Notícias ambientais

Mineração ilegal na Panamazônia: um desastre ecológico para as planícies aluviais e as comunidades locais

A tecnologia de mineração de pláceres destruiu dezenas de milhares de hectares de habitat de mata ciliar na bacia hidrográfica do Tapajós, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) do Crepori, uma zona protegida de uso múltiplo onde a mineração é considerada legal, desde que os mineradores cumpram as normas ambientais, trabalhistas e tributárias. Crédito: © Ryan M. Bolton, Shutterstock.

  • As planícies de inundação são extraordinariamente produtivas porque são a conexão entre os ecossistemas aquáticos e terrestres. Elas são social e economicamente vitais porque dezenas de milhares de famílias dependem de seus recursos naturais para sobreviver.

  • No entanto, a mineração de aluvião – como Killeen explica nesta seção – gera impactos catastróficos quando os mineradores removem e revolvem a camada superficial do solo enquanto procuram sedimentos de ouro. A estimativa mais otimista é que 3350.000 hectares de florestas e áreas úmidas foram perdidos na Panamazônia como resultado disso.

  • Embora as margens e as cabeceiras dos rios mostrem visivelmente os danos causados pelo mercúrio, sua nocividade é invisível quando se trata da saúde dos garimpeiros, de suas famílias e comunidades. Ao analisar 33 estudos realizados na bacia hidrográfica do Tapajós, Killeen descobriu que o mercúrio elevado era generalizado.

  • A remediação e as soluções de remediação não são impossíveis (elas existem em áreas geográficas que, há mais de um século, passaram pelo que a Panamazônia está passando hoje), mas são muito caras de duas maneiras. Tanto econômica quanto politicamente, pois implica uma decisão governamental contra os invasores e um nível de proteção para as comunidades afetadas.

As planícies de inundação são extraordinariamente produtivas porque são a interface entre os ecossistemas aquáticos e terrestres. Elas são extremamente diversificadas porque integram um mosaico de lagos, pântanos, brejos de palmeiras e florestas inundadas, que criam as complexas redes alimentares que sustentam as populações de peixes. Os habitats de planície de inundação são social e economicamente vitais, pois dezenas de milhares de famílias dependem de seus recursos naturais para sua subsistência. Os impactos da mineração de aluvião são catastróficos para as planícies de inundação porque os mineradores reviram a camada superior do solo para expor os sedimentos de aluvião contendo ouro, abandonando atrás uma desolada paisagem lunar.

Uma mina de placer normalmente ocupa uma planície de inundação em sua totalidade, estendendo-se de terraço a terraço e expandindo-se rio acima e rio abaixo por dezenas de quilômetros. Uma variante comum consiste em uma draga montada em uma barcaça que explora o leito do canal de rios maiores que drenam paisagens de garimpo. A combinação de minas de aluvião nas cabeceiras e barcaças de dragagem trabalhando a jusante pode converter um ecossistema ribeirinho de águas claras em um rio carregado de lodo e poluído (por exemplo, o Tapajós).

As planícies aluviais do sopé dos Andes e certas áreas geologicamente definidas no Escudo Brasileiro e no Escudo das Guianas atraem dezenas de milhares de mineradores ilegais que empregam uma tecnologia aluvial particularmente destrutiva e extraordinariamente tóxica. Foto: © IBAMA & Vincius Mendonça.

Pelo menos 350.000 hectares de habitat de florestas e áreas úmidas foram perdidos na Pan-Amazônia devido às atividades de mineração de aluvião. Esse valor, derivado de imagens de satélite, subestima a área real, no entanto, porque o arquivo histórico não tem imagens com resolução espacial suficiente para capturar campos de mineração em escala muito pequena (por exemplo, Roraima), nem monitorar o impacto das centenas de barcaças que atravessam os rios da região. No entanto, a tecnologia de sensoriamento remoto capta a tendência do nível de perturbação, que aumentou nos últimos anos devido à demanda do mercado por ouro e à flexibilização da fiscalização ambiental no Brasil. O arquivo histórico também expõe a permanência dos impactos da mineração de aluvião: as planícies de inundação destruídas em meados da década de 1980 continuam sem vegetação em 2020.

Mercúrio: Suicídio em câmera lenta

O impacto da garimpagem nos habitats da planície de inundação é visualmente óbvio. Em contrapartida, os efeitos do envenenamento por mercúrio são silenciosos e, por um tempo, invisíveis. Eventualmente, porém, a toxicidade se manifestará na saúde dos garimpeiros, de suas famílias e das comunidades próximas.

