O bairro carioca com o maior número de indígenas é Campo Grande, na região oeste, a 55 quilômetros do centro da cidade. Em 2010, o bairro abrigava 373 indígenas, representando 0,11% da população. Em Copacabana, bairro mais famoso da cidade, residiam 222 indígenas — a quarta maior população entre todos os bairros do Rio, mas representando apenas 0,15% do total — com predominância das etnias Tupiniquim, Guarani e Terena. Também havia 123 indígenas no bairro histórico de Santa Teresa, 42 em Ipanema e 30 no Leblon, áreas de grande procura turística por suas praias. 

‘Mais poder de dizer quem você é’

A diversidade étnica indígena do Rio é muito rica. O censo de 2010 lista 127 grupos étnicos no Rio que falam 26 línguas. O povo Guarani ocupa o topo da lista com 261 do total, seguido pelos grupos étnicos Tupiniquim (171), Guarani Kaiowá (144) e Tupinambá (136) (ver infográfico abaixo). A presença de indígenas de outros países também é significativa (152), evidenciando o apelo da “cidade maravilhosa” aos estrangeiros e indígenas de todo o país.

O censo de 2010 foi o primeiro da história do Brasil a registrar essa diversidade de etnias. Foi também o primeiro a identificar a presença indígena em Terras Indígenas, áreas rurais e também áreas urbanas em todo o território brasileiro. O censo  revelou  no Rio surpresas como a presença de 50 indígenas da etnia Puri, antes considerada extinta pelo estado. Ainda assim, o número real de etnias na cidade tende a ser maior que o apontado pelo Censo 2010, pois 4.247 indígenas entrevistados (63% do total) responderam que não sabem a qual etnia pertencem, enquanto a etnia de 351 indígenas entrevistados foi classificada como mal definida, e de 386 outros era indeterminada ou não declarada, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Uma década depois, declarar-se indígena ainda é “doloroso”, disseram os entrevistados à Mongabay, citando o preconceito arraigado entre os cariocas e na sociedade brasileira como um todo.

Nascida no Rio, a professora de história Marize Vieira de Oliveira Guarani, 62 anos, só se reconheceu indígena há 16 anos, apesar de ter uma avó Guarani. “Eu sempre soube dessa minha avó. Mas eu não me declarava, eu não me declarava indígena, eu não me declarava nada, por que? Porque, na verdade, quando eu nasci em 1958 , eu tenho 62 anos, não existia nem o quesito indígena pras cidades. Você não podia colocar indígena como alguém que morava na cidade”, diz ela. A opção de se autodeclarar indígena só apareceu nos censos de 1991 e 2000, mas ficou restrita a uma pequena amostra da população; somente no censo de 2010 foi estendido a todos os cidadãos brasileiros.

Marize Guarani conta que percebeu que a cultura indígena “perdura dentro da sua família”, independentemente de morar na cidade, quando atuou como diretora de gênero, anti-racismo e orientação sexual do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEPE). Marize Guarani conta que o movimento negro reivindicada o direito dos indígenas de “sair do não lugar que era o pardismo e se declarar” e que foi aí que ela comecei a perceber que a sua avó não podia “ficar silenciada”. 

Como Marize Guarani também tem uma avó negra, ela se autodeclarou afro-indígena em 2005, durante a primeira Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, no Rio de Janeiro. Como única mulher autodeclarada indígena na conferência, ela diz que foi “achincalhada” e até chamada de “suposta índia”. Nas escolas onde trabalhava, lembra Marize Guarani, era chamada de “índia do Paraguai”.

Mesmo quando estava cursando o mestrado em educação, relata Marize Guarani, uma professora do curso perguntou se ela era “índia de verdade”. Como essa professora se declarou negra apesar de ter olhos cor de mel e pele morena clara, Marize Guarani conta que respondeu-a da seguinte forma: “Mas você não nasceu na África. Você também é descendente. Então eu quero saber porque você tem o direito de se autodeclarar negra e a mim você me dá o direito de ser nada. Porque para mim, pardo é papel”.  Ela diz que sua colega ficou envergonhada e pediu desculpas, dizendo que ela “nunca tinha olhado por esse prisma”.

“Existe racismo epistêmico, racismo institucional. Então, é essa questão [que] faz com que as pessoas tenham mais direito, mais poder de dizer quem você é, que você própria”, afirma a professor. “Não conseguem perceber que isso foi algo tão negado para a  gente, que até você se sentir com pertencimento, é algo muito, mas muito doloroso. Mais doloroso ainda quando você se declara”. 

