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Relatório vincula JBS à destruição do habitat da onça-pintada

Onça-pintada (Panthera onca) em um rio do Parque Estadual Encontro das Águas, no Pantanal mato-grossense. Foto: Thomas Fuhrmann, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

  • A atividade agrícola nos estados do Pará e do Mato Grosso já destruiu 27 milhões de hectares do habitat da onça-pintada, o equivalente ao território do Reino Unido. Dessa área perdida, 5 milhões de hectares foram desmatados entre 2014 e 2023 — e de forma majoritariamente ilegal.

  • Um relatório da Global Witness vincula parte desse desmatamento a fornecedores indiretos da JBS, uma das maiores processadoras de carne do mundo. Segundo o documento, a empresa brasileira não cumpriu as promessas de eliminar a derrubada ilegal da floresta de sua cadeia de suprimentos até 2025.

  • O material destaca a fragilidade das leis ambientais e as tentativas de representantes do agronegócio de reverter políticas contra o desmatamento, enquanto o setor exerce influência política e econômica em nível nacional.

  • Conforme o Brasil conta os dias para receber a conferência climática (COP30) em Belém, no mês de novembro, ativistas pedem que o poder público e as corporações cumpram suas metas ambientais. Mais ainda, cobram melhorias na rastreabilidade da cadeia de suprimentos e que haja discussões sobre o crescente papel do agro nas emissões de gases poluentes.

Ao longo de décadas, a expansão agrícola em dois estados brasileiros desmatou uma área de vegetação nativa do tamanho do Reino Unido — e que serve de habitat para a onça-pintada (Panthera onca). Um outro detalhe assusta: quase um quinto dessa perda ambiental ocorreu apenas na última década, segundo um relatório da Global Witness.

De acordo com o documento publicado pelo grupo de defesa ambiental e dos direitos humanos, cerca de 27 milhões de hectares onde vivem as onças foram perdidos até 2023 em trechos de três biomas — Amazônia, Cerrado e Pantanal — nos estados do Pará e do Mato Grosso. Dessa região afetada, 5 milhões de hectares foram desmatados apenas no período entre 2014 e 2023 — e de forma majoritariamente ilegal. A análise revela que parte dessa perda está ligada a fazendas que, de forma indireta, fornecem cabeças de gado para a JBS, líder no ramo de processamento de carne em nível mundial.

Os dados trazidos pela entidade vêm à tona no momento em que diversos estados brasileiros atuam de forma contrária aos esforços de fiscalização ambiental. O cenário gera preocupação à medida que o país aperta os cintos para sediar a cúpula climática da ONU (COP30), em Belém, durante o mês de novembro.

As onças-pintadas precisam de grandes extensões de florestas intactas para viver e caçar. Como são espécies cruciais para o equilíbrio do meio ambiente, qualquer mudança no território que habitam pode afetar todo o ecossistema ao redor. O drama aumenta ao se considerar que a Amazônia, em meio a todos os riscos de destruição, continua sendo um importante reduto para o felino. O resultado é uma crise ambiental que mantém as onças na Lista Vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

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Pastagem de gado em terras desmatadas no Pará, um dos estados cujo território abriga as onças-pintadas. Foto: Global Witness.

“Queríamos mostrar que o desmatamento não é apenas uma enorme ameaça climática — uma vez que destrói as florestas das quais dependemos para todos os serviços ecossistêmicos. Buscamos demonstrar, também, o impacto que [a degradação da floresta] tem sobre espécies importantes e toda a biodiversidade”, diz Alexandria Reid, coordenadora do setor de Florestas da Global Witness.

Para calcular a degradação do habitat da onça-pintada, os pesquisadores analisaram dados históricos da Lista Vermelha da IUCN ao lado de estatísticas do MapBiomas sobre a mudança do uso da terra entre 2014 e 2023.