Os garimpeiros artesanais usam mercúrio no estágio final de seu sistema de processamento quando veem pedaços de ouro nos sedimentos. O mercúrio é adicionado à mistura de terra porque absorve o ouro para formar um amálgama físico; o ouro é recuperado pela vaporização do mercúrio, geralmente em uma chama aberta. O mercúrio pode ser inalado, ingerido ou absorvido pela pele, mas existem tecnologias que não dependem do mercúrio e outras que evitam que ele escape para o meio ambiente. Infelizmente, os garimpeiros artesanais não têm acesso a essas tecnologias e grandes quantidades de mercúrio poluem os rios da Amazônia todos os anos.

O mercúrio elementar é nocivo, mas, sob condições anaeróbicas, os micróbios transformam o mercúrio em um composto orgânico, o metilmercúrio, que é muito mais perigoso para os seres humanos. O metilmercúrio é uma molécula estável que tem cem vezes mais probabilidade de ser absorvida por um organismo; uma vez ingerido, ele é incorporado aos tecidos vivos em vez de ser eliminado como resíduo. Isso leva ao fenômeno conhecido como “biomagnificação”, um processo ecofisiológico que faz com que o mercúrio se acumule nos organismos ao longo do tempo e se concentre nos carnívoros de vida longa situados perto do topo das cadeias alimentares. Nos seres humanos, o mercúrio é transportado livremente por todo o corpo e pode atravessar a placenta, onde afetará o desenvolvimento do feto. Em adultos, causa distúrbios neurológicos, incluindo falta de coordenação, dificuldades para falar, deficiência auditiva, cegueira e morte.

A mina de ouro Igarapé Bahia da empresa Vale operou entre 1990 e 2002. Os poços se encheram de água (a), a lagoa de rejeitos foi desidratada e desativada (b) e o monte de sobrecarga foi revegetado com grama (c). O local também tem um reservatório de captação que isola a mina das bacias hidrográficas vizinhas na FLONA Carajás. Sabe-se que o local da mina está situado no topo de um grande depósito de cobre e que, eventualmente, será reativado. Fonte de dados: Vale SA.

O envenenamento por mercúrio é endêmico para as comunidades que vivem nos rios localizados dentro ou a jusante das paisagens de mineração de aluvião. Em uma revisão de 33 estudos realizados na bacia hidrográfica do Tapajós, a presença elevada de mercúrio era onipresente. Os níveis mais altos foram documentados em indivíduos diretamente envolvidos no garimpo de ouro, mas também afetaram os não garimpeiros que dependem de peixes como fonte de alimento. Nas espécies que preferem peixes como alimento, o metilmercúrio estava consistentemente acima do nível máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Níveis elevados de mercúrio foram documentados em populações de peixes migratórios muito distantes das áreas de mineração e até mesmo em populações urbanas. Um estudo recente revelou que 75% da população de Santarém apresentava níveis elevados de mercúrio, sendo que alguns residentes tinham quatro vezes o limite estabelecido pela OMS.

A contaminação por mercúrio é uma ameaça de longo prazo que, na verdade, aumentou na última década devido ao aumento dos preços do ouro e ao subsequente boom da garimpagem. Um estudo estimou que cerca de 200 toneladas de mercúrio mineral são liberadas a cada ano, mas, à medida que mais dados se tornam disponíveis e a atividade aumenta, esse número pode ultrapassar 500 toneladas. Se isso for verdade, a quantidade liberada no meio ambiente ao longo de quatro décadas seria de aproximadamente 8.000 toneladas. Desse total, cerca de quarenta por cento foram despejados na bacia do rio Amazonas, enquanto outros quarenta por cento foram lançados nos rios da costa das Guianas, e o restante no rio Caroni, na Venezuela.

Impactos sociais da mineração em áreas de garimpo

Esforços para melhorar a observância das normas ambientais melhorariam quase que imediatamente a saúde e o bem-estar social dos garimpeiros e de suas famílias. Isso inclui crianças que trabalham como empregados ou como membros participantes de uma empresa familiar. A lista de atividades exercidas pelas crianças é longa e deprimente; inclui o trabalho como peões em minas subterrâneas, como mergulhadores subaquáticos operando mangueiras de sucção em dragas fluviais e como operadores do equipamento de processamento usado para separar o ouro mineral da rocha triturada, bem como a manipulação do mercúrio que ameaça seu desenvolvimento. O número exato de crianças menores de idade que trabalham em minas ilegais não é conhecido com precisão, mas as estimativas chegam a 20% da força de trabalho no Peru e no Brasil.

Como as empresas geralmente são organizadas como familiares, as mulheres participam dos empreendimentos de mineração e, não raro, assumem responsabilidades gerenciais. Sua participação oferece um caminho para a introdução de melhores práticas, principalmente se elas forem conscientizadas do risco para a saúde de suas famílias. Outros impactos sociais bem conhecidos incluem o trabalho forçado e o tráfico sexual, crimes que frequentemente assumem um aspecto de destaque nas iniciativas de lei e ordem que são periodicamente organizadas no Brasil e no Peru.