Marize Guarani foi a primeira indígena a ingressar no doutorado em educação na Universidade Federal Fluminense (UFF) por meio do sistema de cotas para indígenas. Antes de se declarar indígena, diz, esteve envolvida com movimentos indígenas no Rio, onde se referia a si mesma como descendente do povo Guarani. Mas ela conta que isso mudou quando um líder Pataxó disse a ela: “Você disse que você descende. Quem descende está em cima do muro, não tem luta. Você é uma guerreira. Então você não pode dizer que você descende. Você ”. 

Depois de se audeclarar indígena, ela adotou o nome indígena Pará Rete, que significa “aquilo que vem do sagrado”, nome que Marize Guarani interpreta como “a guerreira que luta e protege seu povo”. Ela foi batizada por uma pajé Guarani sob as bênçãos de Nhanderu, o deus do povo Guarani. “É um nome que me honra. Honra meu espírito. Dá força a meu espírito”. No entanto, ela diz que não o incluiu em seus documentos oficiais por causa da burocracia para mudar o seu nome.

Marize Guarani lembra que sempre ouvia as pessoas dizerem que ela parecia “povo do norte”, mas não entendia o porquê, até viajar para a região amazônica e encontrar os indígenas da região. Ela também diz que, quando ela era criança, as pessoas perguntavam se sua mãe pintava seu cabelo de preto porque as pessoas não acreditavam que era naturalmente tão preto. Ela diz que a cor do cabelo lembra Iracema, indígena protagonista e título do famoso romance do escritor José de Alencar, cujos cabelos eram “mais negros que a asa da graúna”.

Quando o Brasil sediou a Copa do Mundo de 2014, diz Marize Guarani, uma garçonete falou espanhol com ela e ela não entendeu por que. Quando ela disse que era brasileira e “a mais brasileira porque sou indígena”, a garçonete ficou muito surpresa, lembra ela, dizendo que achava que ela era colombiana. “Você está entendendo qual a invisibilidade? As pessoas identificam a gente com um outro povo — não como brasileiros ou indígenas”.

“A diáspora que o povo africano sofreu, quando vieram à força para o Brasil e para a América, a mesma diáspora sofremos nós, só que no próprio território,” enfatiza Marize Guarani.

A batalha da Copa do Mundo

Naturalmente, é mais desafiador estabelecer uma comunidade indígena nas grandes cidades que em vilarejos, mas os indígenas sempre buscam se agrupar como “um mecanismo de proteção daqueles que chegam primeiro e traz os parentes”, diz o sociólogo José Carlos Matos Pereira, pesquisador do Programa de Memória dos Movimentos Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Pereira, que é pós-doutor em antropologia social, lembra que a presença indígena no Rio ocorre principalmente na periferia da cidade, o que é comprovado pelos dados do censo, que mostram que a maior concentração de indígenas está na região oeste do Rio. Os três bairros com maiores populações indígenas são Campo Grande, Santa Cruz e Bangu. A presença indígena nas áreas urbanas do Rio também é significativa nos chamados aglomerados subnormais, termo usado pelo IBGE para classificar a ocupação irregular de terras públicas ou privadas para fins habitacionais em áreas urbanas carentes de serviços públicos essenciais, como esgoto. Para a maioria dos brasileiros e do mundo, os aglomerados subnormais são mais conhecidos como favelas.

De acordo com o censo de 2010, pelo menos 850 indígenas (cerca de 13% do total) viviam nas favelas do Rio. Rocinha, a maior favela do país, localizada na região sul do Rio, era o lar de 60 indígenas — o maior número entre as 183 favelas onde o IBGE registrou moradores indígenas. (A cidade tem 763 favelas.) O Vidigal, outra comunidade famosa na zona sul, entre os bairros Leblon e São Conrado, era o lar de 11 indígenas. Mas o número real  é maior, visto que o IBGE não divulgou os números em alguns distritos censitários para preservar a identidade desses indígenas, já que eram muito poucos moradores na região, segundo critérios demográficos. Foi o caso no Morro do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho em Copacabana, por exemplo.

Um dos símbolos da resistência indígena no Rio é a chamada Aldeia Maracanã, um prédio a poucos metros do  estádio do Maracanã, na zona norte da cidade. O prédio era a sede do Museu do Índio do Rio, até o final da década de 1970, quando todo o acervo etnográfico e de línguas indígenas foi distribuído entre o novo Museu do Índio, no bairro de Botafogo, o Museu Nacional e Brasília. Os indígenas dizem que alguns dos arquivos foram até queimados e o prédio estava abandonado há muitos anos. 

Em 2006, o edifício foi ocupado por um grupo de indígenas que pretendia criar um centro cultural no local. A ocupação ganhou manchetes internacionais em 2013, quando o governo do estado do Rio de Janeiro tentou despejar o grupo para construir um estacionamento para a Copa do Mundo do ano seguinte, desencadeando uma batalha judicial fundiária que continua até hoje.

