Nesta seção, Killeen disseca o impacto do crime organizado entre os altos escalões do poder, empresas privadas e partidos políticos no Brasil, Peru e Equador, onde o caso Lava Jato abalou os governos.
Although 292 were arrested and 278 people were convicted of fraud, bribery and money laundering, the losses were in the millions for both the state-owned Petrobras and the 13 companies involved in the scheme.
In addition to the investigation carried out in the United States, because Petrobras shares were listed on the NY Stock Exchange, in Peru and Ecuador it was revealed how Odebrecht’s infrastructure investments were not evaluated and their environmental and social impacts persist to this day.
O maior e mais infame escândalo de corrupção da última década começou com uma investigação criminal sobre as operações da maior empresa do Brasil: Petrobras. O escândalo recebeu esse nome porque os organizadores do esquema de suborno, propina e lavagem de dinheiro usaram uma empresa de serviços financeiros em Brasília localizada ao lado de um posto de gasolina e de um lava-rápido. A investigação começou em 2009 com uma denúncia aparentemente sem importância feita ao Ministério Público Federal em Curitiba, Paraná, por um empresário preocupado com o fato de que alguém estava usando sua empresa para lavar dinheiro. Os promotores seguiram essa pista e descobriram que operadores políticos afiliados ao governo estavam canalizando contribuições ilegais de campanha, provenientes de empresas que faziam negócios com a Petrobras, em troca de tratamento favorável em contratos de construção e na aquisição de bens e serviços.
O escândalo explodiu no cenário nacional em 2014, quando uma equipe de promotores federais altamente motivados montou uma investigação agressiva sob a supervisão de um juiz com experiência em casos de corrupção pública (Sergio Moro). Diferentemente da maioria dos escândalos de corrupção, que normalmente levam a investigações prolongadas e resultados legais inconsequentes, esse escândalo desencadeou uma avalanche de informações que desestabilizou os governos do Brasil, Peru e Equador.
Inicialmente, as acusações se concentravam na construção de uma refinaria de petróleo em Pernambuco, mas a investigação logo revelou que o esquema se estendia a outros projetos e a todas as grandes empresas de construção do Brasil. Como era de se esperar, os destinatários dos subornos eram funcionários de alto nível do governo, incluindo tanto aliados quanto opositores das coalizões de governo do Presidente Lula da Silva e de sua sucessora Dilma Rousseff. As evidências extraídas dos acordos de delação negociados pelos promotores não tinham precedentes e, como as ações da Petrobras são negociadas na Bolsa de Valores de Nova York, as acusações desencadearam investigações por parte de autoridades regulatórias e judiciais nos Estados Unidos. Por fim, o depoimento juramentado de executivos que cooperaram em troca de leniência forçou o Supremo Tribunal Federal (STF) a acelerar o julgamento de autoridades eleitas influentes, incluindo governadores, membros do Congresso e, por fim, um presidente em exercício (Michel Temer).

A investigação criminal demonstrou como os subornos distorceram as decisões de investimento por parte dos funcionários públicos. Segundo consta, as empresas pagaram entre um e três por cento do valor bruto dos contratos de centenas, talvez milhares, de projetos de construção superfaturados. As propinas eram lavadas por meio de contas bancárias nacionais e offshore, o que permitia que as empresas camuflassem os subornos como honorários pagos a escritórios de advocacia e empresas de consultoria, ou como aquisição de bens e serviços (superfaturados).
Os diretores da Petrobras se beneficiaram em troca de sua disposição em manipular os termos de um processo de licitação pública para favorecer uma empresa específica, enquanto as empresas conspiraram para dividir os contratos lucrativos entre si. Os políticos eram recompensados por seus votos no Congresso, enquanto os funcionários de alto nível dos ministérios estaduais e das agências reguladoras eram recompensados por sua lealdade a um partido político. A força-tarefa finalmente prendeu 292 indivíduos, dos quais 278 se declararam culpados ou foram condenados por crimes que incluíam fraude, suborno e lavagem de dinheiro. Indivíduos proeminentes de cinco dos maiores partidos políticos do país foram considerados culpados por um tribunal, enquanto membros de outros treze partidos foram indiciados por atividades ilegais e representantes de outros quinze partidos foram investigados por comportamento questionável.
