A Região dos Abrolhos, entre Bahia e Espírito Santo, abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul: são mais de 500 espécies vivendo entre recifes de corais, manguezais e ilhas oceânicas; lá também é o maior berçário de baleias-jubarte do Brasil.
A área, porém, sofre com pouca proteção legal, expondo-a a riscos como pesca predatória e mineração marinha; o Banco dos Abrolhos, onde fica o mais extenso recife de corais do Atlântico Sul, tem menos de 2% dos seus 46 mil km² protegidos integralmente.
Um estudo recente identificou áreas críticas e ecossistemas vulneráveis que precisam de conservação urgente; um deles são os bancos de rodolitos, aglomerados de rochas calcárias cruciais para a segurança climática e a reprodução de espécies marinhas.
A Região dos Abrolhos, entre o litoral sul da Bahia e o norte do Espírito Santo, tornou-se mundialmente conhecida por deter a maior concentração de biodiversidade marinha do Atlântico Sul. Mas a manutenção desse patrimônio em longo prazo está em xeque, caso não sejam sanadas as lacunas de proteção legal de seus principais ecossistemas. São as conclusões de um estudo recente, que identificou os hotspots da área e a necessidade de conservá-los.
Um dos ecossistemas mais conhecidos e vulneráveis dessa região é o Banco dos Abrolhos, que concentra o arquipélago homônimo e a mais extensa formação de recifes de corais do Atlântico Sul, além de ser o principal berçário de baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) no país. Apesar da relevância, menos de 2% de seus 46 mil km² estão protegidos por uma unidade de conservação de proteção integral; no caso, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, o primeiro com essas características criado no Brasil, em 1983, com 882 km².
A biodiversidade marinha do Banco dos Abrolhos também é fundamental para a manutenção de algumas vocações econômicas regionais, como a pesca artesanal praticada pelas comunidades tradicionais da Reserva Extrativista (Resex) de Cassurubá e da Resex Marinha de Corumbau, bem como o turismo ecológico. O avistamento de baleias-jubarte, por exemplo, é um importante gerador de renda entre junho e novembro, quando os animais migram da Antártica para a região com o intuito de se reproduzir. A atividade também ajuda a sustentar o programa de pesquisa e conservação do Instituto Baleia Jubarte (IBJ).
Mas todo esse valioso patrimônio ambiental vem enfrentando ameaças que põem em risco sua proteção. Uma delas é a pesca ilegal que ocorre dentro do parque nacional, confirmada por operações de fiscalização que detectaram a captura de peixes ameaçados de extinção. Uma das espécies mais afetadas é o budião-azul (Scarus trispinosus), peixe recifal endêmico da costa brasileira cuja população vem sofrendo declínio pela sobrepesca. Está entre as cinco espécies de peixes ósseos brasileiros consideradas criticamente em perigo pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Cientistas e ambientalistas também temem pelos impactos socioambientais causados pelo crescente interesse da mineração marinha. A plataforma oficial da Agência Nacional de Mineração (ANM) para consulta de processos minerários ativos no Brasil indica dezenas de requerimentos sobre o Banco de Abrolhos com autorização de pesquisa. A grande maioria está focada na extração de sal-gema, o mesmo por trás da mina da Braskem em Maceió, que colapsou em 2023.


Patrimônio desprotegido
Das 546 espécies de peixes, invertebrados, cetáceos, aves e tartarugas-marinhas identificadas na região do estudo, 134 espécies (24,5%) estão enquadradas em categorias de ameaça (quase ameaçada, vulnerável, em perigo ou criticamente em perigo) na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) de 2022. Curiosamente, as áreas de maior biodiversidade no território são aquelas que têm baixa ou nenhuma proteção legal. Segundo Guilherme Fraga Dutra, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), primeiro autor do artigo, “havia ainda uma necessidade de se olhar com uma lupa para as suas áreas mais desprotegidas e os riscos envolvidos”.
Não por acaso, nas últimas décadas, a urgência de ampliar a proteção no Banco dos Abrolhos tem sido um tema recorrente nas discussões dos cientistas, do movimento socioambientalista e da gestão pública. Atualmente, além de duas Reservas Extrativistas (Corumbau e Cassurubá), uma outra unidade de conservação, a Área de Proteção Ambiental (APA) Ponta da Baleia/Abrolhos, protege, em tese, os seus recifes de corais. Isso porque, assim como as Resex, também é de uso sustentável, ou seja, onde se permitem atividades econômicas. Além disso, até hoje essa APA estadual não foi efetivamente implementada, embora tenha sido legalmente instituída em 1993. Há anos, discute-se também uma possível ampliação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos.
Para Dutra, uma das conclusões mais preocupantes do estudo se refere à falta de proteção de 96% dos rodolitos de Abrolhos, por se tratar do maior banco desses ecossistemas recifais do mundo. Os rodolitos são aglomerados de algas calcárias que formam “rochas vivas” no fundo do mar, protegendo os corais da ação erosiva das ondas, absorvendo carbono e oferecendo abrigo à biodiversidade oceânica. São estruturas fundamentais à resiliência climática, à segurança alimentar e à reprodução das espécies marinhas.
Os rodolitos estão entre os quatro hotspots estudados que mais preocupam os cientistas. Eles se somam às “buracas”, depressões na plataforma continental que estão completamente fora dos limites das atuais áreas protegidas, embora sejam consideradas estruturas únicas para a manutenção de espécies marinhas como peixes e lagostas. Outras prioridades sinalizadas para estratégias futuras de conservação, por serem habitats praticamente sem proteção, envolvem corais de áreas profundas e encostas do Banco dos Abrolhos.
“As soluções não são simples, mas são necessárias, pois o cenário do jogo é de perdas”, diz Dutra. Apesar dos alertas, para o pesquisador, o Brasil vive um momento favorável ao debate sobre mecanismos de proteção da biodiversidade dessa região, incluindo a ampliação das suas áreas legalmente protegidas. Diálogos nesse sentido vêm sendo mantidos com inúmeras representações sociais.