Indígenas reivindicam seus direitos ancestrais deste edifício, localizado ao lado do Maracanã, no Rio de Janeiro. 1 de dezembro de 2020. Imagem: Mongabay.

O episódio da Aldeia Maracanã é um espelho claro da luta que os índios enfrentam no Rio, afirma Matos. “Eu lembro que durante, a tentativa de expulsão dos indígenas de lá, o secretário do Meio Ambiente do Rio de Janeiro dizia: lugar de indígena é na aldeia. Então, o que isso pressupõe? Pressupõe um lado, a negação da própria presença de indígenas nas cidades”, diz Matos. “Então essa negação demonstra, através das políticas urbanas, essa falta de formulação de políticas ligadas aos indígenas. Se a gente for na maioria dos planos diretores, e nas políticas municipais que orientam as políticas urbanas, nós vamos ter poucas referências aos indígenas”.

A dificuldade de se obter informações sobre políticas públicas específicas para indígenas em áreas urbanas ficou evidente quando a Mongabay tentou descobrir se existia ação focada especificamente nos indígenas que moram na cidade do Rio. Em nota, a prefeitura disse que o governo do estado é o responsável pela definição das políticas públicas voltadas para a população indígena, acrescentando que “comunidades indígenas estão localizadas em outros municípios do Estado”.

Em nota, o governo do estado do Rio de Janeiro afirmou que os indígenas são contemplados por uma lei estadual de cotas para vagas em universidades estaduais, que o estado do Rio “foi pioneiro em adotar”. A UERJ implantou um sistema de cotas para indígenas em 2003, seguindo um modelo anterior, estabelecido em 2001, para negros e pardos, por meio de autodeclaração. Naquela ocasião, porém, o ingresso na UERJ pelo sistema de cotas como indígena dependia de validação da Fundação Nacional do Índio (Funai), ou lideranças comunitárias a que pertenciam os candidatos, segundo o site da UERJ. 

A Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do estado informou, por meio de nota, que atua em resposta às demandas dos povos indígenas no estado com base em deliberações do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND), criado em 2018 para garantir os direitos dos indígenas aldeados e em contexto urbano.

No ano passado, o conselho, que conta com lideranças indígenas, realizou cinco ações em atendimento às demandas da população indígena do estado, segundo a secretaria. O governo destacou cinco ações voltadas para as populações indígenas realizadas no interior do estado; na capital houve apenas distribuição de cestas básicas : auxílio-alimentação na Aldeia Maracanã e na Aldeia Vertical, projeto de habitação indígena.

Em relação à Aldeia Maracanã, a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa informou que tem dialogado com os grupos indígenas que ocupam a Aldeia Maracanã para “a busca de uma solução conjunta para a recuperação do imóvel e o futuro desenvolvimento de atividades que contemplem a história, cultura e demais contribuições dos povos indígenas”. 

Ao longo dos anos, ocorreram vários episódios de ocupação e despejo — e até prisão de lideranças indígenas — na Aldeia Maracanã, onde hoje vivem cinco famílias de sete etnias.

Elas lutam muito porque sobreviver aqui, sem água, sem luz, sem sistema de esgoto. Montamos essa estrutura a partir de 2016, depois das Olímpiadas [de 2016]”, disse à Mongabay o cacique José Urutau Guajajara, em uma grande sala do antigo palácio em ruínas, com pinturas indígenas nas paredes e o barulho intenso do tráfego vindo de fora.

José Guajajara nasceu na aldeia Lagoa Comprida, no Maranhão. É mestre em linguística pela UFRJ e doutorando em Linguística pela UERJ. Ele conta que mora entre a Aldeia Maracanã e o Complexo do Alemão.

Segundo ele, a luta da Aldeia Maracanã remete ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando os indígenas exigiam espaços para acomodar o grande contingente de indígenas residentes nos centros urbanos e para debater as políticas públicas pertinentes ao seu contexto.

Na Aldeia Maracanã, ele ensina línguas indígenas de vários troncos, principalmente as línguas do tronco Tupi e das famílias Tupi-Guarani. “Nossa intenção é sim, que [a Aldeia Maracanã] seja um nano território, que seja uma universidade dentro desse território, desse nano território, mas que seja um território indígena, porque é um patrimônio da união, é um patrimônio do povo brasileiro, é um patrimônio seu, seu e meu.”, diz José Guajajara. “A Universidade Indígena Aldeia Maracanã é essa junção dos povos indígenas, essa união de línguas e seus falantes nativos.”

Em 2016, um grupo liderado pelo líder indígena José Urutau Guajajara ocupou a chamada Aldeia Maracanã, um prédio a poucos metros do estádio do Maracanã. Eles entraram com uma ação exigindo a demarcação de uma área de 14.300 m2 como terra indígena para a criação de uma universidade indígena. Foto: Mongabay.