O ônus para a Petrobras foi refletido em seu balanço patrimonial de 2014, quando registrou uma baixa de US$ 2 bilhões para compensar as propinas pagas às empresas que participaram do esquema de fraude em licitações. A investigação nos Estados Unidos levou a um acordo em 2018, no qual a Petrobras concordou em pagar multas cobradas pelo Departamento de Justiça (DOJ) e pela Comissão de Valores Mobiliários (SEC) de US$ 853 milhões, dos quais ~80% foram devolvidos ao estado brasileiro. Pouco tempo depois, a uma ação civil coletiva movida em nome dos investidores, a empresa pagou um adicional de US$ 2,6 bilhões. Uma investigação criminal conduzida pelo DOJ em Manhattan levou à prisão e à condenação do CEO da Odebrecht, a maior empresa de construção do Brasil e, na época, a segunda maior empresa privada do país.

O cerne do escândalo foi um acordo secreto entre treze empresas de construção, conhecido como Cartel de Empreiteiros, que concordaram em não competir em contratos individuais da Petrobras. A conspiração para fraudar o governo foi muito além das transações comerciais do cartel com a Petrobras e infectou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um programa nacional para melhorar a infraestrutura básica e estimular a economia nacional por meio de projetos de obras públicas. Entre 2007 e 2015, o programa alocou ~R$ 2,1 trilhões (~US$ 500 bilhões) para projetos em todo o país. Considerando o costume de pagar uma propina entre um e três por cento, a propina associada ao PAC poderia chegar a um valor entre US$ 5 bilhões e US$ 15 bilhões. No entanto, se essas práticas levassem a um superfaturamento, o custo total para a nação provavelmente ultrapassaria US$ 50 bilhões.
Os impactos do esquema da Lava Jato ainda estão repercutindo na economia brasileira. Os recursos do governo foram desperdiçados em despesas não produtivas, mas o escândalo também atrasou o investimento estratégico em vários setores importantes. De acordo com um estudo realizado por um instituto de políticas ligado a sindicatos de trabalhadores, o escândalo da Lava Jato reduziu os investimentos levando a uma perda líquida de aproximadamente 4,4 milhões de empregos e a uma redução de R$ 172 bilhões (US$ 34 bilhões) nos investimentos em produção de energia e construção. Um ativista ambiental pode não lamentar a perda desses tipos de investimentos, mas a Fundação Getúlio Vargas estimou que houve uma redução do PIB nacional de cerca de 3,5% ao ano entre 2014 e 2017 (US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões por ano). Essa é uma estimativa conservadora, no entanto, porque as perdas se acumulam ao longo do tempo e causam danos permanentes à sociedade brasileira.
Indiscutivelmente, o escândalo da Lavo Jato e a desilusão com a elite política prepararam o terreno para a eleição de Jair Bolsonaro, cujas ações ameaçaram as instituições democráticas e levaram a um retrocesso das regulamentações ambientais fundamentais para a conservação da Amazônia e o bem-estar das comunidades indígenas. Nas eleições de 2022, Bolsonaro foi derrotado por uma pequena margem por Inácio Lula da Silva; no entanto, Lula deve agora governar um país onde uma parcela significativa da população o vê como um político corrupto que está livre graças a uma decisão duvidosa da Suprema Corte.
Lava Jato na Amazônia Legal
Esse escândalo impactou a Pan-Amazônia de várias maneiras, principalmente na construção de vários projetos de infraestrutura executados pelo PAC e financiados pela Sudam.
Muitos desses investimentos foram controversos porque seus impactos ambientais e sociais não foram submetidos à devida diligência, uma vez que o processo de tomada de decisão foi contaminado por conflitos de interesse, incluindo:
- Gasoduto Urucu – Coari – Manaus: Um consórcio de construção composto pela Camargo Correa, OAS e Andrade-Gutiérrez admitiu ter pago propinas de R$ 15 milhões em contratos totais de aproximadamente R$ 1,5 bilhão. O valor total da fraude pode ser maior, no entanto, porque em 2007 um engenheiro petroleiro da Petrobras, já falecido, denunciou um superfaturamento equivalente a cinquenta por cento do orçamento total de R$ 2,5 bilhões, que em 2014 havia aumentado para mais de R$ 4,5 bilhões.
- Complexo hidrelétrico do Rio Madeira: as duas represas foram construídas e operadas por dois consórcios separados. A Hidrelétrica Santo Antônio (operada por Santo Antônio Energia) foi construída em grande parte pela Odebrecht, que admitiu ter pagado propinas a políticos que apoiaram o projeto.. A Usina Hidrelétrica Jirau (Energia Sustentável do Brasil) foi construída pela Tractebel, uma empresa francesa que não foi implicada diretamente no escândalo da Lava Jato. No entanto, o valor justo do contrato foi questionado após a revelação de contribuições de campanha de aproximadamente R$ 1,8 milhão feitas pela Tractebel para a campanha de reeleição de Dilma em 2014.
- Usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu: Andrade Gutiérrez, Camargo Corrêa e Odebrecht se declararam culpadas de propinas de R$ 150 milhões em um contrato de R$ 2,6 bilhões. Os pagamentos foram canalizados para os senadores Renan Calheiros (PMDB), Edison Lobão (PMDB), Valdir Raupp (PMDB), Romero Jucá (PMDB), Jader Barbalho (PMDB) e Delcídio do Amaral (PT). As acusações contra todos os cinco réus foram rejeitadas em 2023 após uma decisão do Tribunal Supremo Federal de que os promotores haviam agido de forma inadequada durante a fase de investigação do processo.
- Rodovias da Amazônia: A rodovia Cuiabá – Santarém (BR-163) foi pavimentada a um custo de ~R$ 2 trilhões (US$ 400 milhões); a melhoria contínua da Transamazônica (BR-230) foi orçada em ~R$ 1,3 trilhão (US$ 260 milhões); a BR-364 no Acre recebeu R$ 1,1 trilhão (US$ 230 milhões), e a pavimentação contínua da BR-319 entre Humaitá e Manaus recebeu ~R$ 466 milhões (US$ 95 milhões).
A Lava Jato na Amazônia Andina
No Brasil, os investimentos em infraestrutura ocorreram simultaneamente a um similar boom de construções no Peru e foram financiados por bancos multilaterais de investimento por meio da Iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana (IIRSA) . Esses investimentos em infraestrutura básica foram construídos por cinco membros do cartel brasileiro (Odebrecht, Andrade-Gutiérrez, Camargo-Corrêa, OAS, Queiroz Galvão) e pela maior empresa de construção nacional do Peru (Graña & Montero).
A Odebrecht foi a mais ativa e participou de vários projetos de alto nível, não apenas como empreiteira, mas também como investidora e concessionária. Esses investimentos foram feitos usando o modelo de parceria público-privada promovido pelo BID, em que o parceiro corporativo obtém o capital financeiro para a construção em contrapartida a contratos de gerenciamento de longo prazo. As empresas cumpriram suas obrigações de investimento com empréstimos; no entanto, devido a uma peculiaridade dos mercados de títulos internacionais, os títulos foram classificados como dívida soberana. Os custos excedentes afetaram todos os projetos, e pelo menos um foi cancelado, o que acumulou bilhões de dólares em dívidas no balanço patrimonial soberano do país.
O governo peruano estima que a Odebrecht tenha superfaturado pelo menos US$ 283 milhões em contratos entre 1998 e 2015; no entanto, fontes independentes estimam esse número em ~US$ 1,3 bilhão – aproximadamente nove por cento da dívida associada a vários projetos no valor de US$ 17 bilhões. O escândalo coloca em dúvida diversos contratos ao longo de várias décadas, entre eles projetos de infraestrutura de alto nível na Amazônia peruana, incluindo:
- Corredor Interoceánico Sur. Construído entre 2005 e 2008, com aproximadamente o dobro do custo estimado de US$ 1,2 bilhão, essa iniciativa patrocinada pela IIRSA foi financiada pelo BID, pelo BNDES e pela Odebrecht, que recebeu uma concessão operacional de 25 anos.
- Corredor Interoceánico Norte. Construída entre 2005 e 2013 a um custo de US$ 1,2 bilhão, essa iniciativa da IIRSA foi financiada pelo BID, pela CAF e pela Odebrecht, que recebeu uma concessão de operação com duração de 25 anos.
Ambos os contratos foram concedidos durante a administração do presidente Alejandro Toledo (2001-2006), que foi acusado de aceitar um suborno de US$ 20 milhões. A Odebrecht (agora Novonor) continua operando as duas concessões, sendo que a única lucrativa é a Norte.
- Central Hidroeléctrica Chagalla. Essa usina hidrelétrica no alto rio Huallaga foi construída entre 2010 e 2016 com um investimento total de US$ 1,2 bilhão. O projeto foi aprovado durante o governo de Alan García e financiado pelo BID e pelo BNDES. Em 2017, a Odebrecht vendeu sua participação para uma empresa chinesa por US$ 1,3 bilhão, presumivelmente para reduzir a dívida em seu balanço patrimonial e se preparar para sua reorganização de acordo com as leis de falência do Brasil.
