Apesar de já se ter escrito muito sobre o potencial de reduzir as emissões de gás com efeito de estufa através da proteção das florestas tropicais, um programa que propõe isso mesmo foi contestado por um número de fatores, incluindo preocupações sobre a exactidão da medição das reduções de carbono. Uma incapacidade de medir adequadamente o carbono poderia desvalorizar a eficácia do programa Reduzir Emissões causadas pela Desarborização e Degradação (REDD+) como uma forma de mitigar as alterações climáticas e assegurar benefícios para o povo local. No pior caso, uma falta de medições de carbono rigorosas poderia levar a resultados malignos como o aumento da degradação de florestas tropicais através da indústria madeireira, fraudes financeiras, e até desencorajamento em investir em energias mais amigas do ambiente como a energia solar.
John O. Niles |
Para ajudar com os problemas técnicos que existem na medição de carbono, a Universidade da Califórnia, San Diego e o World Wildlife Fund (WWF) lançaram um novo Certificado em Medição de Carbono Terrestre Avançado. O programa é liderado por John O. Niles, Director de Clima e Florestas na WWF-EUA e um antigo conferencista sobre ciência de carbono global e políticas na Universidade da Califórnia, San Diego.
O curso também terá conferencistas convidados, que abordaram temas como SIG (Sistema de Informação Geográfica), teledetecção, medições no campo, alometria, e outros campos relacionados com a medição de carbono.
Niles nota que enquanto a maioria das pessoas irá presumir que o programa é apenas sobre o REDD+, ele tem na verdade aplicações mais amplas, especialmente por causa do maior interesse em emissões de carbono pelo sector da agricultura.
“É um curso intensivo e competitivo, com seis módulos que dão aos profissionais que participam todas as ferramentas e competências que precisam para criar modelos de carbono matematicamente em sistemas terrestres,” disse Niles. “O curso está estruturado com base no Guia de Boas Práticas no inventário de gás de efeito de estufa do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas. Mas as sugestões deste guia nunca foram destinadas para o REDD+.”
“O programa certificado destina-se a profissionais que já trabalham na área de redução de emissões causadas pela desarborização em país em desenvolvimento (REDD) e relacionados com áreas como agricultura ambiental. Não é para aqueles que estão apenas agora a entrar na área do carbono terrestre.”
Em uma entrevista com o Mongabay.com em Abril, Niles respondeu a algumas questões sobre o novo curso.
Floresta Tropical no Bornéu da Malásia. Foto por Rhett Butler
UMA ENTREVISTA COM JOHN O. NILES
Mongabay.com: O que é o novo programa? O que irão aprender os participantes?
John O. Niles: O novo programa é um Certificado em Medição de Carbono Terrestre Avançado que é creditado pela Universidade da Califórnia, San Diego. Este novo programa certificado internacionalmente será realizado este Agosto durante 4 semanas no campus ensolarado no sul da Califórnia. É um curso intensivo e competitivo, com seis módulos que dão aos profissionais que participam todas as ferramentas e competências que precisam para criarem modelos de carbono matematicamente em sistemas terrestres. Os seis módulos incluem SIG (Sistema de Informação Geográfica), teledetecção, medições no campo, alometria, e uma forte enfase em juntar todos os dados e criar estatísticas para modelos geo-espaciais, que são essenciais. O curso está estruturado com base no Guia de Boas Práticas no inventário de gás de efeito de estufa do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas. Mas as sugestões deste guia nunca foram destinadas para o REDD+. As sugestões são muito uteis mas também algo complicadas de colocar em prática. O programa certificado destina-se a profissionais que já trabalham na área de redução de emissões causadas pela desarborização em país em desenvolvimento (REDD) e relacionados com áreas como agricultura ambiental. Não é para aqueles que estão apenas agora a entrar na área do carbono terrestre.
Mongabay.com: Existem mais alguns programas como este?
John O. Niles: Que nós saibamos, não existe nenhum curso que ensine medição de carbono terrestre num nível tão avançado, por um período tão longo, e que resulta num certificado creditado por uma importante universidade internacional. Existem algumas oportunidades semelhantes mas a maioria é muito mais básica, como o curso online sobre florestas e carbono terrestre do GHG Management Institute (Instituto de Gestão de Gás de Efeito de Estufa). A Coligação de Florestas Tropicais (Rainforest Coalition) também tem fornecido um ensino excelente em carbono terrestre. Mas, tanto quanto sabemos, este é o primeiro curso de seis módulos substanciais avançado e creditado, em como medir, modelar e a ter em conta o carbono biótico.