O antigo Museu do Índio foi um marco para a história indígena no Rio de Janeiro. Fundado em 1953 sob orientação institucional do antropólogo Darcy Ribeiro, sediou importantes eventos, incluindo discussões para a implantação do Parque Indígena do Xingu, primeira terra indígena do Brasil, criada como parque nacional em 1961 no Mato Grosso. Também acolheu grupos indígenas de outras partes do Brasil durante vários eventos, incluindo a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio + 20, realizada 20 anos após a histórica Cúpula da Terra no Rio.

 A batalha judicial pela Aldeia Maracanã é complexa e envolve a venda de um imóvel de 14,3 mil metros quadrados (dos quais o antigo Museu do Índio responde por 1.500 m2) do governo federal para o estado do Rio de Janeiro em 2012 e subsequentes negociações para a concessão da área para reforma do Maracanã para a Copa das Confederações de 2013 e Copa do Mundo de 2014. A licitação foi vencida por um consórcio liderado pela Odebrecht, a gigante da engenharia brasileira no centro do escândalo de corrupção denunciado pela força-tarefa Lava Jato – que levou a empresa a declarar recuperação judicial, teve seu presidente preso e deflagrou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A concessão do Maracanã é atualmente administrada pelos times cariocas Flamengo e Fluminense.

A disputa pela área chegou a causar divisão até entre os indígenas. Após uma negociação com o governo do estado do Rio em 2013, os ocupantes deixaram a área e o prédio foi tombado pela prefeitura e pelos governos estaduais em 2013, com a promessa de que o espaço seria reformado e transformado em um centro cultural, segundo indígenas que antes ocupavam a área e agora estão agrupados na Associação Indígena da Aldeia do Maracanã.

Insatisfeito com o acordo, um grupo liderado por José Guajajara, intitulado Aldeia Resiste, voltou a ocupar o prédio, chamando o outro grupo de “traidores” e ajuizou uma ação exigindo que toda a área de 14.300 m2 fosse demarcada como terra indígena para a criação da Universidade Indígena. Desde então, eles enfrentam constantes ameaças de despejo, mesmo durante a pandemia de COVID-19, diz José Guajajara.

Nós somos uma universidade,” diz José Guajajara. “[Dissemos ao estado que] nós não queremos o centro cultural, porque o centro cultural não cabe uma universidade. E dentro de uma universidade, que está dentro de um micro território, cabem vários centros culturais, vários pontos de cultura, vários projetos, mas um centro cultural não cabe uma universidade […] e a resistência vai permanecer aqui”.

Parte do grupo que aceitou a proposta do governo de desocupar a Aldeia Maracanã foi transferida para um prédio com 20 apartamentos só para famílias indígenas no bairro Estácio, centro do Rio. O prédio fazia parte do programa de habitação popular Minha Casa Minha Vida,  lançado em 2009 pelo governo Lula; esse edifício específico passou a ser denominado Aldeia Vertical. 

A professora Sandra Benites Guarani Nhandeva, natural da aldeia Porto Lindo, no município de Japorã, no Mato Grosso do Sul, mora na Aldeia Vertical desde 2016, pagando financiamento e condomínio como os outros moradores. Ela dá aula de história e filosofia para o ensino básico e médio, tem mestrado em antropologia social pelo Museu Nacional da UFRJ, onde agora está cursando o doutorado em antropologia social.

Segundo ela, os indígenas estão sempre “lutando” para fazer com que o lugar pareça um lar e seja único dentro das outras construções do condomínio, com grafismos indígenas nas paredes e escadas, uma minibiblioteca na entrada e uma horta comunitária “ mudando aos poucos o próprio prédio”.

Grafismo indígena feito por Tapitxi Guajajara na Aldeia Vertical, um prédio com 20 apartamentos dedicado a famílias indígenas no bairro Estácio, no centro do Rio. Imagem cortesia de Tapitxi Guajajara via Marize Guarani.

Mas eles enfrentam limitações para praticar seus rituais tradicionais, diz ela. “A gente tem a forma de dançar, cantar. Mas isso é impossível [praticar aqui] porque é um condomínio, são outras pessoas no entorno, e a gente tem que respeitar as normas daquele condomínio, daquele prédio. A gente se submete a outra sociedade que tem uma outra regra”, diz Sandra Guarani Nhandeva, que também é curadora-adjunta de arte brasileira no Museu de Arte de São Paulo (MASP). 

