Os altos preços do ouro levaram a um aumento na actividade de mineração.
As actividades de mineração ameaçam as florestas primárias do Suriname, algumas das mais intacta na América do Sul.
O mercúrio, libertado durante o processo de mineração, pode ser tóxico, e está a aparecer bem a jusante, junto a centros populacionais humanos.
Esta é a primeira de uma série de duas partes sobre a mineração de ouro no Suriname. Leia a segunda parte aqui.
Preços recordes do ouro durante uma grande parte da última década desencadearam uma corrida massiva ao ouro, em grande parte na bacia amazónica, resultando na destruição de milhares de hectares de floresta tropical intacta e na contaminação de grandes rios com metais pesados tóxicos. Um relatório recém publicado pela Amazon Conservation Team intitulado “Amazon Gold Rush: Mineração do ouro em Suriname” explora a rápida expansão, e os impactos da mineração de ouro no Suriname, através de cartografia e narrativa digital.
Reporta que entre 2000 e 2014 a extensão de mineração de ouro no país sul-americano aumentou em 893 por cento.
Enquanto a floresta amazónica do Brasil e do Peru são bem conhecidas, as extensas e antigas florestas tropicais do Suriname continuam a ser um dos segredos naturais mais bem guardados do mundo, de acordo com o relatório online. Mas a procura por este metal elementar ameaça destruí-las.
“De acordo com os nossos cálculos, a desflorestação causada pela mineração de ouro tem vindo a crescer de forma constante desde a mudança de século, mais rapidamente nos últimos cinco anos”, disse a mongabay.com Rudo Kemper, Coordenador de Desenvolvimento Web e SIG na Amazon Conservation Team. A taxa média de desflorestação desde 2000 é cerca de 3.000 hectares por ano, mas em 2014 estima-se que 5.712 hectares de cobertura florestal tenham sido perdidos devido a actividades relacionadas com a mineração de ouro, disse Rudo Kemper. O projecto REDD+, de colaboração regional na Guiana, para o estudo da mineração de ouro, mostra tendências semelhantes, reportando uma quase duplicação (97 por cento de aumento) da desflorestação 2008-2014 e atribuindo um total de 53,668 hectares de desflorestação à para extracção de ouro em 2014.
O Escudo da Guiana, como Kemper coloca, é um dos três cratões da placa tectónica sul-americana. “É uma região de floresta tropical com montanhas cobertas de florestas únicas chamadas tepuis”, disse ele. “Tem a maior extensão de floresta tropical imperturbável no mundo, e uma das mais altas taxas de biodiversidade.” O Suriname é um dos países mais arborizadas do mundo, como destaca o relatório. Em 2012, 95 por cento da área do país foi classificada como floresta.
Globalmente superado apenas pela seu vizinha, Guiana Francesa, a floresta tropical intacta do Suriname abriga inúmeras espécies únicas de fauna, como o galo-da-serra-do-pará (Rupicola rupicola), a famosa rã azul (Dendrobates tinctorius), o macaco-aranha-preto (Ateles paniscus), e a preguiça-de-bentinho (Bradypus tridactylus). Onças, antas, tamanduás também chamam casa a esta região. A região cinturão de rochas verdes, rica em minerais, é onde tem ligar a maior parte da mineração de ouro no Suriname. É composta, principalmente, por terras altas, florestadas, pertencentes ao Escudo das Guianas. Os ambientalistas temem que a desflorestação, causada pela rápida expansão das actividades de mineração de ouro, está a ter um impacto negativo no habitat de muitas espécies únicas.
Desde os anos 60, o desenvolvimento e incursões para a extracção de recursos no interior do país tornaram-se comuns. Estas invasões têm tomado a forma de construção de barragens, exploração madeireira, mineração de bauxita e, a partir da mudança do século, de mineração de ouro industrial de pequena escala, diz o relatório. Dado que é um dos menores países do mundo, a taxa anual de produção de ouro do Suriname não se pode comparar ao de países maiores, como a África do Sul, a China, a Rússia ou o Peru. Mas em relação à sua área terrestre, o Suriname, na verdade, posiciona-se em décimo na produção de ouro global.
Dois tipos diferentes de mineração de ouro são predominantes no Suriname, de acordo com o relatório ACT: mineração artesanal e de ouro em pequena escala, e operações industriais. O primeiro refere-se a uma ampla variedade de actividades que vão desde o simples uso de peneiras para peneirar solo, até ao uso de máquinas modernas, como tractores e motores hidráulicos. Destes, são as últimas formas mecanizadas que compõem a maior parte da mineração de ouro em pequena escala e a produção no Suriname. Uma vez que a mineração de ouro em pequena escala é muitas vezes ilegal, as estatísticas (incluindo as do USGS) não incluem estimativas sobre este tipo de mineração, porque é mais difícil de medir. Isto significa que a taxa real de produção de ouro pode ser muito maior do que o que é retratado pelos dados disponíveis, e muito do que pode estar a ocorrer sem regulamentos ambientais e de saúde adequados.