As cicatrizes deixadas pelos garimpos de placer são duradouras e foram mais que quadruplicadas desde 2000. Fontes de dados: Mapbiomas (2020) e RAISG (2022).

O impacto mais marcante, pelo menos em fóruns internacionais, é a invasão de garimpeiros sobre as comunidades indígenas e tradicionais que ocupavam essas paisagens antes da descoberta do ouro. Na década de 1980, a maioria das comunidades indígenas estava abalada, e alguns líderes negociaram acordos de acesso às suas terras tradicionais e, no processo, capturaram uma parte das receitas. No entanto, esses acordos eram rotineiramente ignorados e os grupos indígenas rapidamente se desinteressaram deles. Atualmente, as comunidades indígenas são os maiores oponentes da mineração, embora continuem a ser dominadas por mineradores dispostos a recorrer à violência.

Mitigação e remediação

A mineração de placer foi amplamente praticada durante as corridas do ouro do século XIX e início do século XX na América do Norte e criou um enorme passivo ambiental semelhante ao que está sendo gerado agora na Pan-Amazônia. Na América do Norte, o custo da remediação foi assumido pelos governos federal e estadual, estimado em centenas de bilhões de dólares. A mineração de placer ainda é usada por mineradores de pequena escala no Alasca e no Yukon, que são obrigados a restaurar uma área úmida funcional após a exploração do recurso. A remediação é planejada antes das operações para que a paisagem possa ser reconfigurada a um custo razoável; a conformidade é garantida com um título mantido pelo estado. Em algumas jurisdições, os mineradores de placer vão além da remediação e buscam restaurar habitats quase naturais acessando incentivos da sociedade civil que, normalmente, também abrem mercados de alto valor. As diferenças sociais e econômicas entre o Alasca e a Amazônia são óbvias, mas as soluções serão baseadas em estratégias amplamente semelhantes.

Enfrentar a ilegalidade que permeia as paisagens de garimpo é assustador. O Estado está parcial ou totalmente ausente. A imposição de uma política impopular é dificultada pelo número de indivíduos que dependem direta ou indiretamente da economia da mineração de garimpo. Em jurisdições altamente dependentes da mineração de ouro selvagem, os residentes não a veem como ilegal, mas como uma das muitas atividades informais. As iniciativas voltadas para comunidades ou subsetores específicos, como mulheres ou garimpeiros indígenas, geraram resultados positivos, mas não mudaram os elementos estruturais que definem o setor. As campanhas de lei e ordem organizadas no Brasil e no Peru ganharam as manchetes – e diminuíram a atividade ilegal por um período – mas não mudaram a dinâmica econômica e cultural que motiva as pessoas a desafiarem a lei.

A taxa de mudança vem aumentando linearmente desde 2005, principalmente nos campos de ouro de Madre de Dios (Peru), Tapajós (Pará) e Costa da Guiana (Guiana, Suriname e Guiana Francesa). Fontes de dados: Mapbiomas (2020) e RAISG (2022).

Os governos têm sido mais bem-sucedidos no registro de mineradores individuais, ou de suas associações, em bancos de dados nacionais de mineração. Os mineradores participam porque desejam um documento legal que valide sua reivindicação e, presumivelmente, estão cientes de que isso fornece às autoridades informações que facilitarão a cobrança de impostos sobre royalties. Os recebimentos de royalties aumentaram em toda a região, embora seja amplamente presumido que os mineradores estejam subnotificando sua produção. O registro e a cobrança de impostos são os primeiros passos para reformar as práticas de mineração. A Guiana conseguiu registrar a maioria de seus mineiros de pequena escala e está usando essas informações para envolvê-los em programas educacionais e técnicos para melhorar sua produtividade e, no processo, eliminar o uso de mercúrio.

Há vários projetos de pesquisa que buscam identificar práticas para remediar os impactos ambientais da mineração de aluvião. Embora tenham demonstrado que isso é tecnicamente viável, também mostraram que é social e tecnicamente desafiador. Um estudo em Madre de Dios, Peru, descobriu que uma planície de inundação estéril, dezenove anos após a interrupção das operações de mineração, exigia investimentos em recuperação de solo e plantio de árvores entre US$ 2.000 e US$ 3.500 por hectare. Outros estudos que acompanham os esforços de reflorestamento ao longo de vários anos registram custos duas vezes maiores. Considerando que há mais de 75.000 hectares de minas de aluvião abandonadas em Madre de Dios (consulte a Figura 5.5), seriam necessários pelo menos US$ 250 a US$ 500 milhões para restaurá-las a uma aparência de um ecossistema natural funcional. Talvez seja uma grande quantia, mas menos de dois por cento do valor do ouro extraído do Madre de Dios nos últimos 30 anos.

“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).

Leia as outras partes extraídas do capítulo 5 aqui:

Exit mobile version