Os moradores indígenas enfrentam o preconceito de seus vizinhos diariamente, acrescenta. “Toda hora a gente passa um constrangimento, porque as pessoas que moram no entorno ficam zoando a gente, debochando”, afirma. “E a própria comunidade muitas vezes faz “uh-uh-uh” com a gente e aí começa a imitar a gente, começa a debochar da gente. Quando escutam o barulho, começam a imitar. É um constrangimento diário”.

Ela se lembra do caso de uma moradora indígena que pediu uma corrida por meio de um aplicativo de transporte, mas o motorista recusou a corrida depois de vê-la com o corpo inteiro pintado para uma apresentação. “Então nós passamos por tudo isso. Nós indígenas somos muito discriminados no Brasil, no próprio Brasil. Como se a gente fosse estranho, como se a gente incomodasse o próprio brasileiro. Os indígenas que vivem na cidade são totalmente invisíveis ”, diz Sandra Guarani Nhandeva.

Vista aérea do palacete ao lado do estádio do Maracanã sobre o qual indígenas reivindicam seus direitos ancestrais de propriedade. Rio de Janeiro, 1 de dezembro de 2020. Imagem: Mongabay.

Preso porque ‘estava pensando em assaltar’

O Rio de Janeiro sempre ocupou um lugar de destaque na história do Brasil. Foi capital em diferentes períodos: da colônia portuguesa do Estado do Brasil (1763-1815), depois do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822), do Império do Brasil (1822-1889) e da República dos Estados Unidos do Brasil (1889-1968) até 1960, quando a base de poder político do país mudou para a recém-construída Brasília. Naquele ano, o Rio de Janeiro foi transformado em cidade-estado com o nome de Guanabara; em 1975 passou a ser a capital do estado do Rio de Janeiro após sua fusão com a Guanabara. A sua herança real reflete-se nos imponentes edifícios de estilo português no centro da cidade e em outros bairros, construídos para a família real portuguesa, que transferiu para o Rio a sede do império de Lisboa no início do século 19.

Povos indígenas de todo o Brasil vieram para o Rio ao longo dos séculos. O arquivo da Biblioteca Nacional documenta a presença indígena no Rio de cidades vizinhas como Niterói, para vender artesanato no centro, afirma a historiadora Ana Paula da Silva. Havia também um grande contingente de indígenas de outros estados, chamados de províncias na época, que trabalhavam em casas particulares, como remeiros com “recrutamento forçado” para o Exército e a Marinha, diz Silva. 

“O que nós podemos mapear através da documentação é que a realidade deles era muito difícil. Que eles viviam nos alojamentos em condições muito insalubres, ganhando baixos soldos e com isso eles desertavam”, afirma da Silva. “É comum a gente encontrar na documentação da Marinha muitos indígenas que desertavam, isso devido às condições de trabalho, condições de vida”.

“Eles imaginavam uma realidade e chegavam aqui eles tinham uma outra realidade. Então, muitos desertavam, iam para a pesca da baleia, muitos viviam nas cidades, muitas crianças indígenas tomavam conta de outras crianças… trabalhavam para particulares tomando conta de outras crianças… Então, a dos indígenas com a cidade do Rio de Janeiro era uma relação muito estreita, não só culturalmente, não só linguisticamente, mas também construindo esses patrimônios”.

 Mas tudo isso estava oculto nos arquivos da cidade, levando ao “apagamento” dos indígenas da história do Brasil, afirma José Ribamar Bessa Freire, professor que coordena um programa de estudos sobre povos indígenas na UERJ. Ele coordenou um grupo de 12 pesquisadores que vasculhou 25 grandes arquivos da cidade do Rio de Janeiro ao longo de três anos.

“Fundação da Cidade do Rio de Janeiro”, de Antonio Firmino Monteiro. Imagem cortesia da Fundação Biblioteca Nacional.

A iniciativa faz parte de um projeto mais amplo, liderado pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha e pelo historiador João Monteiro, que teve como objetivo desenterrar documentação sobre povos indígenas nos arquivos de todas as capitais brasileiras para responder à pergunta: “Por que o índio não aparece na história do Brasil?” “Para Bessa, a resposta é:“ Porque não tem documentação sobre isso”. Então, foi formada uma força-tarefa para encontrar esses registros, diz ele.

Toda a documentação sobre os índios no Brasil todo estão aqui [no Rio]”, diz Bessa, observando que como o Rio era a capital do Brasil, seus arquivos são de âmbito nacional, incluindo o próprio Arquivo Nacional, que não foi transferido para Brasília.

Mas não foi uma tarefa fácil, diz Bessa, já que alguns arquivos negavam a existência de qualquer documento relacionado aos indígenas, o que exigia buscas manuais entre pilhas e pilhas de documentos.

Foi o que aconteceu com o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, afirma. “Eu disse “não é possível, nós estamos vindo do arquivo nacional, tem um montão de ofícios do Ministério da Agricultura para o presidente da província pedindo dados demográficos é… de mais de 16 aldeias indígenas no século 19”.

