Ocara-Açu, um imenso assentamento pré-colonial localizado na Amazônia, foi o núcleo de uma rede regional que pode ter abrigado até 60 mil pessoas antes da invasão pelos europeus; hoje está debaixo da atual cidade de Santarém.
De tempos em tempos, o rico legado indígena de Santarém emerge através das rachaduras no concreto, embora sítios arqueológicos tenham desaparecido como resultado da expansão urbana, da agricultura e da construção de um terminal de soja pela Cargill.
Descobertas arqueológicas na região do Rio Tapajós desafiam a antiga crença de que as condições na Amazônia não eram capazes de sustentar culturas humanas grandes e complexas, revelando um modelo urbano radicalmente diferente.
SANTARÉM, Pará – A Praça Rodrigues dos Santos já conheceu dias melhores. O largo triangular no centro de Santarém está em péssimas condições, cheio de buracos e pilhas de lixo.
Em meio às árvores, ergue-se a estátua de um padre. Seu braço direito parece desproporcionalmente grande, e ele segura uma Bíblia debaixo do braço esquerdo. Perto da estátua há um pequeno pilar, danificado demais para que se consiga ler o texto. A placa sob a figura de batina ajuda.
“Neste local ficava a Ocara-Açu [terreiro grande] dos índios Tupaiu ou Tapajó”, diz. “Aqui, no dia 22 de junho de 1661, o padre jesuíta João Felipe Bettendorf instalou a missão de Nossa Senhora da Conceição, que deu origem à cidade de Santarém.”
A Praça Rodrigues dos Santos é o coração histórico da cidade, o lugar onde tudo começou. Mesmo assim, quem passa pelo local não tem culpa se achar que se trata apenas de um lugar para estacionar os carros na rua.
Com vista para o Tapajós, um dos maiores afluentes do rio mais caudaloso do mundo – o Amazonas –, Santarém abriga cerca de 330 mil pessoas. Sua paisagem é dominada há muito tempo pelas centenas de barcos de pesca e balsas atracados ao longo da orla. Desde 2003, o enorme terminal de soja da Cargill se tornou mais um elemento da silhueta urbana.

Longe da alegre agitação ao longo do rio, a cidade é uma selva de concreto bastante indefinida, com poucos destaques que agradem visitantes. A maioria não passa muito tempo em Santarém, seguindo direto para as belas praias e florestas da vizinha Alter do Chão.
Ao viajar pela região do Tapajós, na década de 1870, o naturalista estadunidense Herbert Smith percebeu que “cada pontinho e baía” ainda tinha nome indígena. Em seu diário de viagem, Brazil, the Amazons and the Coast, manifestou a esperança de que “os brasileiros” mantivessem esses nomes “em vez de trocá-los por nomes de santos e expressões teológicas”.
Parece que o povo de Santarém nunca leu o livro. Além do rio e da avenida, ambos com nomes que homenageiam o povo Tapajó, a menção ao assentamento de Ocara-Açu na placa da Praça Rodrigues dos Santos é uma das raras referências públicas à cultura indígena que um dia prosperou aqui.
“A cidade tem pouca consideração com o passado, o que inclui o passado colonial”, disse à Mongabay Claide de Paula Moraes, professor de Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), no campus de Santarém. “Considerando que é uma cidade com mais de 350 anos, o que tem para ver [em termos de história]? Quase nada.”

Santarém comemora o dia 22 de junho de 1661, quando o padre luxemburguês João Felipe Bettendorf lançou a pedra fundamental de sua capela, como data de fundação da cidade. No entanto, ele próprio deu à missão um nome em homenagem à comunidade indígena que já existia lá: “Aldeia dos Tapajó”. Somente em 1758, o assentamento, cada vez maior, passou a se chamar Santarém, em homenagem à cidade portuguesa de mesmo nome.
Sentado no Laboratório de Arqueologia Curt Nimuendajú, no arborizado campus da Ufopa próximo ao terminal da Cargill, Moraes diz não entender por que Santarém praticamente não guarda memórias do passado.
“O norte do Brasil há muito tempo é considerado um tanto desconectado e separado do resto do país”, diz ele à Mongabay. “Talvez a ânsia de se modernizar e avançar faça parte de uma tentativa de pertencimento.
“Mas seja qual for o motivo, o fato é que a maior parte do passado da cidade está soterrada sob uma camada de concreto e asfalto”, acrescenta. “E à medida que a cidade ia se expandindo, ninguém nunca pensou em preservar um pouco do passado no traçado urbano – por exemplo, mantendo nomes antigos ou criando um parque arqueológico.”
O Centro Cultural João Fona, em Santarém, exibe um pequeno acervo de artefatos pré-coloniais, como machados de pedra, pontas de flecha, urnas funerárias e algumas réplicas da cerâmica pela qual a região se tornou famosa. No entanto, os exemplos mais requintados da chamada “cultura Santarém”, civilização amazônica que floresceu na região, são encontrados em outras partes do Brasil e no exterior.