A análise detalha a situação do Mato Grosso e do Pará por um motivo relevante: os dois se destacam pela produção agrícola no Brasil — sozinho, o estado do Centro-Oeste lidera como produtor de grãos de soja e por contar com o maior rebanho bovino do país. Ao mesmo tempo, quando somados, os estados respondem por cerca de 60% do desmatamento registrado no território que une os nove estados da Amazônia Legal desde 1987, segundo o MapBiomas.

A Global Witness diz, ainda, que 89% dos 5 milhões de hectares desmatados entre 2014 e 2023 resultam de práticas feitas sem a devida autorização.

De forma paralela, a ONG internacional analisou a expansão das fronteiras agrícolas durante o mesmo período. As descobertas trazem novos alertas: apesar de já vir ocupando espaços vitais para as onças há décadas, o agronegócio aumentou o uso da terra para fins econômicos em 5 milhões de hectares nos nove anos observados.

Segundo Reid, ainda não é possível avaliar se essas novas áreas utilizadas pelo setor correspondem aos trechos desmatados, já que os pesquisadores não sobrepuseram os dados necessários para fazer a análise.

Uma cadeia de suprimentos problemática

mencionada em outros escândalos ambientais, a JBS, multinacional brasileira que ocupa o topo dos rankings globais da indústria de alimentos, é vinculada no relatório à crise que afeta as onças-pintadas.

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Em 2021, a empresa prometeu “desmatamento zero”, projetando a eliminação da derrubada ilegal de floresta de sua cadeia de suprimentos até 2025. No entanto, a Global Witness diz que essas metas seguem distantes. A imagem mostra o impacto da atividade agrícola no desmatamento em regiões do Pará e do Mato Grosso. Em vermelho claro: o habitat das onças. Em vermelho vivo: as áreas utilizadas pelo agronegócio. A legenda em inglês diz que “mais de 27 milhões de hectares de habitat da onça-pintada — uma área maior que o Reino Unido — foram transformados em pasto nos dois estados brasileiros”; a área equivale à do estado de São Paulo. Mapa: Global Witness.

Dados trazidos pela entidade mostraram que, entre 2013 e 2023, uma fazenda localizada no Mato Grosso — e identificada como fornecedora indireta da JBS — foi responsável pelo desmatamento de 1.200 hectares na Área de Proteção Ambiental (APA) Meandros do Rio Araguaia. Com quase 360 mil hectares de extensão, a APA abriga diversas espécies, incluindo as onças-pintadas. O território de conservação também abrange uma zona de divisa entre o Mato Grosso e os estados do Tocantins e Goiás, chamada pela ONG de “paraíso ecológico único para animais selvagens como onças, veados, pássaros, tartarugas e outras espécies.”

Durante o período esmiuçado no relatório, a fazenda ligada à gigante da carne foi multada várias vezes por desmatamento ilegal.

Mais ainda, ao considerar os registros do transporte de gado entre 2018 e 2023, o estudo constatou que 75% das fazendas identificadas como fornecedoras da JBS (também localizadas em áreas onde vivem as onças) violaram o Código Florestal Brasileiro. A norma federal exige que os proprietários rurais preservem uma parte das terras em seu estado natural, área conhecida como “reserva legal.” Em locais de floresta na Amazônia, a porção a ser conservada deve representar 80% de uma propriedade; no Cerrado, o número deve partir de 35%.

Consultada pela Mongabay, a JBS manteve a posição enviada previamente aos representantes da Global Witness. Em seu parecer, a empresa refuta as conclusões documentadas, dizendo que muitas das fazendas identificadas no relatório não estão em sua base de fornecedores e que os dados são limitados. A companhia acrescentou, ainda, que atua em conformidade com as leis e políticas ambientais brasileiras, reiterando o compromisso de buscar uma cadeia produtiva livre de desmatamento ilegal ainda este ano.

Onça-pintada boceja enquanto caminha por um campo aberto no Pantanal. Foto: Carlos Eduardo Fragoso/Greenpeace.

Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas, diz que o monitoramento adequado pode ajudar empresas a livrar seus processos de práticas nocivas ao meio ambiente. Ele cita o MapBiomas Alerta, sistema lançado em 2019 e que compila dados de diferentes plataformas de rastreamento e identificação da perda de biomas no Brasil.

“A tendência é que [o desmatamento ilegal] seja eliminado”, diz à Mongabay em uma entrevista feita em vídeo. “Quando se trata de fornecedores diretos, não há onde se esconder. O problema ocorre com fornecedores indiretos.”

COP30: uma oportunidade para novas ações de conservação

A coordenadora Reid e outros ambientalistas se dizem preocupados, à medida que empresas e governos abrem mão de seus compromissos ambientais.

No início de 2025, o diretor global de sustentabilidade da JBS, Jason Weller, reduziu os compromissos ambientais da companhia, dizendo que a meta de zerar emissões até 2040 está no radar — mas não como promessa.

Enquanto isso, uma investigação publicada em abril deste ano diz que os objetivos da gigante brasileira de erradicar o desmatamento ilegal até o final deste ano são improváveis.

No entanto, o problema vai além. Em todo o Brasil, integrantes do agronegócio pressionam para reverter a chamada Moratória da Soja, acordo ambiental adotado pela indústria há quase duas décadas para barrar o comércio da soja cultivada em terras desmatadas da Amazônia. Há casos ainda mais chamativos, como em Rondônia, onde autoridades aprovaram uma lei recente que anistia criadores de gado por irregularidades cometidas dentro de áreas protegidas.

Em novembro, é certo que o agro brasileiro se fará presente na COP30, repetindo o que se viu dos setores de petróleo e gás na COP28 de 2023, em Dubai. Isso ocorre pela notável influência econômica e política do ramo agroexportador em todas as esferas do Brasil — além da contribuição de sua atividade para as atuais crises ambientais. Em 2023, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a agropecuária brasileira foi responsável por 28% das emissões de gases poluidores do país; o número aumenta para 74% se forem somadas as emissões vindas da mudança de uso da terra — quase sempre um sinônimo para desmatamento. Além disso, o pressão do setor causou 97% da perda de floresta nativa nos últimos seis anos.

“Quando o desmatamento no Brasil estiver sob controle, o agro se tornará o setor que mais emite [gases poluentes], especialmente no ramo da pecuária”, diz Karen Silverwood-Cope, diretora de clima do World Resources Institute (WRI) Brasil. “Serão levantadas discussões importantes sobre ações para a agricultura e a pecuária [na COP30].”

Já Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que o agronegócio deve tratar seus compromissos ambientais com mais seriedade. “O setor está preocupado com o clima, o que é positivo, mas seria muito melhor se cumprissem seus compromissos [no campo ambiental].”

Ao se referir à implementação de um sistema de rastreabilidade do gado — algo fundamental para evitar que animais criados em terras desmatadas sejam integrados à cadeia de suprimentos —, Astrini diz que a conferência em Belém pode ter papel decisivo. “[Os representantes do agronegócio] vão enfrentar muita pressão na COP30.”

Especialistas também falam sobre possíveis soluções. Para a representante da Global Witness, o desmatamento “é um problema que pode ser resolvido, mas enfrenta estagnação e a falta de vontade política para que se cumpra o acordo global de erradicação de perda florestal até 2030″, diz Reid, mencionando o compromisso mundial firmado em 2021, na COP26 em Glasgow, na Escócia.

Para ela, o evento em Belém pode servir para os países apresentarem planos que caminhem rumo a um objetivo conjunto. “Que [as nações] realmente cumpram seus compromissos quando se trata de [reduzir a] perda de florestas.”

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Imagem do banner: Onça-pintada (Panthera onca) em um rio do Parque Estadual Encontro das Águas, no Pantanal mato-grossense. Foto: Thomas Fuhrmann, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

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