A árvore que dá nome ao Brasil está à beira da extinção, mas segue alimentando um requintado comércio internacional de instrumentos musicais.
O governo brasileiro está reivindicando regras mais duras para o comércio de arcos de violino, em uma proposta que será discutida a partir de 24 de novembro no Uzbequistão.
As autoridades brasileiras querem que o mesmo controle exigido no Brasil seja aplicado no exterior, inibindo o contrabando do pau–brasil.
A árvore de madeira avermelhada e flores amarelas que dá nome ao Brasil está desaparecendo. Nativa da Mata Atlântica e exclusiva do território brasileiro, hoje a população do pau-brasil (Paubrasilia echinata) está restrita a cerca de 10 mil árvores espalhadas entre o litoral do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte; um declínio de 84% ao longo das últimas três gerações da planta. Os dados são do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), que em 2024 elevou a classificação de risco de extinção da espécie de “em perigo” para “criticamente em perigo”.
No período colonial, foi a cor vívida do pau-brasil que quase decretou seu fim, com mais de 500 mil árvores colocadas abaixo para atender à demanda europeia por corante vermelho para tecidos. A partir do século 19, a combinação ideal entre ressonância, durabilidade e flexibilidade da madeira colocaram a espécie na mira da indústria da música, que descobriu ser este o material perfeito para produzir arcos — a haste de madeira com crina de cavalo usada para tocar violinos e violoncelos.
“O pau-brasil realmente está em uma situação bem critica”, disse à Mongabay o analista ambiental do Ibama Felipe Bernardino Guimarães, referência nacional em identificação de madeira e autor de uma tese de mestrado sobre fraudes no comércio do pau-brasil.

Para tentar salvar este símbolo nacional, o Brasil propôs regras mais duras para o comércio da madeira e de seus subprodutos no âmbito da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens), um acordo internacional que estabelece regras para o comércio de plantas e animais silvestres.
Autoridades ambientais brasileiras querem a inclusão da espécie no Anexo I da convenção, específico para espécies ameaçadas de extinção. Segundo a proposta, que será avaliada na conferência que começa em 24 de novembro no Uzbequistão, a medida “reforçaria as restrições comerciais, com o objetivo de reduzir a pressão sobre as populações nativas remanescentes de Paubrasilia echinata“.
Este é o mais recente capítulo de uma novela que começou em 2007, quando o pau-brasil foi incluído no Anexo II da Cites, menos rígido que o Anexo I. A norma, que condiciona as exportações a uma licença especial emitida pelo Ibama, não foi capaz de interromper a extração ilegal da madeira.
O motivo é que as regras ficaram restritas à madeira em tora, serrada ou em varetas, como é chamado o cabo de madeira posteriormente transformado em arco pelos artesãos, conhecidos como archetiers. Os arcos prontos, no entanto, ficaram livres de controle.

“Na época, por uma pressão do setor musical, os arcos foram isentados”, explicou Guimarães. Para piorar, as autoridades brasileiras sequer sabiam o volume de arcos comercializado, já que o produto finalizado também não está sujeito ao controle pela emissão de Documento de Origem Florestal (DOF), restrito à madeira em si. “A gente viveu uma cegueira no controle. As empresas estavam comercializando arco a rodo e nunca se soube quanto se comercializou.”
O descontrole ficou claro em 2018, quando o Ibama e a Polícia Federal deflagraram a operação Dó-Ré-Mi. Os agentes descobriram que madeireiros estavam extraindo ilegalmente pau-brasil de áreas protegidas do sul da Bahia e vendendo para produtores de arcos no Espírito Santo, onde fica o pólo do setor no Brasil. Em outros casos, empresários usavam documentos de plantios comerciais de pau-brasil, cuja madeira é legalizada, para esquentar madeira nativa obtida ilegalmente. Cerca de 45 pessoas e empresas foram multadas, e o Ibama apreendeu mais de 290 mil arcos e varetas.
O escândalo evidenciou a necessidade de aumentar o controle sobre o setor, e, na reunião da Cites de 2022, o Brasil conseguiu que as regras passassem a valer também para o comércio de arcos. Mas outro problema veio a reboque: as restrições foram aplicada apenas para o país que exporta o produto. Uma vez que o arco chega no exterior, ele fica livre de controle. Como o Brasil é o único país com pau-brasil nativo, as regras só valem aqui.
“A indústria nacional ficou sob um rígido controle de arcos, mas a indústria estrangeira não”, disse Guimarães. Ele contou que a medida continuou estimulando o contrabando de pau-brasil para outros países, com flagrantes de passageiros tentando embarcar com malas cheias de varetas nos aeroportos do Galeão, Congonhas e Guarulhos. “Se estamos mandando vareta, é porque alguém lá fora está recebendo”, disse Guimarães.

Com a inclusão do pau-brasil no Anexo I da Cites, a expectativa é que todos os países signatários da convenção proíbam o comércio da madeira nativa e de seus subprodutos. A partir daí, estes materiais só poderão cruzar as fronteiras se for comprovado que a extração ocorreu antes da inclusão no acordo, ou que o material tem origem em plantios comerciais regularizados junto aos órgãos ambientais e registrados na Cites.
“A situação ideal é que os arcos passem a ser controlados no resto do mundo”, afirmou Guimarães. “E as autoridades vão ter que ter um crivo e um olhar bem severo com os estoques que estão sendo declarados no exterior.”
A proposta recebeu o apoio de 30 entidades e profissionais ligados ao mundo da música, que publicaram uma carta na qual “reconhecem que o comércio, na forma atual, é insustentável e pode inadvertidamente contribuir para o contrabando de madeira, ameaçando não apenas a espécie, mas também a integridade de sua própria arte.” O documento também pede a criação de um marco legal para simplificar a regulamentação dos plantios comerciais de pau-brasil.

Estudos estimam que cerca de 90% da madeira é jogada fora durante a produção dos arcos, já que qualquer fissura, nó ou desalinhamento entre as fibras inutiliza a madeira para o exigente mercado musical. Uma vez transformada em arco, uma vareta vendida a cerca de 50 reais no Brasil não sai por menos de 500 dólares no exterior, segundo Guimarães. Se a ferramenta for assinada por um archetier de renome, o valor pode chegar aos 10 mil dólares.
O uso de outros tipos de madeira na fabricação de arcos divide especialistas e músicos. “Substituir o pau-brasil comprometeria séculos de tradição sonora”, escreveu Daniel Neves, presidente da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), em artigo de opinião no jornal O Globo. De outro lado, há quem garanta que madeiras como ipê ou itaúba são tão boas quanto a espécie–símbolo do Brasil.
“Os músicos são parte desse problema”, afirma Guimarães. “A indústria precisa entender que tem outras opções e que, enquanto ela estiver usando vorazmente o pau-brasil, mais árvores vão estar sendo extraídas das áreas protegidas.”
Imagem do banner: Corte em tronco de pau-brasil. Foto: ferax on VisualHunt