Apanhado no meio da devastação ambiental provocada pela expansão da mineração de ouro no Suriname estão as comunidades indígenas e Maroon [descendentes contemporâneos de africanos anteriormente escravizados], cujos meios de subsistência estão cada vez mais vinculados à participação em actividades de mineração nos seus territórios, diz o relatório. Esta actividade também pode ter consequências prejudiciais para a saúde humana.
“Além de ser um catalisador da desflorestação, a mineração de ouro industrial de pequena escala ameaça significativamente os serviços dos ecossistemas e modos de vida humanos, tanto próximo da actividade como mais longe”, escrevem os autores.
O mercúrio é o componente chave nas operações de mineração de pequena escala para separar o ouro do solo. Designado pela Organização Mundial de Saúde como um dos 10 principais produtos químicos de grande preocupação de saúde pública a nível mundial, a exposição ao mercúrio pode resultar em danos neurológicos graves. Em todo o Suriname, as normas para despejar mercúrio são geralmente relaxadas, com lamas contaminadas por mercúrio, que provém das caixas utilizadas na separação do minério, autorizado a correr livremente em riachos próximos e, posteriormente, a jusante nos cursos de água maiores. Uma vez que se estabelece fora da água, está longe de deixar de existir; o mercúrio é uma substância persistente, mantendo-se no solo durante milhares de anos.
Pode também ficar na cadeia alimentar através de um processo chamado de bioacumulação. Como as espécies predadoras comem outros organismos menores contaminados, os níveis de mercúrio vai amplificando quanto mais acima na cadeia alimentar. É por isso que, em ecossistemas aquáticos, grandes peixes predadores são mais susceptíveis de transportar grandes quantidades de mercúrio. Infelizmente, estas espécies são também tipicamente preferidas para consumo humano, o que faz com que o consumo de peixe seja a principal causa à exposição ao mercúrio.
A exposição ao mercúrio tem consequências graves para a saúde humana – mesmo pequenas quantidades de mercúrio podem causar distúrbios neurológicos e comportamentais graves, incluindo deficiências sensoriais, tremores, perda de memória, insónia, dores de cabeça, falta de coordenação, insuficiência renal, capacidades reprodutivas deficientes e problemas de desenvolvimento infantil.
Peixes predadores, como o Anjumara e a piranha, são reservatórios de mercúrio – mas também são as principais fontes de proteína para as pessoas que vivem no interior do Suriname, e são consideradas iguarias no litoral. Os cientistas do país estão agora a alertar as pessoas contra o consumo excessivo dessas espécies por causa do risco de exposição ao mercúrio, de acordo com o relatório.
A ameaça do mercúrio não está a ser sentida apenas junto aos locais de mineração de ouro. Com muitos dos rios do Suriname fluindo do norte para o Atlântico, onde estão localizadas as maiores cidades, grande parte população do país está em risco de exposição. Segundo o relatório, os maiores distritos de Paramaribo, Wanica e Commewijne, juntos, constituem cerca de 400.000 pessoas – quase 74,5 por cento da população total do país em 2012. Os rios Suriname, Commewijne e Saramacca que correm para estes distritos densamente povoados estão significativamente afectados pela intensa mineração de ouro, sobretudo a montante, diz o relatório.
Um estudo referenciado pelo relatório calculou que entre 10.000 a 20.000 kg de mercúrio são libertados, anualmente, no Suriname, e que a quantidade de mercúrio “desgaseificando” para a atmosfera supera os valores depositados em córregos.
“Alguns estudos científicos têm examinado os níveis de mercúrio detectados nos cabelos humanos, tanto em áreas próximas da actividade de mineração de ouro e também mais longe”, disse Kemper. “O estudo mais recente sobre o assunto, realizado por uma equipa de biólogos do Suriname, analisou os níveis de mercúrio relacionados com a mineração de ouro em pequena escala em quatro aldeias, situadas ao longo do rio Matawai Saramacca. A equipa detectou níveis elevados, muito acima da norma, em todos os quatro locais, onde o consumo de peixe é uma parte regular da dieta. Enquanto os níveis não estão ainda num estágio onde os sintomas são abundantemente óbvios, eles certamente indicam alto risco”.
Perturbadoramente, disse ele, o nível mais alto foi registado na aldeia de Pusugrunu – o local mais remoto – cerca de 40 km a montante do local de mineração de ouro mais próximo. “Isto sugere que a contaminação relacionada com a mineração pode ter efeitos negativos sobre a saúde humana muito longe de onde a mineração real está a ocorrer. Isto tem implicações graves para toda a população do país… “