Mongabay.com: Qual foi a inspiração para o novo programa?i>
Biblioteca Giesel na UCSD (Universidade da Califórnia, San Diego). Foto cortesia da UCSD. |
John O. Niles: Para o REDD+ ter sucesso nos próximos anos, ele tem de evoluir para incluir acordos de incentivos à conservação de grande escala, baseados no desempenho. O atractivo original do REDD+ era que países em desenvolvimento que exibiam uma verdadeira redução medível de emissões gases de efeito de estufa seriam recompensados. E essa compensação seria baseada no número de emissões evitadas. Na prática, isto significa que os países têm de ser capazes de medir com exactidão e fazer relatórios precisos sobre o estoque e fluxo de carbono em vários tipos de floresta, e têm de conseguir fazer estimativas credíveis sobre a redução de emissões. No entanto, a capacidade de criar com precisão estimativas de confiança sobre as reduções de emissões está localizada desproporcionadamente em países que não são classificados de “em desenvolvimento”. É suposto que o REDD+ distribua incentivos a países em desenvolvimento, portanto é necessário um esforço em conjunto para treinar profissionais em todos os países. Tentamos especificamente ter um tipo vasto de candidatos de todos os países para este novo certificado. Já recebemos mais candidaturas do que as vagas que temos para este ano. E estamos orgulhosos que mais de 60% estão a vir dos países menos desenvolvidos. Assim, a inspiração é que para o REDD+ ter sucesso, todos os países têm de ser capazes de fazer estimativas de elevada qualidade sobre o carbono florestal. Devido à sua intensidade, duração e foco em estatísticas, o novo certificado de medição de carbono irá ajudar a disseminar capacidades avançadas nesta área e criar a próxima geração de professores por todo o mundo. Um grande foco do curso não é apenas sobre boas práticas de matemáticas a aplicar à medição de carbono, mas também aplicar as novas capacidades aos sistemas de níveis de referência e de monotorização de florestas do REDD+. Por exemplo, muitas poucas pessoas sabem que as Directrizes de Boas Práticas do PIAC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas) [IPCC em inglês] sugerem que determinadas variáveis essenciais (nos nossos termos, factores de emissões e dados de actividade) deveriam ser submetidos a publicações revistas pelos pares e/ou submetidos à Base de Dados de Factores do PIAC. Assim, iremos ajudar as pessoas no curso a desenvolverem as capacidades e conhecimentos em como fazer boas medições de carbono e depois em como publicar ensaios revistos pelos seus pares, e também como submeter informação importante à Base de Dados de Factores do PIAC.
Mongabay.com: Mas não é estranho que um curso destes seja realizado na América? Deveria o curso ser realizado em locais com mais necessidade?
John O. Niles: Fazem nos muito essa pergunta. A resposta curta é “sim” e a resposta longa é “sim mas irá levar algum tempo”. Cursos como este deviam ser realizados em todos os países, ricos ou pobres, desenvolvidos ou em desenvolvimento. A nossa intenção é ver como corre o primeiro ano na Califórnia e depois explorar se podemos internacionalizar o curso mantendo o padrão de elevada qualidade académica e excelência de ensino. Mover a instrução para universidade e liceus em vários países faz parte do nosso plano de três anos. Pensamos que a melhor maneira de internacionalizar este ensino técnico avançado é juntar os melhores e mais brilhantes, estudantes e professores, e realizar o primeiro certificado internacional avançado. Iremos aprender o que resulta e o que não resulta quando ensinarmos a matéria. Depois ajustaremos o curso e exploraremos se e como podemos compartir o ensino do curso a outras universidades de topo por todo o mundo.
Mongabay.com: Quem está envolvido no programa?
John O. Niles: Dúzias de pessoas e as suas organizações estão ajudando a lançar o novo certificado internacional em medição avançada de carbono terrestre. Os maiores contribuidores têm sido várias pessoas e organizações da Universidade da Califórnia, San Diego. Estão incluídas algumas das melhores e mais brilhantes pessoas do Programa de Extensão, reconhecido internacionalmente, da Universidade da Califórnia, do Instituto de Soluções Sustentáveis, do Instituto de Oceanografia Scripps e do incrivelmente inovador Instituto de Informação, Telecomunicações e Tecnologia de Informação da Califórnia (CALIT2). Um dos gráficos mais importantes nas ciências planetárias modernas é a Curva de Keeling que mostra as concentrações de CO2 com um aumento constante. Esta curva foi desenvolvida por Ralph Keeling, que foi um professor na Scripps durante muitos anos. CALIT2 é uma plataforma extraordinária para a inovação colaborativa baseada na tecnologia.