“[A diretor do arquivo] disse: ‘não tem professor, olha o catálogo. Aí eu olhei o catálogo não tinha absolutamente nada sobre índios’. Os alunos quase me matam juntos, porque eu disse “vamos procurar maço por maço, documento por documento’”, lembra Bessa.

Quando estavam quase desistindo, diz ele, “encontramos no maço a correspondência do Barão de Araruama que foi um diretor-geral de índios em 1945”. Por meio dessa correspondência, os pesquisadores coletaram dados demográficos sobre a presença indígena no Rio de Janeiro, tanto na cidade quanto no estado, diz Bessa.

“Retrato de estúdio: Retrato de grupo sentado de dez povos indígenas”, Artista desconhecido. Imagem cortesia do Horace W. Goldsmith Foundation Fund, por meio de Joyce e Robert Menschel, 2017.

Bessa também é professor do programa de pós-graduação em memória social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coautor do livro “Os aldeamentos Indígenas no Rio de Janeiro”, que documenta a presença de indígenas em todo o estado do Rio de Janeiro. “Para você ver o processo de ocultamento, começa nos próprios arquivos”, diz ele.

 A busca minuciosa dos pesquisadores em todos os arquivos do estado do Rio de Janeiro destacou a “terrível”conservação de documentos relacionados aos indígenas, diz Bessa. Em alguns casos, diz ele, os documentos estavam em porões com “ratos e baratas”, prontos para serem queimados; em um arquivo, os registros estavam em um estacionamento com “bicicletas em cima dos maços”. “Isso é para responder à sua pergunta sobre o apagamento histórico”, diz Bessa à Mongabay.

Em algumas situações, conta o professor, os pesquisadores também tiveram que cruzar informações de arquivos cartorários, paroquiais e municipais para resolver inconsistências nos registros indígenas. Os arquivos paroquiais são “relativamente bem organizados”, diz Bessa, e renderam muitos registros de indígenas sendo batizados, com seus nomes indígenas listados ao lado de seus nomes de batismo. Essas mesmas pessoas, porém, nunca apareceram nas certidões de óbito mantidas em cartórios entre 1889 e o fim da ditadura na década de 1980, diz Bessa. Depois de voltar aos arquivos da paróquia, ele descobriu que o cartório os “matou civilmente”, listando-os sob seus nomes de batismo nas certidões de óbito e omitindo qualquer menção de que eram indígenas.

Bessa também destaca a descoberta de arquivos da Polícia da Corte do Rio de Janeiro no Arquivo Nacional, com quase 400 livros manuscritos de prisões feitas na cidade. Ele diz que os pesquisadores ficaram “assustados” com o grande número de indígenas presos durante a urbanização da cidade. A polícia da corte, explica ele, foi criada em 1808 por D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves de 1816 a 1825.

Um caso em particular chamou a atenção de Bessa: o de um indígena condenado a trabalhar na construção civil após ser preso porque estava “pensando em assaltar”, conforme relatado pelo delegado na época. Intrigado, Bessa procurou um desembargador, que explicou que o código penal da época prescrevia o trabalho comunitário como pena. Isso levou Bessa à conclusão de que como os escravos africanos estavam todos nas fazendas de café do Vale do Paraíba, fora da cidade, a cidade do Rio precisava de meios para encontrar mão de obra gratuita ou barata.

E aí os índios eram presos como uma forma de recrutamento. Não interessava se cometeu um crime ou não. Prende e inventa um crime que tava pensando em roubar e dá oito meses de trabalho na reforma do Passeio Público”, afirma Bessa.

Uma parte irrecuperável da história indígena do Brasil foi destruída por um incêndio em setembro de 2018 que destruiu arquivos e objetos singulares do Museu Nacional, que especialistas dizem que “contava a outra história do Brasil”.

“Se você pensar que o Museu Nacional é uma construção de uma geração de pesquisadores para além de muitos governos, você vai pensar que o que se montou, levou décadas e décadas e décadas de tempo para se construir”, afirma Pereira, o sociólogo. “E que ao perder esse material , não tem como recompor porque eram materiais únicos, doações, coletas. E materiais recolhidos ao longo de uma vida. As pessoas não vão ter acesso. Ela perde um pouco da memória e da história. E em relação aos indígenas, nós podemos pensá-los como os silenciados da escrita e da história. Porque o estado brasileiro não reconhece o conflito, o extermínio, o assassinato”.

