazônia brasileira perdeu 39 mil quilômetros quadrados de área florestal, mas em 2015 a perda foi de apenas 30 mil quilômetros quadrados. “Contudo, a perda líquida de AGB [biomassa acima do solo, na sigla em inglês] foi três vezes menor em 2019 do que em 2015”, observa o estudo. A equipe acredita que um forte efeito El Niño, que causou seca extrema e tempestades, provavelmente contribuiu para a grande degradação florestal e perda de biomassa em 2015.
A seca é um fator chave da perda de carbono pela degradação florestal, dizem os pesquisadores. Sua análise mostra que as perdas de biomassa cresceram à medida que os níveis anuais de precipitação caíram. “Sob estresse hídrico, as árvores não crescem, ou perdem suas folhas por anos”, diz Xiangming Xiao, diretor do Centro para Observação e Modelagem da Terra da Universidade de Oklahoma e um dos autores do estudo. Isso significa menos material vegetativo no qual o carbono pode ser armazenado. Esses efeitos da seca podem persistir por anos. Embora a seca possa ser um impacto ambiental natural, as mudanças climáticas causadas pelo ser humano e a “queima de florestas para limpar terras para a agricultura e pastagens” intensificaram bastante a seca na Amazônia brasileira nos últimos anos, de acordo com um estudo da Nasa de 2019.
Os pesquisadores esperam definir melhor a relação entre seca, degradação florestal e perda de carbono em estudos futuros, diz Xiao. Uma questão importante: quanto exatamente a atividade humana está contribuindo para a perda de biomassa e de carbono nas florestas degradadas da Amazônia (incluindo incêndios, extração ilegal de madeira, fragmentação e morte de árvores devido às secas causadas pelas mudanças climáticas).
Qin e seus colegas sugerem que sua metodologia para medir as mudanças na área florestal, capaz de penetrar as nuvens, fumaças de incêndios e outras condições atmosféricas que mascaram as imagens, fornece uma estimativa mais precisa da cobertura florestal do que outros métodos disponíveis atualmente. Skole, contudo, sugere que isso tem um custo em termos de resolução espacial.
O estudo não diferencia entre a degradação causada por fatores ambientais como o El Niño e fatores humanos como a extração seletiva de madeira. “Isso cria um problema para os gestores públicos que queiram implementar ações e medidas para reduzir o desmatamento e a degradação causados por ações humanas”, diz Skole.
No Brasil e no mundo, essas políticas incluem o REDD+ , uma iniciativa da ONU que incentiva atividades no setor florestal para manter as árvores em pé e o carbono armazenado. Esforços internacionais mais amplos, destinados a reduzir as emissões de carbono e conter as mudanças climáticas sob o Acordo de Paris, juntamente com outras iniciativas, também podem ajudar a reduzir a degradação devido à intensificação da seca.
“A degradação se tornou muito importante”, diz Skole. “É difícil de medir, difícil de quantificar, e geralmente não é abordada pelas políticas.” Embora as políticas possam não ser capazes de afetar os padrões do El Niño, espera-se que o estudo atual estimule mais investigações sobre a degradação florestal.
“Em áreas florestais remotas, acho que é uma variabilidade natural”, diz Qin. Mas as políticas para mitigar as mudanças climáticas causadas pelo homem podem conter os efeitos da seca na Amazônia, enquanto um melhor manejo florestal pode preservar a biomassa da floresta. “Nosso estudo apoia políticas que reduzem alguns tipos de degradação florestal, como a extração seletiva de madeira e os incêndios florestais.”
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Citação:
Qin, Y., Xiao, X., Wigneron, J.-P., Ciais, P., Brandt, M., Fan, L., Li, X., Crowell, S., Wu, X., Doughty, R., Zhang, Y., Liu, F., Sitch, S., Moore III, B. (2021). Carbon loss from forest degradation exceeds that from deforestation in the Brazilian Amazon. Nature Climate Change 11, 442–448. doi: 10.1038/s41558-021-01026-5
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