Em conjunto com as fantásticas pessoas na Universidade da Califórnia, San Diego, a WWF-EUA tem prestado um enorme apoio. A WWF claramente entendeu a teoria de mudança por detrás do curso desde as discussões iniciais. Lou Leonard, Ginette Hemley, Marcia Marsh e outros líderes na WWF-EUA foram os primeiros que acreditaram e que nos apoiaram. Outras pessoas importantes têm sido Naikoa Aguilar-Amuchastegui, um grande especialista em carbono florestal da WWF que leccionou um curso semelhante em Madre de Dios, Peru, no ano passado. O curso nunca teria existido se não fosse o Tropical Forest Group e o seu tenaz diretor, Jeff Metcalfe. Também dispomos de pessoas fantásticas no nosso Conselho de Consultores, incluindo uma pessoa que é um modelo e exemplo a seguir para mim, Benoit Bosquet do Banco Mundial. Também presente no Conselho de Consultores está Toby Janson-Smith, que tem feito um excelente trabalho no REDD+ por uma década e um dos mais importantes modeladores de carbono e de uso de terreno no mundo, Dr- Holly Gibbs. Em termos de professores do curso, o Dr. Stuart Sandin é professor assistente no Instituto de Oceanografia Scripps e um dos melhores bio estatísticos. Ele tem uma habilidade inata para ensinar estatísticas verdadeiramente poderosas e complexas, e sobressai ao transmitir conhecimentos matemáticos para a conservação. Temos sorte em ter alguns dos membros do Conselho de Consultores a dar aulas teóricas e esperamos anunciar em breve alguns outros intelectuais nas suas respectivas áreas.
Floresta Tropical no Bornéu. Foto por Rhett Butler
Mongabay.com: são as perspectivas a curto prazo [por exemplo, na atualidade) e a meio termo [3-5 anos] para os profissionais do REDD+?
John O. Niles: A comunidade ambiental global tem feito inovações fantásticas no espaço REDD+. Assistimos a um novo nível de entusiasmo e novas formas de cooperação entre governos, o setor privado, comunidades, organizações sem fins lucrativos e académicos. O melhor exemplo disto é a parceria REDD+ entre a Fauna and Flora International (FFI) e o Banco Macquarie. FFI é o grupo de conservação internacional mais antigo. O Banco Macquarie é conhecido como um duro banco de investimentos que gere centenas de biliões de dólares. Estas duas organizações se juntaram em torno do REDD+ para explorar projetos de colaboração e parceria.
O motivo pelo qual começo por este ponto é que o REDD+ é um espaço ativo para parcerias inovadoras, tomadas de risco e desafio de limites e fronteiras. O REDD+ tem de continuar a evoluir. E para isso acontecer, os profissionais do REDD+ precisam de evoluir. Atualmente há apenas algumas pessoas que sabem fazer medições de carbono florestal muito bem. Isto não quer dizer que carbono florestal tem de ser complexo. Não tem. Apenas tem de ser bom. Mas dada a variedade de florestas e a falta de um instrumento mágico que faça estimativas do carbono terrestre do espaço, são necessárias habilidades especiais. Precisamos que muitos profissionais REDD+ desenvolvam as suas habilidades e que depois se tornem os professores da próxima geração. Precisamos de ver o número de profissionais de medição avançada de carbono terrestre aumentar em vários níveis. As Alterações Climáticas não irão desaparecer e o REDD+ irá continuar a ser um local de inovação e progresso. Existem fundos reais disponíveis para os países que se resolvam a realizar sistemas credíveis REDD+ pagos-por-resultados. Portanto, a curto prazo, vejo os profissionais REDD+ a desenvolverem as suas habilidades de maneira a poderem aceder a grandes quantias de financiamento para a conservação inovadora. Necessitamos de pessoas de todo o mundo com fortes competências para demonstrar que organizações como a Parceria de Carbono Florestal do Banco Mundial podem realizar grandes formas progressivas de cooperação ambiental internacional. E precisam de o fazer de uma maneira confiante, para que os doadores e o setor privado se mantenham envolvidos em salvar florestas para lutar contra as alterações climáticas. A meio termo, vejo o balanço a mudar para que haja paridade onde estão os conhecimentos especializados. É por isso que estamos tão entusiasmados em relação ao curso. O nosso objetivo final é ajudar a alcançar uma visão onde muitos países fazem o seu próprio ensino para que possam conhecer e gerir melhor os seus valores de recursos florestais.