Pessoas acampadas perto da BR-163, em Novo Progresso, passaram mal depois de serem atingidas por agrotóxico jogado de avião em fazenda vizinha ao acampamento.
O grupo de luta pela terra está há um mês acampado em uma área grilada dentro do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa, cercado por seguranças armados.
O conflito ocorre em uma das áreas mais conflagradas da Amazônia, e autoridades temem uma escalada da violência.
Um grupo de luta pela terra acampado próximo à BR-163, no município de Novo Progresso, no Pará, amanheceu nesta sexta-feira (22) com o barulho de um avião que jogava agrotóxico em uma área próxima. Logo, o cheiro forte do produto chegou aos barracos de lona e diversas pessoas começaram a passar mal.
“O avião começou de longe, daí foi se aproximando, aproximando…”, contou uma das acampadas, que prefere não se identificar por razões de segurança. “Enquanto falo com você, estou sentindo um gosto amargo na boca e meu rosto está coçando. Uma moça aqui do meu lado ficou tonta”.
O grupo de aproximadamente 70 pessoas, incluindo mulheres e crianças, está acampado há um mês na área que pertence ao Projeto de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa, mas que, segundo o Incra, foi ocupada ilegalmente pelo fazendeiro Ari Friedler.
Desde que chegou ao local, conhecido como Fazenda Hebrom, o grupo foi cercado por uma equipe de 14 seguranças armados contratados por Friedler e Bruno Heller, alvo de uma mega-operação da Polícia Federal em agosto de 2023. Conhecido como um dos maiores desmatadores da Amazônia, Heller é acusado de grilar uma área de mais de 20 mil hectares vizinha à terra ocupada ilegalmente por Friedler. Destes, cerca de 1.900 hectares estão dentro do PDS Terra Nossa.
Segundo acampados ouvidos pela Mongabay, o avião estava sobrevoando a área de Heller. A Mongabay entrou em contato com os advogados do fazendeiro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O advogado de Friedler, Manoel Malinski, disse à Mongabay por mensagem de texto que todas as acusações são falsas e que isso será provado na Justiça. Friedler também prestou queixa na Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém, que indiciou as lideranças do acampamento.
Além da intimidação constante, os seguranças fecharam o acesso ao acampamento, obrigando o grupo a se dividir. Uma parte ficou do lado de dentro da porteira. Se saírem, não voltam mais. Outra parte ficou do lado de fora, impedida de entrar. Alimentos, água e medicamentos precisam ser passados por cima da cerca.
Em 4 de novembro, um juiz da Vara Agrária de Santarém determinou a liberação da estrada, mas até esta sexta-feira (22) a decisão não havia sido cumprida. “Estamos encurralados, e eles cada vez mais estão fechando o cerco”, disse uma pessoa ouvida pela reportagem da Mongabay, que foi ao local em meados de outubro.
Segundo os acampados, as ameaças aumentaram nos últimos dias, e os funcionários da Fazenda Hebrom estão construindo uma cerca para limitar ainda mais a circulação das famílias.
O Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) informou que os novos acontecimentos são graves e que está tomando medidas urgentes. Nesta quinta-feira (22), o órgão se reuniu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Justiça, o Incra e a Polícia Federal para cobrar providências imediatas em relação à regularização fundiária da área e à segurança dos acampados. O MPF também abriu uma investigação na esfera criminal, que está sob sigilo.
Com 146 mil dos seus 150 mil hectares ocupados por grileiros, o PDS Terra Nossa é o epicentro das disputas de terra em uma das regiões mais violentas da Amazônia. Somente em 2018, cinco pessoas foram assassinadas por conflitos envolvendo o assentamento, e até hoje as lideranças vivem sob ameaça.
“A gente tem toda uma preocupação porque a gente sabe que essa região é bem tensa”, afirmou Antônio José Ferreira da Silva, conciliador agrário do Incra que esteve no local em meados de outubro.
As primeiras decisões judiciais determinando a retirada dos invasores começaram a sair recentemente, incluindo uma liminar contra Bruno Heller. “Temos mais de vinte ações já com liminar no PDS Terra Nossa. São mais ou menos 60 mil hectares, que, se a Justiça cumprir essas liminares, estarão disponíveis para a gente colocar as famílias”, disse Silva. Para ele, a notícia de que as áreas seriam retomadas acabou atraindo as famílias sem-terra para o local.
O grupo de acampados inclui vários moradores do distrito de Castelo dos Sonhos, localizado a cerca de 70 km da Fazenda Hebrom, mas também famílias que vieram do Maranhão, Rondônia e Goiás em busca do sonho da terra própria.
Segundo apurado no local pela reportagem, as famílias foram atraídas por Francisco das Neves, que criou uma associação e há cerca de um ano vem recolhendo dinheiro de cerca de quinhentos associados com a promessa de criação de um assentamento. Segundo ele, os recursos são usados para pagar os custos da associação e comprar comida e medicamentos para o grupo.
Conhecido como Goiano, ele foi preso em 2019 após liderar um movimento semelhante que invadiu uma área dentro da Floresta Nacional do Jamanxim, uma unidade de conservação protegida por lei.
A reportagem conversou com Goiano, que disse estar recebendo ameaças de morte. “Tá chegando uma enxurrada de ameaças de morte pra mim na minha casa”, ele contou à Mongabay.
Uma vez que a Justiça determine a saída dos grileiros, as áreas serão destinadas novamente à reforma agrária, afirmou o Incra. A preferência, no entanto, será das cerca de 700 famílias que já deveriam ter sido assentadas no PDS Terra Nossa, mas que foram impedidas pelos fazendeiros.
Os servidores do Incra irão voltar ao local no dia 15 de dezembro para cadastrar os acampados, para que eles também entrem na lista de espera do órgão. “Existe uma demanda de terras enorme aqui na região da BR-163″, disse o conciliador da autarquia.
Imagem do banner: Grupo de luta pela terra está acampado desde meados de outubro em área ocupada por grileiros dentro do PDS Terra Nossa. Foto: Fernando Martinho/Mongabay.