A história fala por si
Em 1542, Francisco de Orellana foi o primeiro europeu a conhecer o povo Tapajó. Ao cruzar a foz do rio de mesmo nome, o conquistador espanhol e sua tripulação se depararam com uma flotilha de grandes canoas, cada uma com 20 a 30 guerreiros.
Orellana foi recebido com uma chuva de flechas, o que o levou a evitar os numerosos assentamentos que viu nas margens. Continuando sua jornada rio abaixo, ele se tornaria o primeiro europeu a navegar por toda a extensão do Rio Amazonas.
Os encontros posteriores com os recém-chegados europeus foram piores para os Tapajó e outros povos indígenas que viviam na região. Ao longo dos anos, guerras, doenças e invasões para a captura de pessoas a serem escravizadas causaram muitos danos.
Ainda assim, quando João Bettendorf chegou em 1661, o que ele chamou de Aldeia dos Tapajó ainda era uma comunidade de tamanho considerável. O padre escreveu em seu diário que foi recebido pelos chefes de cinco tribos, incluindo os Tapajó.
Entre eles, estava uma nobre chamada Maria Moacana, que servia como aconselhadora ou oráculo. Após alguma discussão, o frade foi autorizado a construir sua capela no Ocara-Açu.
“Como em comunidades indígenas de outras partes do Brasil, o Ocara-Açu era um grande espaço aberto no centro do assentamento”, diz Moraes. “Era usado para atividades como cerimônias, festividades e funerais. Parte do largo era um cemitério para a elite local.”

Com o tempo, os líderes cristãos passaram a reprimir cada vez mais o que consideravam práticas pagãs. Destruíram cemitérios e proibiram rituais de sepultamento. Acredita-se que a emblemática Catedral de Nossa Senhora da Conceição, em Santarém, tenha sido construída sobre um antigo cemitério.
Em 1662, Mauricio de Heriarte publicou um relato de sua jornada pela Amazônia, que inclui um capítulo dedicado à “província dos Tapajó”, proporcionando mais informações de como era a vida naquela época.
Segundo Heriarte, a província era densamente povoada pelos Tapajó e por vários outros povos indígenas, sendo dominada por um grande assentamento na foz do rio: a Aldeia dos Tapajó. Ele os descreve como um povo que vivia em ranchos de 20 a 30 famílias, liderados por um cacique supervisionado por outro cacique, de posição superior. Colhiam frutas e cultivavam milho e mandioca. “São extremamente bárbaros e mal inclinados”, escreveu.
Há muito tempo, esses relatos históricos vêm sendo ignorados ou desconsiderados como fantasias medievais, principalmente quando se firmou a noção de determinismo ambiental do século 20. Isso consolidou o dogma de que a Bacia Amazônica sempre foi escassamente povoada, já que a floresta tropical era considerada muito agreste e infértil para sustentar uma cultura humana complexa.
A partir da década de 1970, antropólogos e arqueólogos foram invertendo cada vez mais essa teoria preponderante, mostrando que a presença humana na Amazônia é muito mais antiga e muito mais dominante do que se pensava. No início da década de 1990, Anna Roosevelt encontrou restos de ferramentas de pedra, carvão, alimentos e materiais de pintura perto de Monte Alegre, a 120 quilômetros de Santarém. Os itens datavam de aproximadamente 11 mil anos atrás.
Descobertas como essas contradiziam diretamente a teoria predominante do determinismo, que postulava que os primeiros humanos haviam chegado às Américas cerca de 11 mil anos antes, migrando gradualmente para o sul a partir do Alasca, e que sua presença na Bacia Amazônica se dera apenas nos últimos 2 mil anos. As evidências apresentadas por Roosevelt demonstraram que, muito antes disso, os humanos já caçavam, coletavam e faziam pinturas rupestres complexas no coração da Amazônia.
A sudeste de Santarém, nas nascentes de outro grande afluente do Amazonas, o Rio Xingu, o antropólogo estadunidense Michael Heckenberger revelou um complexo de “cidades-jardim”, uma elaborada rede de cidades e aldeias interconectadas que pode ter abrigado até 50 mil pessoas. Mais recentemente, usando a tecnologia Lidar de sensoriamento remoto a laser, pesquisadores revelaram um imenso complexo urbano composto por mais de 6 mil plataformas de terra no Vale do Upano, na Amazônia equatoriana.
Esses achados estabeleceram o grande valor cultural da Amazônia, e não apenas sua importância natural. Liderado pelo arqueólogo brasileiro Eduardo Neves, um grupo de cientistas defende a designação de sítios arqueológicos como monumentos culturais, não apenas como joias ambientais. Esse status daria a esses sítios uma nova camada de proteção legal dentro da floresta. Neves afirma que até 10 milhões de pessoas podem ter vivido na Amazônia antes da conquista europeia, e isso teve muita relação com a agricultura na região, “um centro de diversidade agrobiológica”.
A iniciativa busca preservar esses sítios e garantir que as comunidades locais possam continuar habitando a região. Neves compara a importância cultural desses sítios à das pirâmides do Egito e do México, afirmando que eles merecem níveis semelhantes de reconhecimento e proteção por sua importância arqueológica.
Muitas dessas descobertas foram feitas com a tecnologia Lidar, na qual se disparam feixes de laser a partir de aeronaves ou mesmo satélites para penetrar na vegetação densa e dar uma ideia das estruturas escondidas embaixo. Grande parte da superfície de Santarém, no entanto, foi coberta por concreto, e as escavações são o principal método para descobrir o passado da cidade.

