Estudo revela que, do total de 3.600 pedidos de mineração na Amazônia brasileira registrados através da Agência Nacional de Mineração, quase metade está localizada em territórios indígenas com grupos não contatados.
A pesquisa ocorreu em meio ao risco de aprovação do Projeto de Lei 191, que permite a mineração em terras indígenas, pode ser prejudicial para cerca de 43 grupos indígenas não contatados.
Os autores recomendam o fim do projeto lei e o aumento das pesquisas sobre grupos indígenas isolados para que possam ser protegidos. Ainda assim, um dossiê publicado recentemente pela campanha Uncontacted or Destroyed mostra que o governo Bolsonaro não está protegendo esses grupos.
Um novo estudo mostra que os interesses da mineração na Amazônia brasileira representam uma ameaça iminente a diversos grupos indígenas da região. “Terras indígenas com grupos isolados estão ameaçadas por mais de 3.600 pedidos de mineração até o momento”, informaram os autores.
Cruzando pedidos de mineração na Agência Nacional de Mineração com relatos de grupos não contatados em territórios indígenas na Amazônia, os pesquisadores descobriram que 45% dos interesses de mineração registrados estavam localizados em territórios indígenas com grupos isolados, totalizando uma área do tamanho de Santa Catarina.
“Não posso dizer que tenha sido uma surpresa, mas eu não tinha percebido que 10 milhões de hectares de terras indígenas foram requisitados por esses pedidos de mineração”, disse Philip Fearnside, pesquisador chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas e um dos autores do estudo, à Mongabay. “É um momento crítico. Muitos desses projetos de lei estão circulando há anos, e agora os processos estão acelerando através do congresso”, complementou.
Esses interesses refletem o Projeto de Lei 191/2020, que legaliza a mineração em terras indígenas, podendo afetar diretamente 43 povos isolados. Defendido pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o PL permitiria às mineradoras operarem em territórios indígenas em busca de minerais e outros interesses econômicos, violando o direito indígena ao uso exclusivo de suas terras e acabando com os serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas protegidas.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) disse à Mongabay que eles operam rigorosamente de acordo com a lei e, portanto, não aceitaram nenhum pedido em terras indígenas até o momento. “A ANM aguardará a decisão tomada pelo Congresso Nacional, e só então tratará do tema do artigo”, escreveram em um e-mail. “As terras e comunidades indígenas são respeitadas e tratadas dentro do marco legal”.
Os críticos dizem que a agência deveria rejeitar imediatamente os pedidos localizados em terras indígenas, uma vez que acabam atraindo mais investimento em mineração.
As ameaças contra os grupos indígenas isolados aumentaram sob o governo Bolsonaro, que exigiu a integração dos povos indígenas na sociedade. Em fevereiro de 2021, Bolsonaro apresentou o projeto de lei de mineração em terras indígenas em uma lista de 34 projetos prioritários enviados ao Congresso.
Uma batalha política
As lideranças indígenas têm resistido. Milhares de manifestantes ocuparam as ruas de Brasília no início de 2021 para protestar contra os ataques a seus direitos que têm ocorrido dentro do Congresso e no STF. Joênia Wapichana, a única congressista indígena do Brasil, criticou o projeto de lei dizendo que, além de ser uma ameaça aos povos nativos, se trata de um ato inconstitucional. “A aprovação do projeto de lei significaria mais crimes ambientais e devastação, colocando em risco a vida dos povos indígenas”, disse ela em janeiro de 2020. “O projeto de lei 191 praticamente tenta reescrever o artigo 176 da Constituição – é um absurdo!”
Em abril de 2021, 73 líderes Munduruku assinaram uma carta de protesto contra o projeto de lei. “O governo de Jair Bolsonaro quer aprovar a lei a qualquer custo, às custas do nosso território, sem o nosso consentimento ou consulta”, diz a carta, apoiada por mais de 500 Munduruku representando 140 aldeias. “É um projeto de morte, trazendo divisão ao nosso povo”, afirma.
No entanto, é grande (e justificado) o medo de que um Congresso historicamente alinhado aos grandes interesses do agronegócio e a retórica agressiva de Bolsonaro possam passar o projeto de lei. “Temos mais um ano do governo Bolsonaro. Há tempo suficiente para que seja aprovado”, disse Fearnside.