Matos fazia pós-doutorado no Museu Nacional pouco antes do desastre e lembra de ter ficado extremamente preocupado com a possibilidade de um incêndio quando viu toda a fiação elétrica exposta. “Não foi por falta de aviso. Não foi por falta de pedidos de reparo, de dinheiro, de financiamento. Agora não tem como reconstruir aquilo que se perdeu. O museu que vier a ser o Museu atual nunca vai ser igual ao museu do passado, aquilo se foi”. 

José Guajajara, que estudou lingüística no Museu Nacional, concorda. “Ali estava todo o nosso acervo, um grande acervo do indianismo nacional, que diz respeito [ao acervo] etnográfico e principalmente de línguas, de matrizes de línguas indígenas e terra indígenas também. Por isso, ali foi queimado criminosamente no dia 2 de setembro de 2018”.

“Mulheres cabocles (selvagens civilizadas) vivendo como lavadeiras na cidade do Rio de Janeiro”, de Charles Étienne Pierre Motte. Imagem cortesia da Fundação Biblioteca Nacional.

Resgatando a história: ‘Nós existimos’

Metrópole abençoada com praias, cachoeiras, florestas e montanhas, entre outros recursos naturais, além de uma lendária vida festeira, o Rio atrai pessoas de outras partes do Brasil e do exterior e também indígenas.

Entre eles está Tereza Correa da Silva Arapium, 56, que nasceu na aldeia Andirá, na região do Baixo Rio Tapajós, no Pará. Ela viveu na aldeia até os 12 anos, quando se mudou para Santarém para estudar porque não havia escola na sua aldeia. Posteriormente, ela se mudou para o Rio em busca do sonho de trabalhar como guia de turismo, cidade onde ela mora há 27 anos.

Tereza Arapium conta que inicialmente abandonou a cultura indígena e passou a viver uma “vida do não indígena”, indo a bares, festas, carnavais, samba e muito mais. Isso durou até 2013, quando ela foi diagnosticada com câncer de mama e retornou à sua aldeia para o tratamento ancestral. Ela conta que ficou lá por dois anos, totalmente desligada da vida não indígena e totalmente imersa em sua cultura e raízes ancestrais. Ela diz que o pajé disse que ela seria curada, e ela foi.

A partir daí eu tomei uma decisão que ia largar a vida da cidade [e] defender a natureza, porque ela que me curou. Eu ia defender a natureza e meu povo, ia defender o meu povo independente de onde de eu estivesse, [eu] ia me dedicar a essa missão. E a partir daí eu virei ativista”, ela diz à Mongabay sentada na rede no apartamento onde mora, no Catete, bairro no qual 90 indígenas viviam em 2010, segundo o censo. Ela não tem cama em sua casa. “Não abro mão de dormir na rede”.  

Tereza Arapium conta que inicialmente abandonou a cultura indígena e passou a viver uma “vida não indígena” no Rio. Quando adoeceu em 2013, voltou à sua aldeia para um tratamento tradicional, onde mergulhou totalmente na sua cultura e raízes ancestrais. Imagem de Mongabay.

Como tantos outros lugares do Rio, Catete vem da língua tupi e significa imensa floresta ou floresta fechada. O bairro ocupa um terreno antes pertencente à Aldeia Indígena Uruçumirim. De 1840 em diante, a área tornou-se favorita para os nobres coloniais construírem suas mansões e se estabelecerem. Entre os mais destacados, estava o barão de Nova Friburgo, que encomendou a construção do Palácio do Catete, que mais tarde serviu como residência presidencial do Brasil por mais de 60 anos. Ali residiram 18 presidentes, sendo o mais famoso deles Getúlio Vargas, que se suicidou no palácio em 1954.

Tereza Arapium diz que voltou ao Rio para “para ter voz, trazendo a voz da floresta”. Ela começou a participar de movimentos sociais na cidade e concorreu como vereadora na eleição de 2020 pelo PSOL — a única candidata indígena na eleição do Rio — para lutar pelos direitos dos povos originários. Apesar de não ter vencido, ela afirma ter colocado o tema urgente de que “nós existimos” como pauta permanente na cidade do Rio. 

No Rio de Janeiro, os povos originários, eles não tem visibilidade nenhuma, os direitos deles são totalmente negados porque eles não são reconhecidos no Rio de Janeiro como indígenas”, afirma Tereza Arapium. “No Rio de Janeiro é a maior invisibilidade do Brasil dos povos originários. Porque pra mim só vai ter uma solução para os problemas dos indígenas, não só do Rio de Janeiro, mas do Brasil inteiro, o respeito, quando a gente puder estar lá, quando a gente puder estar no legislativo, no executivo, quando a gente puder assinar os projetos, as políticas públicas”. 

Apesar de sua derrota na eleição, Tereza Arapium diz que se sentiu vitoriosa porque ganhou muitos apoiadores e colocou nos holofotes a população indígena do Rio. Ela diz que sua campanha foi “revolucionária”, pois utilizou folhas de árvore em vez de panfletos de papel e adesivos, como exemplo de que é possível fazer uma campanha sustentável.

