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Colheita da castanha-do-brasil despenca após seca extrema e preços disparam

Processamento de castanha-do-brasil no Mato Grosso. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

  • Comunidades amazônicas relataram cortes de até 80% nas colheitas de castanha-do-brasil; alguns territórios não coletaram uma única semente.

  • A castanheira, árvore que pode viver até 800 anos, é crucial para as economias e ecossistemas florestais, mas está cada vez mais vulnerável a eventos climáticos extremos como as secas históricas de 2023 e 2024.

  • Vendida no mundo inteiro, a castanha-do-brasil quadruplicou de preço; especialistas pedem que os compradores mantenham a semente nas suas linhas de produção e valorizem os atributos socioambientais do produto amazônico.

Todos os anos, comunidades da Amazônia aguardam ansiosamente a chegada da temporada de colheita da castanha-do-brasil, que normalmente começa em novembro e vai até março. A semente é a principal fonte de renda de muitas comunidades extrativistas, indígenas e ribeirinhas, que passam o resto do ano vivendo de pequenas roças.

“O dinheiro da castanha é usado para manter a familia, construir casas, comprar alimentação, calçado, roupa”, diz Elziane Ribeiro de Souza, da Reserva Extrativista Cajari, no Amapá. “Quando dá, usamos para comprar uma moto, um carro ou uma rabeta [pequeno motor de barco]. A gente sobrevive disso. A castanha é um produto sustentável da comunidade.”

Souza vive em Água Branca do Cajari, uma das 13 comunidades da reserva dedicadas à coleta de castanha-do-brasil. Este ano, no entanto, eles coletaram 70% menos do que o esperado. Os dados são do projeto NewCast, da Embrapa, que apoia quatro comunidades da Amazônia que trabalham na colheita de castanhas.

A escassez já levou a um forte aumento de preço. Em março de 2025, uma lata de 20 litros de castanhas estava custando R$ 220, quase quatro vezes mais do que a média.

“A safra aqui deu muito pouca, e a gente imagina que seja por causa do clima”, diz Souza. Outras partes da Amazônia também sofreram com as perdas, com algumas comunidades relatando quebras de 80% nas colheitas, de acordo com a Embrapa.

Na Terra Indígena Waiwái, em Roraima, a comunidade Anauá coletou 200 sacas de castanhas nesta temporada, uma pequena fração das 3.500 que haviam coletado no ano anterior. “Este ano a safra deu muito fraca”, disse à Mongabay o líder de Anauá, Levi José da Silva.

Em outros lugares, não havia nada para coletar, como na Terra Indígena Karipuna, em Rondônia. “Não colhemos uma amêndoa”, disse o líder Adriano Karipuna à Mongabay durante uma visita ao território. “Isso nunca aconteceu e a gente percebe que os impactos ambientais atingiram até a questão econômica. Essa era uma das subsistências financeiras dos Karipuna.”

Em 2024, uma seca extrema levou a uma das piores temporadas de incêndios na Amazônia. Foto: Jader Souza / Assembleia Legislativa do Estado de Roraima

Esta é a segunda vez que a colheita de castanha-do-brasil é tão duramente atingida. A primeira foi em 2017, quando a safra caiu 50%. Naquela época, os pesquisadores atribuíram o fenômeno ao El Niño, o aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial. O Brasil foi novamente atingido pelo El Niño em 2023 e 2024, levando a uma seca severa na Amazônia e uma das piores temporadas de incêndios da história da floresta.

“A floração da castanha é muito longa, e a frutificação também”, diz Patrícia da Costa, líder do projeto NewCast. “Se juntar os dois, leva mais de um ano. O fruto é muito grande e pesado, ele se desenvolve lentamente. Então os eventos de seca de um ano atrás vão ter impacto na safra agora.”

Uma celebridade amazônica

A castanheira (Bertholletia excelsa) é uma das árvores mais conhecidas da Amazônia, e também uma das mais longevas e altas. Há registros de espécimes vivendo até 800 anos, e já foram encontradas castanheiras de até 60 metros de altura.

No mercado global, sua semente é cobiçada ao lado de outros “superalimentos” como o açaí, conhecidos por seus benefícios para a saúde humana. A principal característica da castanha-do-brasil é sua alta concentração de selênio, um mineral que melhora a função imunológica, a regulação da tireoide e a defesa antioxidante.

O governo brasileiro há anos tem tentado aumentar a participação do país na oferta global de castanhas-do-brasil. Apesar do nome, apenas metade das vendas globais da semente crua vem do país. Quando se trata de castanhas processadas e sem casca, a participação no mercado internacional cai para 10%, já que a maior parte do produto brasileiro é processada no exterior.

A castanheira é uma espécie protegida no Brasil, mas é comum enxergar árvores mortas apodrecendo em áreas de desmate recente. De acordo com o Museu Paraense Emílio Goeldi, centro pioneiro de pesquisa científica na Amazônia, o apoio do governo brasileiro à pecuária desde os anos 1960 levou à destruição de muitas castanheiras, especialmente no chamado polígono das castanheiras, no município de Marabá, no Pará, área com grande concentração de árvores da espécie.

“Apesar de muito resistente, a árvore não suporta o manejo por fogo em um período consecutivo de três anos, técnica empregada para abertura das pastagens”, afirma o museu em seu site. “O polígono deu origem ao cemitério de castanheiras.”

Com eventos climáticos extremos representando uma nova ameaça à espécie, pesquisadores e comunidades estão correndo para minimizar os impactos na produção de castanhas. “É urgente promover a renovação dos castanhais”, diz Marcelino Guedes, pesquisador da Embrapa que trabalha com as comunidades da Resex Cajari. “Porque, assim como a gente, as castanheiras mais jovens são mais resistentes e sentem menos [as mudanças no clima]”, ele explica, acrescentando que as árvores levam cerca de oito anos para começar a produzir castanhas.