Para Sara Villén-Pérez, a autora principal do estudo e pesquisadora da Universidade de Alcalá, em Madri, as operações minerárias poderiam começar a funcionar em apenas oito anos. “Este é o primeiro estudo a avaliar o futuro próximo para grupos isolados”, disse ela à Mongabay. “Avaliamos o que aconteceria se uma decisão muito específica fosse tomada no Congresso e mostramos o impacto para os povos indígenas se o projeto de lei for aprovado”, concluiu.
Não contatados são os mais vulneráveis
Os impactos da mineração ocorrem de várias formas: as árvores são cortadas para dar lugar à infraestrutura de extração, os recursos alimentares são esgotados devido ao fluxo da atividade industrial e os resíduos tóxicos da mineração contaminam os rios e matam os peixes. Doenças também podem se espalhar através de vetores como mosquitos, levando a malária a grupos isolados – que possuem anticorpos limitados para combater doenças novas.
De acordo com um estudo publicado pela organização Land is Life, liderada por indígenas, o desmatamento na floresta tropical está ameaçando a própria sobrevivência desses grupos de caçadores-coletores, pois destrói o bioma do qual os grupos nômades ou seminômades dependem para sobreviver.
“A mineração em territórios indígenas pode ser devastadora e pode acabar com povos isolados inteiros, já que são os mais vulneráveis do planeta”, disse Sarah Shenker, chefe da campanha de Tribos Não Contatadas, da Survival International, em uma entrevista por telefone à Mongabay. “Para Bolsonaro, os povos não contatados são um obstáculo ao que ele chama de desenvolvimento”.
A campanha Uncontacted or Destroyed (Não Contatados ou Destruídos), coordenada por organizações indígenas de direitos humanos, publicou recentemente um dossiê mostrando o descaso das autoridades brasileiras por um grupo não contatado na Terra Indígena Piripkura, no estado do Mato Grosso. Sem a aplicação efetiva de uma ordem de proteção da terra emitida em setembro, os agricultores invadiram a reserva, instalaram rebanhos de gado e ainda não foram removidos.
A Terra Indígena Yanomami, em Roraima, mais ao norte, detém o maior número de pedidos de mineração documentados pelo estudo, com 1.020 pedidos, e protege pelo menos sete grupos indígenas não contatados. Menos de 27 mil Yanomami vivem hoje na reserva oficialmente demarcada em 1992, mas o território foi invadido por cerca de 20 mil garimpeiros nos últimos dois anos. O ocorrido vem causando uma onda de mortes de adultos e crianças devido a conflitos, acidentes e doenças infecciosas, como a malária e a covid-19.
Em outras reservas indígenas analisadas pelo estudo, há tantos pedidos que, se todos fossem aprovados, 80% das terras seriam ocupadas por operações de mineração. “Não há sequer um limite em relação à área ou proporção de terra que pode ser explorada”, disse Villén-Pérez.
Proteção para grupos isolados?
O Projeto de Lei 191/2020 propõe que a Fundação Nacional do Índio, a Funai, estabeleça limites para proteger grupos isolados contra a mineração e que a atividade não deve ser permitida nessas Terras Indígenas. Porém, a advertência é vista com desconfiança. “Acho que não existe tal salvaguarda legal, com este governo genocida e uma Funai que foi assumida pelos interesses do agronegócio”, disse Shenker, da Survival International.
Os autores do artigo concordam. “O interesse do Bolsonaro é o dinheiro. Não há preocupação com os impactos”, disse Fearnside, comentando que sua administração tornou mais difícil para os agentes da Funai a coleta de informações sobre grupos indígenas isolados.
“Pouco se sabe”, reforçou Villén-Pérez. “As agências governamentais precisam saber sobre estes grupos indígenas para protegê-los.”
Errata: Diferentemente do publicado, Funai é sigla para Fundação Nacional do Índio, não Agência Nacional do Índio. A informação foi corrigida.
Imagem do banner: Uma xapono (casa comunitária) em Moxihatatea, comunidade Yanomami não contatada em Roraima. Há vários grupos Yanomami isolados na TI. Foto: Guilherme Gnipper Trevisan/FUNAI/Hutukara.