Tereza Arapium concorreu como vereadora na eleição de 2020 — a única candidata indígena na eleição do Rio. Sua campanha foi “revolucionária” por ser sustentável, usando folhas de árvores em vez de panfletos de papel e adesivos. Imagem de Mongabay.

Ela relata, porém, ter vivenciado episódios de preconceito durante sua campanha por ser mulher e indígena, sobretudo quando usava roupas e pinturas corporais tradicionais indígenas.

Ser indígena no Rio de Janeiro é a gente ser muito lutador e forte pra lutar contra o preconceito e o racismo, que isso nos atinge muito, e a invisibilidade. Como se o indígena não fizesse parte dessa cidade… Quando a gente coloca a nossa pintura, nossos grafismos, as pessoas ficam olhando de uma tal forma, admirados, como fosse uma coisa que nunca viram na vida. Você vira atração, entendeu?”, relata Tereza Arapium, que observa que quando ela está sem nenhum adereço indígena ela não se sente “tão discriminada”. 

Ela também reclama da falta de serviços específicos de saúde e educação para os indígenas no Rio, como existem nas aldeias, e sobre a falta de um espaço cultural na cidade onde os indígenas possam expor seu artesanato, cantar e praticar seus rituais tradicionais.

“Sei que tenho uma missão no Rio de Janeiro, eu tenho uma missão com a minha aldeia também. Eu sou cacica da minha aldeia; então ser cacique é uma missão, não é um cargo”, afirma.

O meu sonho? É de ver o meio ambiente preservado, sem essa destruição tão grande. O meu sonho é esse, que um dia eu veja o meio ambiente em paz”.

Apesar de ter nascido na aldeia, Tereza Arapium afirma que só recentemente começou a aprender o Nheengatu Tapajoara, língua ancestral de seu povo. “O meu povo foi totalmente catequizado, branqueado pelo portugueses, pelos invasores”, conta. “ E a nossa língua é Tupi e ela foi praticamente extinta por causa da proibição. Quando eles chegaram, eles proibiram a nossa língua e impuseram o português. Nossos antepassados eram ameaçados, assim como nós também, a nossa cultura foi totalmente proibida”. 

Ela também conta que viu a cultura de seu povo sendo atacada com a chegada de missionários cristãos em sua aldeia, pregando o catolicismo e rotulando os pajés de “demônios”. Outro exemplo do “branqueamento” do seu povo, diz ela, é o fato de constar em registo oficial ela ter nascido na cidade de Santarém e não na aldeia. Isso aconteceu com ela e todos os membros de sua família, conta.

O curso de Nheengatu Tapajoara pela internet, diz Tereza Arapium, é uma “grande descoberta”. Ela se deu conta que já falava Nheengatu sem saber, porque a maioria dos nomes de frutas e peixes vem da língua tupi.

Agora, ela diz que luta pelo “reavivamento” da história indígena do Rio, que avança aos poucos por meio de trabalhos acadêmicos.

Umas das nossas propostas [da minha campanha] era fazer o turismo baseado na história dos povos originários que viveram no Rio de Janeiro antes da chegada do invasor”, conta Tereza Arapium, que afirma que essa ainda é uma de suas metas.

“Tem uma missão no Rio de Janeiro que é árdua, não é fácil, que é esse reavivamento da [verdadeira] história, por causa da invisibilidade do nosso povo no Rio de Janeiro”, afirma a ativista, ressaltando que os indígenas precisam lutar para contar sua própria história. “Nos livros, é a história do colonizador… Eu acho injusto que essa história dos povos originários no Rio de Janeiro sejam totalmente apagada”. 

Sandra Guarani Nhandeva reforça o apelo de Tereza Arapium, convocando os indígenas a se organizarem e se unirem na cidade para lutar por seus direitos e superar todos os desafios. “Porque se não a gente vai continuar sendo invisível”. 

Esta reportagem faz parte do especial Indígenas nas Cidades do Brasil e recebeu financiamento do programa de jornalismo de dados e direitos fundiários do Pulitzer Center on Crisis Reporting.

Mapas: Ambiental Media / Juliana Mori.

Infográficos: Ambiental Media / Laura Kurtzberg.

Pesquisa e análise de dados: Yuli Santana, Rafael Dupim e Ambiental Media.

Imagem do banner: “Gouaranis civilizados empregados no Rio de Janeiro como artilheiros ”, de Charles Étienne Pierre Motte. Imagem cortesia da Fundação Biblioteca Nacional.

Karla Mendes é editora e repórter investigativa da Mongabay no Brasil.  Twitter: @karlamendes

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