Uma visão diferente
A selva de concreto de Santarém pode não despertar o mesmo nível de imaginação que as “civilizações perdidas e encontradas” na floresta tropical. No entanto, assim como as cidades-jardim do Xingu e a cultura do Vale do Upano, a cidade teve um papel fundamental na reescrita da história amazônica, que começou já no final do século 19, mas foi ignorada por muito tempo.
Na década de 1870, o naturalista estadunidense Herbert Smith e o geólogo canadense Charles Hartt notaram a presença avassaladora de terra preta na região de Santarém. Por milhares de anos, os povos indígenas produziram um tipo de solo escuro e muito fértil, adicionando elementos como carvão vegetal, matéria orgânica, esterco e cerâmica para plantar árvores e cultivos.
O primeiro a escavar em Santarém e arredores foi o antropólogo alemão Curt Nimuendajú, que deu nome ao centro arqueológico da Ufopa.
Nimuendajú nasceu na Alemanha, em 1883, como Curt Unckel. Viajou para o Brasil aos 20 anos e, a partir de então, dedicou o resto da vida à arqueologia e à antropologia. O nome Nimuendajú lhe foi dado por um grupo Guarani com o qual viveu por dois anos, e significa “aquele que fez para si um lar”. Ao obter a cidadania brasileira, ele o adotou como sobrenome.
O interesse de Nimuendajú na região do Tapajós foi despertado quando um padre alemão lhe contou que as crianças de Santarém brincavam com peças de cerâmica muito antigas que podiam ser encontradas por toda parte.

A partir de 1922, Nimuendajú liderou inúmeras escavações na cidade e arredores. Seu trabalho resultou no inovador manuscrito de 1939, Os Tapajó.
“De 1923 a 1926 eu determinei 65 moradas antigas de índios em Santarém, todas da cultura Tapajó”, escreveu ele. “Contudo acredito que esse número não represente ainda a metade sequer das jazidas daquela cultura existentes na região.”
Os assentamentos Tapajó que Nimuendajú encontrou foram todos construídos em terrenos mais altos para protegê-los contra inundações. Cada topo de morro pesquisado por ele tinha uma camada de terra preta de até 1,5 metro de espessura. Ele também mencionou uma rede de estradas “que correm, quase em linha reta, de uma terra preta a outra”.
Sobre o centro da cidade de Santarém, ele escreveu: “Considerando que há 200 anos pedestres, animais e veículos diariamente esmagam o que na superfície aparece, é admirável que se encontre ainda material relativamente bom”.
Nimuendajú desenterrou muitas das cerâmicas pelas quais Santarém se tornou conhecida. Hoje, esses fragmentos são encontrados em museus de Gotemburgo, Leipzig e Los Angeles, bem como no Emílio Goeldi, na capital Belém.
O Museu Nacional do Rio de Janeiro também já abrigou uma coleção de vasos, estatuetas e muiraquitãs (amuletos), mas eles foram perdidos no devastador incêndio de 2018 e hoje existem apenas imagens digitais.

