O setor de alimentos ditos “azuis”, ou aquáticos, é frequentemente negligenciado como estratégia climática, apesar de seu potencial para ajudar a suprir a demanda por proteínas com uma pegada ambiental menor, argumentam ministros da pesca do Brasil e de Portugal em um novo artigo de opinião na Mongabay.
Muitos alimentos azuis geram emissões de carbono mínimas e utilizam quantidades modestas de ração, terra e água doce, e seu consumo ampliado poderia reduzir as emissões globais de CO₂ em pelo menos 1 gigatonelada por ano.
“Brasil e Portugal estão prontos para defender esforços globais para aproveitar e proteger os alimentos azuis nas estratégias de mitigação e adaptação climática, gerando múltiplos benefícios para as metas de desenvolvimento sustentável. Conclamamos mais países a implementarem medidas em todo o setor de alimentos azuis que fortaleçam a segurança alimentar e as estratégias climáticas na COP30 e além”, escrevem os autores.
Como dois países costeiros conectados pelo Oceano Atlântico e por cinco séculos de história compartilhada, Brasil e Portugal valorizam há muito os alimentos “azuis”, ou aquáticos, incluindo nosso amor comum pelo bacalhau.
Portugal ocupa o terceiro lugar no mundo e o primeiro na União Europeia em consumo per capita de peixes e frutos do mar. No Brasil, os alimentos aquáticos sustentam mais de 3 milhões de famílias, com o consumo de peixe inteiro, cru, chegando a 800 gramas por dia na Amazônia — que acolhe pela primeira vez as negociações climáticas da ONU em sua cidade-porta de Belém.
Mas, à medida que nosso sistema global de alimentos entra sob pressão crescente — das mudanças climáticas às transformações na dieta —, também reconhecemos que os alimentos azuis desempenham um papel crucial na construção de sistemas alimentares mais resilientes, adaptáveis e nutricionalmente equilibrados.

O setor de alimentos azuis, que engloba a pesca em ambiente natural e a aquicultura de peixes, moluscos, algas e outras plantas e animais aquáticos, é bem conhecido por fornecer fontes ricas de proteína e micronutrientes essenciais — como vitamina B12, ferro, zinco e ácidos graxos ômega-3 —, cruciais para combater a desnutrição, que afeta mais de 2 bilhões de pessoas no mundo.
No entanto, esse setor é frequentemente negligenciado como estratégia climática, apesar de seu potencial para atender à demanda por alimentos de origem animal com menor pegada ambiental. Muitos alimentos azuis geram emissões de gases de efeito estufa mínimas e utilizam quantidades modestas de ração, terra e água doce. Ao aumentar o consumo de alimentos azuis, as emissões globais de CO₂ poderiam ser reduzidas em até 1,06 gigatoneladas por ano até 2050, mitigando emissões equivalentes a 3 milhões de voos transatlânticos de ida e volta.
Enquanto um número crescente de países está incluindo alimentos azuis em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e Planos Nacionais de Adaptação (NAPs), mais de um terço dos países ainda não o fez, o que representa uma oportunidade perdida para atingir metas de segurança alimentar, nutrição e clima.
Nesta edição da COP30 em Belém, que começa esta semana, os alimentos azuis aparecerão em destaque pela primeira vez na Agenda de Ação Climática. Um dos programas mostrará iniciativas implementadas em todo o mundo nos setores de pesca e aquicultura para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e apoiar as respostas adaptativas dos pescadores às mudanças climáticas.
A COP oferece amplas oportunidades para que os países partilhem e adotem boas práticas para integrar o setor de alimentos azuis às estratégias climáticas, conforme aponta um guia de políticas publicado recentemente.

Além disso, o Fundo Verde para o Clima, o Fundo Global para o Meio Ambiente e outros fundos similares estão investindo cada vez mais na produção de alimentos aquáticos como soluções baseadas na natureza para enfrentar os desafios climáticos. A pesca e a aquicultura também são tema de várias negociações e processos de implementação das Nações Unidas, incluindo a Meta Global de Adaptação, o Trabalho Conjunto de Sharm el-Sheikh sobre Agricultura e Segurança Alimentar e o Diálogo sobre Oceano e Mudança Climática.
O Brasil também oferece lições valiosas para outros países em desenvolvimento e economias emergentes. A integração brasileira de aquicultura e sistemas agroflorestais, a gestão comunitária do pirarucu amazônico, novas tecnologias em aquicultura de peixes tropicais e de algas, e a carcinicultura em áreas salinizadas no interior são exemplos de soluções climáticas adaptadas à realidade de um país tropical e megadiverso.
Como um dos maiores produtores de gado do mundo, o Brasil também demonstra que equilibrar a produção terrestre e aquática é uma forma estratégica de avançar na segurança alimentar, na nutrição e na inclusão social, promovendo, ao mesmo tempo, o uso sustentável de seus recursos naturais e serviços ecossistêmicos.
Entretanto, Portugal complementa essa abordagem ao apoiar o avanço de um plano de trabalho no Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável. O plano envolve formar coalizões intersetoriais que reúnem pesca, clima e líderes de segurança alimentar para incorporar alimentos azuis de forma consistente às estratégias climáticas e alimentares, além de promover políticas integradas. O país também está orientando a reforma das Organizações Regionais de Gestão de Pescas (ORGPs) para fortalecer a governança e sustentar os recursos marinhos compartilhados em águas internacionais.

Portugal está comprometido em integrar esse plano em nível nacional. Atualmente, avança na definição da sua rede de áreas marinhas protegidas com comunidades pescadoras para promover práticas sustentáveis no setor azul. Recentemente, o país também conduziu uma campanha para recuperar equipamentos de pesca plásticos do mar e reduzir a poluição marinha.
Esperamos que esses exemplos inspirem outros países a recorrer aos alimentos azuis e a protegê-los para alcançar metas climáticas globais. Os países podem mapear as emissões e as contribuições nutricionais de seus setores de alimentos azuis, identificando oportunidades de transição para espécies e tecnologias de baixo impacto. E podem reformar a assistência financeira que incentiva a sobrepesca ou práticas de aquicultura de alta emissão, redirecionando-a para a alimentação sustentável, o uso de energia renovável e a restauração de habitats.
À medida que a COP30 começa, Brasil e Portugal estão prontos para defender esforços globais para aproveitar e proteger os alimentos azuis nas estratégias de mitigação e adaptação climática, gerando múltiplos benefícios para as metas de desenvolvimento sustentável.
Conclamamos mais países a implementarem medidas em todo o setor de alimentos azuis que fortaleçam a segurança alimentar e as estratégias climáticas na COP30 e além.
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André de Paula é ministro da Pesca e Aquicultura do Brasil. Salvador Malheiro é secretário de Estado das Pescas e do Mar de Portugal.