Transporte de castanha recém colhida pelos Waiwái. Foto: Rogério Assis/ISA

Uma alternativa é plantar novas árvores em áreas de roça abandonadas, onde elas tendem a crescer mais facilmente. “Nessas áreas, há mais castanheiras jovens do que na floresta”, diz Costa. “Isso ocorre porque as castanheiras precisam de luz solar para crescer, e porque as cutias, que dispersam as castanhas, gostam desses ambientes e levam as sementes para as áreas de lavoura abandonadas”, ela explica, referindo-se a um tipo de roedor que se alimenta de frutas e sementes.

A poda dos cipós que envolvem as árvores também pode melhorar a produção de castanhas em até 30%, de acordo com a Embrapa. A organização também está ensinando as comunidades a cultivar mudas de castanheiras em estufas, e trabalha em um programa de melhoramento genético para selecionar variedades da espécie mais resistentes às mudanças climáticas.

Oscilações de preço podem afetar comunidades

A cadeia de fornecimento da castanha-do-brasil depende exclusivamente das comunidades da floresta, que dedicam até dois meses do ano para coletar as sementes mata adentro. De acordo com o Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA), uma rede da sociedade civil que apoia os produtores de castanha, o comércio do produto emprega mais de 60 mil pessoas de comunidades tradicionais e envolve pelo menos 127 associações comunitárias e 60 empresas de processamento e comercialização.

A maioria das comunidades vende as castanhas para intermediários, que por sua vez abastecem as agroindústrias que cozinham, descascam e secam as castanhas antes de vendê-las a distribuidoras e supermercados. Outras vezes, as castanhas são exportadas in natura antes de serem processadas.

As comunidades indígenas e extrativistas da Amazônia recebem a menor parcela da receita dessa cadeia produtiva — apenas 4%, de acordo com dados de 2020 do OCA. Enquanto isso, as empresas de processamento ficam com 12% e as empresas atacadistas e varejistas ficam com 84%. Durante a safra de 2020, o OCA descobriu que os coletores receberam uma média de R$ 5,05 por quilo de castanha. O preço do produto final nos supermercados, no entanto, era de R$ 169,90 — 30 vezes mais alto.

Algumas comunidades, como o povo Waiwái em Roraima, estão tentando eliminar os intermediários e vender as castanhas diretamente para empresas de alimentos. “Quando a gente não conhecia a empresa, a gente ficava junto com os atravessadores mesmo”, diz o líder Waiwái Levi José da Silva. “Agora que a gente tem a associação, a gente vende para as empresas como o Mutran e Wickbold. Daí o preço melhora um pouco.”

Outros querem criar suas próprias agroindústrias para vender o produto a um preço mais alto. “A gente ainda está lutando para conseguir uma agroindústria para beneficiar a castanha e os produtos da castanha”, diz Souza, da Resex Cajari. Atualmente, a comunidade vende parte do produto para intermediários e o restante para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que o distribui para escolas públicas e centros de assistência social.

A castanheira, como esta na Reserva Extrativista Cajari, no Amapá, é uma das árvores mais longevas e altas da Amazônia. Foto: Lívia Marques/Governo do estado do Amapá

As longas distâncias e as estradas precárias da Amazônia são alguns dos principais desafios para a instalação de unidades de processamento nesses territórios, diz Guedes, da Embrapa. “A maioria das comunidades da Amazônia ainda vive numa precariedade imensa em relação a essas carências básicas de infraestrutura”, diz ele. “Falta energia regular e saneamento básico.”

As pesadas perdas em 2025 levantam preocupações sobre a desestabilização do preço da castanha e o temor de que se repita o cenário da última quebra de safra, em 2017. Naquele ano, a queda acentuada na oferta do produto fez os preços triplicarem.

A resposta do mercado foi parar de comprar o produto. A castanha-do-brasil é vendida como parte de uma “cesta de nuts”, um termo do inglês que inclui diversos tipos de sementes como amêndoas, avelãs, castanhas-de-caju e pistache. Se qualquer um desses produtos se torna escasso ou caro, ele é removido ou substituído por outro.

No entanto, as quebras de safra são comumente seguidas por uma supercolheita, já que as árvores tendem a compensar períodos de baixa produção com maior frutificação nos anos seguintes. Em 2018, as comunidades tinham muita castanha-do-brasil para oferecer, mas poucos compradores, e os preços caíram quase 60% abaixo da média.

“Os agroextrativistas, que já haviam sofrido no ano anterior porque tinham muito pouco produto, no ano seguinte tiveram uma excelente safra mas não tinham para quem vender, ou tiveram que vender muito barato”, diz Costa, do projeto NewCast da Embrapa. “Estimamos que levou pelo menos três anos para o valor da lata voltar ao patamar anterior aos eventos climáticos.”

Para evitar um novo efeito rebote, a Embrapa publicou uma nota técnica endereçada às empresas de alimentos, esclarecendo que a quebra de safra é temporária e pedindo que elas mantenham as castanhas em suas linhas de produção. Pesquisadores e extrativistas também dizem que a indústria deveria diferenciar as castanhas-do-brasil dos outros produtos da cesta de nuts.

“A castanha da Amazônia é a única nut que protege milhares de hectares de floresta amazônica, que está associada à sua biodiversidade, que ajuda a conservar línguas”, diz Costa. “A gente está tentando mostrar isso para o mercado, para valorizar o produto”.

Castanha é modelo de exploração sustentável da Amazônia, mas mercado sofre com instabilidade

Imagem do banner: Processamento de castanha-do-brasil no Mato Grosso. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

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