Mais de 200 sítios arqueológicos
Muitos arqueólogos, tanto brasileiros quanto estrangeiros, seguiram os passos de Nimuendajú, transformando Santarém e seus arredores em uma das regiões mais pesquisadas e mais bem documentadas da Bacia Amazônica.
“Existem mais de 200 sítios arqueológicos conhecidos em Santarém e arredores”, diz Moraes, professor de arqueologia da Ufopa “Os objetos mais antigos encontrados datam de cerca de 3 mil anos atrás, mas temos fortes razões para acreditar que a presença humana seja muito mais antiga.”
Em primeiro lugar, há a localização privilegiada de Santarém. A cidade fica na confluência dos rios Tapajós, de águas claras, e Amazonas, de águas barrentas, enquanto um pouco mais ao norte se encontram as águas do Trombetas e do Nhamundá, que proporcionam pescarias ricas e extensas planícies de inundação.
Além disso, a floresta tropical fornece madeira, frutas, castanhas e caça abundante, enquanto a região é rica em materiais como areia e pedra, esta última nem sempre presente na Amazônia.
Em segundo lugar, objetos encontrados no sambaqui de Taperinha, cerca de 90 km ao sul de Santarém, e nas cavernas de Monte Alegre, escavadas pela primeira vez por Anna Roosevelt, datam de 9 mil e 11 mil anos atrás, respectivamente.

“Havia um sambaqui semelhante ao de Taperinha no litoral de Santarém, mas foi usado para construir casas antes que os arqueólogos pudessem fazer qualquer pesquisa”, diz Moraes.
Hoje, os principais sítios arqueológicos dentro da área de Santarém são Aldeia, localizado no centro da cidade, e Porto, próximo ao terminal da Cargill.
“Eles foram divididos em dois porque havia um pequeno riacho que os separava”, diz Moraes. “No entanto, hoje acreditamos que costumava ser um grande assentamento com cerca de 3 quilômetros de extensão. Era o núcleo de um mosaico regional de assentamentos, campos e florestas.”
Segundo o arqueólogo, “era predominantemente residencial, com uma grande praça aberta, como Ocara-Açu, casas e um cemitério próximo. Nós encontramos muitos objetos do cotidiano, muitas joias e milhares de ferramentas para fazer joias”.

Enquanto Aldeia está soterrado debaixo de igrejas e séculos de expansão urbana no coração de Santarém, grande parte do sítio Porto foi destruída pela construção do terminal de soja da Cargill.
“Eu vi o sítio Porto pela primeira vez em 1980 ou 1981”, contou Roosevelt à Mongabay. “Eu caminhei sobre ele e observei que toda a superfície estava coberta de terra preta, repleta de artefatos arqueológicos.”
Segundo Roosevelt, as descobertas foram desconsideradas pelas empresas que administram o porto, após uma pesquisa de escopo muito limitado, que não atendia aos padrões científicos. “Em 2009, nosso acompanhamento constatou que toda a área continha artefatos, características e construções arqueológicas intactas”, diz ela. “O sítio que foi destruído para abrigar a Cargill continha quase toda a sequência da pré-história amazônica.”
A Mongabay entrou em contato com a Cargill, que negou as alegações. “O levantamento arqueológico realizado pela empresa, assim como todo o processo de licenciamento do terminal da Cargill, seguiu rigorosamente as orientações do órgão ambiental licenciador estadual na época”, afirmou a empresa por e-mail. “Esse levantamento constatou não haver fragmentos com relevância histórica no local, recomendando a autorização para a construção do porto” (leia a resposta completa).