- Gasoducto Sur Peruano foi um projeto de US$ 7,4 bilhões que deveria integrar o sul do Peru, e o norte do Chile, com os campos de gás de Camisea. A concessão foi concedida em 2015 a um consórcio composto pela Odebrecht, Graña & Montero e uma empresa de energia espanhola (ENEGAS). A Odebrecht se declarou culpada de pagar um suborno de US$ 5 milhões a um executivo da Petroperú e, supostamente, ao então presidente Ollanta Humala (2011-2016). As alegações de corrupção forçaram o governo de Pedro Pablo Kuczynski a cancelar o projeto em 2017. Em um movimento audacioso, a Odebrecht (agora Novonor) processou o Estado peruano em 2020 por quebra de contrato e está exigindo uma indenização de US$ 1,2 bilhão.
De acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, a Odebrecht pagou US$ 29 milhões em subornos a pelo menos dois, e possivelmente quatro, dos últimos presidentes do Peru. Em 2018, Alejandro Toledo foi indiciado por acusações de extorsão e suborno, seguido por acusações semelhantes contra Alan García, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski. A empresa Odebrecht também fez contribuições para a principal candidata da oposição, Keiko Fujimori, que está sendo julgada por lavagem de dinheiro e outros crimes.

O Equador rescindiu todos os contratos governamentais com a Odebrecht em 2008, após uma disputa relacionada ao superfaturamento na Usina Hidrelétrica de San Francisco; a empresa negociou um retorno em 2010, subornando o vice-presidente com US$ 33,5 milhões, uma quantia escondida em sua proposta de contrato para a construção de uma refinaria para a Petroecuador. O pagamento, que foi revelado em um tribunal dos EUA, foi o precursor de mais US$ 150 milhões em cobranças fraudulentas entre 2011 e 2015 em cinco megaprojetos que foram originalmente contratados por US$ 1,4 bilhão. Esses e outros subornos foram revelados em 2017 no Escándalo de Sobornos, o que levou à prisão do chefe de operações da Odebrecht e do ex-vice-presidente que solicitou o suborno (Jorge Glas); o suborno foi aprovado com o conhecimento e o consentimento do então presidente Rafael Correa, que foi condenado à revelia e atualmente vive exilado na Bélgica.
As empresas de construção brasileiras começaram a operar na Bolívia em 1987, quando o país saiu de um período de instabilidade econômica e as agências multilaterais concederam empréstimos de assistência especial para projetos de infraestrutura. A Andrade Gutiérrez recebeu vários contratos que, apesar de nunca terem sido objeto de uma investigação séria, foram concedidos por meio de um processo de licitação imperfeito e não transparente. A Odebrecht adjudicou apenas um pequeno projeto na Bolívia e não foi implicada no processo criminal movido pelo Departamento de Justiça dos EUA. No entanto, as declarações de funcionários da Odebrecht no Peru e da OAS no Brasil fazem alusão a pagamentos feitos a funcionários bolivianos.
O projeto mais polêmico foi concedido à OAS, que apresentou uma proposta incontestada de US$ 400 milhões para construir uma estrada que atravessaria o Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro-Sécure (TIPNIS). Esse projeto, que seria financiado pelo BNDES, foi suspenso quando os habitantes indígenas do TIPNIS votaram pela rejeição do projeto. O governo continua insistindo que a construção seguirá adiante e tem se empenhado em fazer com que a decisão tomada pelas comunidades do TIPNIS seja revista.
Imagem destacada: Quando o Peru aprovou a expansão da mineração e novas represas, os agricultores dos Andes e da Amazônia se mobilizaram para manter o governo e os engenheiros da Odebrecht fora da terra e do rio. Imagem de Golda Fuentes..
“Uma tempestade perfeita na Amazônia” é um livro de Timothy Killeen que contém as opiniões e análises do autor. A segunda edição foi publicada pela editora britânica The White Horse em 2021, sob os termos de uma licença Creative Commons (licença CC BY 4.0).
Leia as outras partes extraídas do capítulo 6 aqui:
Capítulo 6. Cultura e demografia definem o presente
- A cultura e os grupos humanos que definem o presente da Pan-Amazônia Setembro 18, 2024
- A demografia da Pan-Amazônia Outubro 4,2024
- A comunidade indígena da floresta amazônica luta por seu pleno reconhecimento Outubro 8, 2024
- O surgimento de cidades ao redor da Amazônia Outubro 17, 2024