O Brasil é signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e, como parte de desdobramentos desse que é o mais importante tratado internacional sobre o tema, assumiu compromissos no âmbito do Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), firmado em 2022. Dentre as 23 metas desse novo pacto, o país terá como desafios resguardar, pelo menos, 30% dos ecossistemas marinhos e terrestres por meio de áreas protegidas, até 2030 (Meta 3, batizada de 30×30), além de restaurar 30% de áreas degradadas.
Por isso, além da ampliação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, Dutra destaca a necessidade de mais avanços em pesquisas científicas e atualização de bancos de dados oficiais, assim como ações de educação e acesso à informação da sociedade sobre a relevância desse patrimônio natural e cultural brasileiro de valor inestimável.
Dentre outros desafios, o pesquisador considera crucial “trazer mais parceiros para esse debate”. Segundo ele, existe uma percepção de que as áreas marinhas protegidas têm prejudicado o desenvolvimento de atividades como a pesca artesanal, uma vez que limitam a captura, se for uma unidade de proteção integral. No entanto, “apesar da carência de informações sobre a pesca na região, existem evidências científicas claras de que as áreas protegidas têm sido fundamentais para a manutenção da pesca recifal”.
Para Dutra, os alertas do artigo já começaram a surtir efeitos positivos. Recentemente, a Mission Blue, organização internacional fundada pela oceanógrafa Sylvia Earle em prol da conservação marinha, anunciou Abrolhos como o mais novo Hope Spot. Esses chamados “Pontos de Esperança” são lugares considerados únicos no mundo pela sua extraordinária biodiversidade. O pesquisador, juntamente com Danieli Marinho Nobre, analista-sênior de conservação do WWF-Brasil, foram reconhecidos como Hope Spot Champions pela atuação de ambos no coletivo Abrolhos para Sempre.
Eduardo Camargo, diretor do Instituto Baleia Jubarte e coautor do artigo, acredita que pode haver futuramente uma resposta positiva, no âmbito do ICMBio, à luta pela ampliação do parque nacional. Essa mobilização defende o fortalecimento da proteção integral frente às inúmeras ameaças à sua biodiversidade. Mas, historicamente, esse movimento esbarrou em interesses contrários, dentre os quais, a indústria de petróleo e a carcinicultura (cultivo de camarões em cativeiro).
Para o ambientalista, o risco de exploração petrolífera está afastado de Abrolhos, “pelo menos por enquanto”. Em 2019, frente a forte mobilização contrária da sociedade, o Ibama negou a licença ambiental para um projeto com esse perfil. Na ocasião, o leilão de blocos de petróleo não teve empreendimentos interessados. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também já se manifestou contrária a esse tipo de atividade na região. Vale lembrar que, naquele ano, o grande derramamento de petróleo que atingiu o litoral nordestino ameaçou contaminar Abrolhos. Por essas e outras questões, entende-se que a sua natureza viva vale muito mais, de modo que sua área de abrangência tem estado fora de novos leilões do setor.


Estudo preenche lacuna, analisa oceanógrafo
Para o oceanógrafo Frederico Pereira Brandini, professor da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da rede de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), o estudo vem preencher uma lacuna de informações existente até então.
Brandini, que não participou do estudo, destaca que na publicação foram utilizados bancos de dados mais precisos para delimitação da extensão dos hotspots de diversidade biológica vulneráveis na Região dos Abrolhos. “Apesar das dificuldades existentes nessa região, eles indicam, por exemplo, onde começam e terminam esses hotspots, trazendo alertas importantes sobre as áreas que devem ser protegidas prioritariamente”.
Para o pesquisador, a metodologia robusta utilizada pode e deve ser replicada em outras áreas costeiras brasileiras para identificar ecossistemas importantes que necessitam de reforço na proteção da sua biodiversidade. Mas opina que não adianta cuidar somente das áreas protegidas, ainda muito limitadas, e permitir que se explore o restante das áreas marinhas “não protegidas” de forma insustentável, tema já discutido por ele publicamente.
Brandini ainda defende mapeamentos futuros dos ecossistemas marinhos onde se reproduzem as kelps, algas que formam florestas marinhas típicas de áreas temperadas. Algumas das mais conhecidas estão localizadas na Califórnia, no Chile e na África do Sul. No Brasil, ocorrem justamente na Região dos Abrolhos, sendo beneficiadas pela entrada de águas frias de origem oceânica, ricas em nutrientes, condições ideais para o crescimento da kelp brasileira (Laminaria abyssalis). “Ainda sabemos muito pouco sobre a capacidade da floresta submarina de kelps em Abrolhos e sua fauna associada em estocar carbono em escala regional.”

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Imagem do banner: Tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) na Região dos Abrolhos. Foto: Enrico Marcovaldi/Projeto Baleia Jubarte.
Citação:
Dutra GF, Santos LP, Coutinho BH, Saliba A, Martinez Garcia MI, Mies M, et al.. Marine biodiversity hotspots in the Abrolhos Region and Vitória-Trindade Seamount Chain, Brazil, with implications for conservation. Ocean Coast Res. 2025;73:e25019. Available from: https://doi.org/10.1590/2675-2824073.24055