Quase tão grande como o Rio
Para imaginar como era o assentamento dos Tapajós antes de se tornar Santarém, precisamos abandonar o típico modelo europeu de urbanismo: uma aldeia ou cidade cercadas por pastagens para o gado e campos para o cultivo de hortaliças e grãos.
Se há algo que a arqueologia da Amazônia demonstra é que as fronteiras pré-coloniais entre aldeia e cidade, natureza e cultura, eram muito mais fluidas.
“A região era caracterizada por um urbanismo radicalmente diferente”, disse à Mongabay, por telefone, Márcio Amaral, arqueólogo do Instituto Mamirauá, no vizinho estado do Amazonas. Segundo ele, até mesmo a expressão “Aldeia dos Tapajó” é enganosa, pois não era apenas uma “aldeia”.
“Ocara-Açu provavelmente abrigava de 3 mil a 5 mil pessoas antes da conquista europeia”, diz Amaral. Como comparação, ele cita o Rio de Janeiro, habitado por cerca de 7 mil pessoas em 1660, a maioria indígenas. Isso tornava a “aldeia” dos Tapajó quase tão grande quanto a cidade do Rio de Janeiro.
“Eu trabalhei em escavações do outro lado do Rio Tapajós, e nós encontramos vestígios de um assentamento tão grande quanto Ocara-Açu”, contou Amaral. “É importante entender que Ocara-Açu não existia por conta própria. Era o núcleo de uma rede de assentamentos, campos e florestas interconectados. Eu acredito que a região possa ter abrigado até cerca de 60 mil pessoas na época.”
“O pensamento ocidental sobre a Amazônia está cheio de visões pejorativas”, acrescenta. “Isso inclui a ciência. Como é possível que o termo oficial para a famosa cerâmica indígena da região ainda seja ‘cultura Santarém’, quando a cidade só recebeu esse nome no século 17?”

Questão de identidade
O passado não está apenas ausente da paisagem urbana atual de Santarém. Segundo o antropólogo Florêncio Vaz, há muito tempo, os povos indígenas que viviam dentro e ao redor da cidade também são “invisíveis”, considerados resquícios do passado.
Nascido em 1964 na aldeia de Pinhel, na margem esquerda do Rio Tapajós, Vaz pertence ao povo Maytapu e é fundador do Grupo de Consciência Indígena (GCI). Na Ufopa, ele leciona Cultura e Identidade Indígena.
“Desde o final da década de 1990, tem havido um redespertar indígena gradual”, contou ele à Mongabay. “As comunidades começaram a se organizar étnica, cultural e politicamente, e cada vez mais vêm fazendo sentir sua presença.”

Vaz afirma que cada vez mais pessoas estão buscando suas raízes ancestrais. No censo de 2022, 16.955 habitantes de Santarém se declararam indígenas. Isso representa menos de 5% da população da cidade, mas é o maior número desde o início do censo.
Na região em torno da cidade, a proporção era ainda maior; na vizinha Belterra, quase 10% da população se identificou como indígena, enquanto em Aveiro foram mais de 17%.
“Devido a quase 400 anos de colonização, que proibiu a religião, os rituais, a língua e partes da cultura, a maioria dos indígenas hoje é cristã e fala português”, diz Vaz. “Mas tem havido uma reinvenção da cultura indígena. Por exemplo, dançar, cantar e beber continuam tendo um papel importante nos feriados cristãos.”
Embora as pessoas estejam cada vez mais conscientes de que o passado indígena quase não está presente na Santarém de hoje, Vaz afirma que o reconhecimento cultural não é a principal luta do movimento indígena no momento. “Demarcação, educação e saúde são as prioridades”, diz.

Ainda assim, quando a prefeitura de Santarém, em janeiro de 2022, decidiu construir um camelódromo na Praça Rodrigues dos Santos, a população indígena protestou, com o apoio da comunidade acadêmica e de inúmeros simpatizantes locais. Eles estavam determinados a não ver a praça destruída.
Vaz ajudou a produzir um vídeo no qual moradores da cidade, indígenas e não indígenas, compartilharam memórias e explicaram o que a praça representava para eles, tanto pessoal quanto culturalmente.
Logo após a derrubada das primeiras árvores na praça, a prefeitura, que não havia consultado a população sobre seus planos, teve que interromper o projeto. Após séculos de destruição, mudar o coração histórico da cidade provou ser um passo maior que as pernas para os poderosos de Santarém.
Para alguns, isso deu origem a uma possibilidade tentadora: talvez o próximo passo para honrar o passado de Santarém seja, um dia, mudar o nome da praça no centro da cidade para “Ocara-Açu”.
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Imagem do banner: Vista a partir do mercado do peixe de Santarém: navio oceânico sendo carregado no terminal de soja da Cargill. Foto: Peter Speetjens.